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CLUBE DA LUTA
RAPIDINHO
Filme bem estranho... A primeira impressão é que não passa de uma grande demonstração de "virtuosismos cinematográficos", que começam no roteiro, passam pelo elenco e vão até a música. Tudo muito moderno, tudo muito descartável. Fincher, que já fez "Vidas em jogo" (em que essa primeira impressão se confirmava) e "Seven" (um bom filme, porque menos pretensioso e mais envolvente), arrisca muito em Clube da Luta.
E, quanto mais eu penso no filme, mais gosto dele. Pelos riscos. Pela coragem de tratar claramente de ideologias, de formas de viver, num mundo em que esses assuntos parecem estar superados.
O filme pode até resvalar, às vezes, num didatismo meio chato, meio infantil, tipo "Introdução ao Anarquismo Pós-moderno", mas, que diabos!, para a maioria dos espectadores esse didatismo pode ser fundamental.
"Clube da Luta" vai sobreviver, não pela sua "esperteza", que está no limite da pirotecnia, e sim pelo que diz, pelo que propõe. Ou, pelo menos, pelo que tenta propor. Para quem acha que o sistema precisa exibir suas feridas de vez em quando, para continuar forte e saudável, eis aí uma bela ferida a conferir. Essa ferida é hollywoodiana, mas sangra, causa dor, faz pensar. Creio que, para um filme em cartaz nos shoppings da vida, já está muito bom.
AGORA COM MAIS CALMA
O começo: alguém que não consegue mais viver. Tem um trabalho rentável, tem uma apartamento bacana, tem tudo para ser feliz. Ele devia estar contente por poder atirar pipoca para os macacos. Mas não está. Este é o personagem principal de "Clube da luta". A sua ansiedade se manifesta através da insônia e, como não consegue dormir, começa a freqüentar todo tipo de grupo de desesperados: alcoólicos anônimos, obesos anônimos, homens que perderam os testículos, etc. Ali, encontra compreensão, alívio e a possibilidade de uma noite inteira de sono. É um bom começo de filme. É um bom personagem. É a perspectiva de uma comédia dramática, provavelmente intimista, provavelmente sem muita ação.
O final: alguém que participa (e, dependendo do ponto de vista, lidera) um pequeno exército de carecas anarquistas, dipostos a detonar (literalmente) a estrutura econômica do mundo capitalista, fazendo a civilização inteira acordar da profunda letargia em que está mergulhada pelo "sistema". Para conseguir seu objetivo, é capaz de transformar-se por completo, ser extremamente violento, arriscar vidas (inclusive a sua) e dizer coisas como: "Você não é o seu salário, nem o seu apartamento, nem a sua mobília". É um bom personagem. É um bom final de filme. É o clímax de uma aventura meio futurista, com explosões, sangue e muita ação.
A surpresa: o bom começo e o bom final são do mesmo filme. E aí começa e termina a esquizofrenia de "Clube da luta". Uma saudável esquizofrenia, que vai se estendendo seus tentáculos lentamente pela narrativa, até chegar na alma de seus personagens e propor um final bem interessante, que tem alguma coisa de "Estrada perdida", de Lynch, ou, quem sabe, de "Possessão", de Zulawsky. Mas Fincher não chega a radicalizar. Ele pretende que o espectador saia do cinema com boas respostas para tudo, e, nesse sentido, aproxima-se um pouco das explicações meio caretas de "O sexto sentido". Se formos examinar com calma o roteiro, certamente encontraremos ações inverossímeis, mas os riscos assumidos se justificam plenamente.
Se o bolo ficou legal, quem liga para a receita? O problema são os bolos abatumados, como "Vidas em jogo".
A ponte entre o "angustiado" do início do filme e o "revolucionário" do final é o tal Clube da Luta. A idéia é interessante e tem bases psicanalíticas fortes: num mundo em que as pessoas não se sentem mais humanas, porque suas vidas estão planejadas do nascimento à morte (e o planejamento é chato pra burro), os instintos precisam ser saciados de alguma maneira, e umas boas porradas na cara podem ser bastante prazerosas. Pessoalmente, penso em coisas mais interessantes a fazer com nossos pobres instintos, mas... cadum, cadum.
Temos, é claro, um forte componente homossexual naquele bando de "fortões" se batendo num porão escuro, liderados por Brad Pitt. Grande risco nesse elenco: Pitt. Mas, querem mesmo saber? Ele está muito bem em "Clube da Luta". Na verdade, está melhor que Edward Norton, este com o olhar meio bobo demais, meio inocente demais. As lutas, filmadas com a violência necessária e plenamente justificável, são os melhores momentos do filme.
Para o meu gosto, aquela grande casa "podre" é a pior coisa do filme. Dá pra ver a mão do diretor de arte em cada cantinho. Outra coisa lamentável é o cabelo e a maquilagem da personagem de Helena Bonham Carter. De que filme ela saiu? Parece que veio direto do "Matrix", sem escalas. As mulheres mereciam uma representação mais realista. Ou talvez eu não tenha entendido nada, e ela não passa de uma (outra) projeção da mente do nosso herói. Mas quem vai projetar aquelas olheiras? Tenham dó. Fincher, às vezes, exagera na pós-modernidade.
No mais, "O clube de luta" já está na minha listinha dos melhores do ano. Não vai solapar as bases do capitalismo, nem do cinema moderno, mas tem muito mais a dizer do que a grande maioria dos produtos de Hollywood. Se esquecer um pouco os malabarismos, Fincher tem condições de trilhar os caminhos de Scorsese, refletindo sobre os vazios e as contradições de nossas vidinhas, programadas para não fazer nenhuma diferença.
Clube da Luta (Fight Club, EUA 1999). De David Fincher
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Carlos
Gerbase é
jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor.
Já escreveu duas novelas para o ZAZ (A
gente ainda nem começou e "Fausto"). Atualmente
finaliza seu terceiro longa-metragem, Tolerância, com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.
Índice de colunas.
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