Influencers fazem cobertura paralela da política, mas ainda nas "bolhas"
Embora tenham dificuldade de "furar a bolha", influenciadores digitais exercem papel relevante na discussão política dentro de suas bases
A reeleição de Dilma Rousseff não agradou Raphaël Lima, morador de São Paulo que se intitula ativista libertário. Insatisfeito com a crise econômica e com os casos de corrupção daquela gestão, ele decidiu falar sobre libertarianismo de direita e anarcocapitalismo na internet.
Assim como ele, pequenos influenciadores nas redes sociais reforçam visões de diversas correntes políticas e servem como comentaristas alternativos do debate público. No entanto, devido à própria lógica das grandes plataformas, que privilegiam conteúdos mais populares, dificilmente conseguem falar para fora de suas "bolhas", isto é, seus nichos de audiência.
Lima virou "influencer" durante o primeiro ano do segundo mandato da petista, em 2015. Aos 25 anos, ele acreditava que suas ideias eram “radicais demais para que um editor as publicasse”. Assim, deu a seu canal no YouTube o nome “Ideias Radicais”.
Defensor das liberdades individuais, Raphaël é contrário às intervenções e até mesmo à própria existência de um Estado — algumas das ideias centrais do libertarianismo. “Não quero que os outros tenham controle sobre a minha vida”, justifica. Classificando como agressiva a maneira como o Estado seria imposto à sociedade, ele acredita que as instituições que administram a nação não são capazes de resolver os problemas do país.
Essas ideias são compartilhadas com os quase 650 mil inscritos que acompanham o canal. Eles veem desde vídeos mais conceituais — como os que explicam as funções do Estado e o que seria riqueza — até análises de acontecimentos recentes no mundo político, como as que tratam da rejeição da nova constituição do Chile e dos planos de governo dos candidatos à presidência brasileira.
Raphaël deixa claro seu voto nesta corrida presidencial (Felipe D’Ávila, do Novo) e chegou a publicar uma lista dos candidatos que apoia para os demais cargos em diferentes estados. Ressalta que as propagandas de políticos que podem aparecer no início de seus vídeos (que são monetizados) não necessariamente condizem com seu ponto de vista. Seu objetivo, afirma, é motivar aqueles que concordam com suas ideias a “sair do sofá e fazer alguma coisa”.
A internet como ferramenta da revolução popular
Em 2018, a internet brasileira se dividia, genericamente, entre os que idolatravam ou rechaçavam Jair Bolsonaro. Foi nesse momento que o professor Caio Dezorzi decidiu lançar o canal Visão Marxista, que pretendia ser uma resposta a uma escassez, na época, de youtubers de esquerda (especialmente dos falam de marxismo) e a uma grande quantidade de influenciadores de direita que já tinham um público cativo na internet.
Caio confirma que o público do canal é bem delimitado. Os quase 10 mil inscritos, afirma, já são “iniciados” em política e em marxismo e, portanto, têm interesse no conteúdo mais teórico do canal. Entre os temas discutidos (escolhidos coletivamente por membros da militância marxista de São Paulo), estão as origens do fascismo, a guerra na Ucrânia e o contexto sociopolítico da Venezuela.
Em virtude dessas características, o professor acredita que seus vídeos atinjam mais formadores de opinião e candidatos da esquerda. Entre o eleitorado em geral, o alcance e impacto seriam menores. “Como optamos por não monetizar nossos vídeos, os algoritmos do YouTube também não nos favorecem”, diz.
Assim como Raphaël, Caio também usa a palavra “radical” para definir seu posicionamento político. Neste caso, porém, o “radical” tem o sentido de mexer na “raiz”, ou seja, nas bases da estrutura da sociedade capitalista, segundo o professor. Para ele, a internet é uma ferramenta de discussão dessa estrutura e, também, de debate sobre revolução.
Responsabilidade da informação
Em julho de 2016, no mês que precedeu a finalização do processo de impeachment de Dilma, foi inaugurado o canal Livres, com o mote “liberal por inteiro”. Mano Ferreira, cofundador e diretor de comunicação do canal, diz reivindicar um Brasil “em que o lugar de cada pessoa na sociedade seja resultado de suas próprias escolhas individuais”. Esse resultado, acredita, passaria pela construção de uma democracia liberal, com mercados competitivos e uma sociedade aberta.
Além de informar o público (são 16 mil inscritos) sobre temas de seu interesse, Mano e sua equipe pretendem “qualificar os candidatos, especialmente os líderes livres, para ampliar seu repertório acerca dos nossos desafios”.
Já a militante marxista Laura Sabino, de 24 anos, lida com a responsabilidade de transmitir informações para os quase 140 mil inscritos em seu canal no YouTube. Ela descreve como “elaborado” o processo de criação de roteiro dos seus vídeos. “Em todos, eu leio livros, artigos. Existem roteiros que eu demoro dois meses para fazer, porque faço questão de colocar fonte em tudo, de checar as informações”, afirma.
Estudante de História na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Laura cresceu na cidade mineira de Ribeirão das Neves, apontada por uma pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), de 2017, como a segunda pior cidade para mulheres no Brasil — atrás de Marabá (PA) e empatada com Belford Roxo (RJ). O estudo levou em conta aspectos como educação, renda e longevidade femininas.
Os desafios enfrentados por mulheres e pela juventude (especialmente a negra) em sua cidade foram alguns dos fatores que despertaram seu interesse pela política. “Eu cresci vendo as desigualdades e as contradições desse sistema com os meus próprios olhos”, diz a influenciadora, que acompanhava desde cedo, por influência do pai, reuniões de movimentos sociais e ocupações do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
Ainda na escola, Laura percebeu que discursos de extrema-direita se tornavam populares nas redes sociais de colegas. Para ela, aquelas eram “explicações simples para problemas muito complexos”, o que a motivou a também ocupar aquele espaço com as suas ideias. Foi quando criou uma página no Facebook para falar de marxismo.
“Quando postei uma foto com um boné, minhas redes sociais foram tomadas por xingamentos vindos de páginas [de fãs] do Olavo de Carvalho. Aquele velho discurso do ‘socialista de iPhone’ ou ‘vai para Cuba’”, conta. “Eu vi nisso uma oportunidade de conversar com as pessoas e expor um outro lado.”
Pregando para convertidos
Os influenciadores podem até mobilizar o público adepto a essa visão de mundo, mas dificilmente conseguem furar a bolha. O impacto do conteúdo criado por youtubers e influenciadores, sejam eles de direita ou esquerda, atinge aqueles que já têm conhecimento, predisposição ou simpatia em relação à ideologia defendida.
“Há um certo cansaço da polarização, o que significa que os criadores de conteúdo só têm influência dentro da sua própria rede, ou seja, eles pregam para convertidos”, afirma Raquel Recuero, professora e pesquisadora de comunicação da UFPEL (Universidade Federal de Pelotas)
Apesar da dificuldade, alguns conteúdos com potencial de viralização podem ultrapassar a barreira ideológica e chegar às outras bolhas, graças principalmente ao volume de compartilhamentos. “Quanto mais gente compartilha o conteúdo de um determinado criador, mais esse conteúdo parece ter força e dá a impressão de que todo mundo concorda, o que pode mudar algumas cabeças”, considera Recuero.
O compartilhamento de opiniões mal fundamentadas, para ela, deve ser um ponto de atenção. “Tem muito criador fazendo conteúdo desinformativo. Creio que é preciso ter algum tipo de responsabilidade, com certeza, principalmente daqueles que são autoridades públicas ou que estão no exercício do mandato, pois influenciam sua audiência”, comenta.