Numa das cenas do filme Código Desconhecido, o fotógrafo conhecido apenas por Georges acaba de retornar da cobertura da guerra no Kosovo e almoça com a namorada, a jovem atriz Anne, e dois casais amigos. Um deles lhe pergunta como está sendo sua volta a Paris, depois da guerra. O rapaz alega dificuldade e diz que no campo de batalha foi mais fácil se acostumar com a rotina daquele ritual de massacres do que com a da capital francesa. A comparação não chega e ser uma brincadeira irônica do diretor austrÃaco Michael Haneke. Está inserida num contexto que, quando dita, mais assusta do que faz rir. E nada parece à toa para o mesmo diretor que arrancou elogios e repulsa com o inquietante Violência Gratuita (Funny Games) e ganhou o Prêmio do Júri em Cannes este ano, por A Pianista.
Haneke encontrou um meio simples e eficaz para introduzir o espectador no universo de seus personagens. O filme começa de forma enigmática, numa escola para surdos-mudos. Uma garotinha simula que está apavorada e encurralada numa parede e espera que seus colegas adivinhem que situação ela está vivendo. Nenhum acerta. Um corte brusco, seguido de um vazio negro de alguns segundos, leva o espectador para uma cena aparentemente banal: um adolescente branco, Jean, que acaba de sair de casa por causa de atritos com o pai, termina de comer o pão e atira o papel amassado no colo de uma mendiga de Kosovo chamada Maria. Um negro, o professor de música para crianças surdas-mudas Amaduou, filho de imigrantes africanos, exige que o rapaz peça desculpas à mulher. Os dois entram em luta corporal e toda a incriminação do fato se volta contra o negro. A partir daÃ, monta um quebra-cabeça que, de alguma forma, une todos os envolvidos no incidente.