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"Tolerância" mostra a cara do suspense nacional
São mais de cem salas em todo o País - o superlançamento dá a medida da confiança que a distribuidora Columbia deposita em Tolerância. O longa do gaúcho Carlos Gerbase já foi exibido, com êxito, no Festival do Rio BR 2000 e na Mostra Internacional de Cinema São Paulo. Deveria integrar a mostra competitiva do Festival de Brasília, que começa no dia 21. Chegou a ser aprovado pela comissão de seleção, mas a comissão organizadora do evento não referendou a escolha porque Tolerância estréia amanhã em circuito nacional. Só Brasília, por causa do festival, ficaria de fora. O regulamento de Brasília exige que os longas concorrentes sejam inéditos no circuito comercial em todo o Brasil.
Gerbase é jovem, mas está longe de ser um estreante. Pertence à Casa de Cinema de Porto Alegre, a empresa que abriga Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo, entre outros nomes importantes da cinematografia não só gaúcha como nacional. Gerbase começou no super 8, dirigiu diversos curtas e longas. Um desses longas se chama Verdes Anos e foi co-dirigido por Giba Assis Brasil. Verdes Anos traça um retrato da juventude dos anos 70. Tolerância não deixa de ser uma seqüência, 20 anos depois. Gerbase não se propôs apenas a fazer o primeiro longa da Casa de Cinema. Quis também fazer um filme para ver o que restou dos sonhos daquela geração que tentou mudar o mundo em Maio de 68.
Foi assim que tomou forma a história do casal interpretado por Roberto Bontempo e Maitê Proença. Os dois nunca estiveram tão bem. Maitê, linda como sempre, segura com inesperada força um papel que exige muito mais do que o naturalismo com o qual passa, disfarçando limitações, pelas novelas da Globo. Ela fala 'tu', como os gaúchos. Conjuga os verbos erradamente - tu fez, tu viu. Nunca é menos do que convincente.
O filme se chamava inicialmente "Intolerância". Ficou sendo Tolerância. Bontempo e Maitê são casados. Ele edita uma revista de nus femininos, vive retocando bumbuns no computador. Ela é advogada, cínica a mais não poder no tribunal, onde o que importa é convencer o júri e ganhar a causa, não importa como. Fazem um pacto entre eles - não mentir, nunca. Ele confessa que gostaria de ir para a cama com a mulher com quem se comunica na Internet. Ela, dizendo que está cansada de mentir no tribunal e precisa ser sincera em casa, lança o que termina sendo uma bomba para o marido - foi para a cama com outro homem.
Desestabiliza-se a união. Entram os filhos - a filha, principalmente, com uma amiga que joga sua sedução sobre o pai. Há um crime, Bontempo é acusado de assassinato. E mais é melhor não dizer para não tirar a graça de quem for ver Tolerância. É um filme muito bem-feito. Implode o conceito de gênero, porque trafega por diversos deles, o que não deixa de revelar que outra das preocupações de Gerbase, além de (re)ver criticamente os ideais da geração 68, é discutir a própria linguagem. O drama familiar, existencial, com pitadas de Beleza Americana - mas que já estava escrito antes do filme famoso de Sam Mendes -, engloba a questão agrária, por meio da morte de um proprietário rural, e termina virando um suspense absorvente, senão exatamente eletrizante.
Talvez seja esse o problema que pode ser detectado em Tolerância. O filme tenta falar de muitas coisas ao mesmo tempo, mistura o existencial e o social. Quer ser reflexão e entretenimento. Esse entrechoque de pontos de vista sugere indecisões que são incômodas sem deixar de ser sedutoras. E o bom é que a vertente policial aberta por Tolerância em breve será percorrida também por Bufo & Spallanzani, que Flávio R. Tambellini adaptou do romance de Rubem Fonseca. Até os tradicionais inimigos do cinema brasileiro vão concluir que o policial nacional tem vida própria, sem ser apenas imitação de Hollywood.(Luiz Carlos Merten/ Agência Estado)
Assista à entrevista em vídeo com o diretor Carlos Gerbase
Maitê encara versão erótica no envolvente thriller
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