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Cartunista Laerte tem obra completa reeditada em livro


Sexta, 23 de novembro de 2001, 16h32

Uma história em quadrinhos pode marcar tanto quanto um bom livro ou filme. Por que não? Apesar de seu caráter supostamente descartável, o leitor de gibis viu surgir nos anos de 1980, por exemplo, as chamadas "graphics novels" e "minisséries de luxo", edições impressas em papel de qualidade e com pretensões artísticas até então desprezadas e que colocaram autores como o americano Frank Miller e o inglês Alan Moore no mesmo patamar dos principais escritores de seus países. Nessa mesma época, o brasileiro Laerte Coutinho nadou contra a corrente e não precisou mais que seis páginas, impressas em papel jornal e em preto e branco, para arrebatar uma legião de fãs e se transformar num dos mais criativos autores de sua geração, ao lado de Angeli e Luiz Gê.

Tratava-se da história "A Insustentável Leveza do Ser", escrita e desenhada por ele e publicada na revista "Circo" (Circo Editorial), em 1987. Impressionou tanto que não é possível lembrar daquele período em que os gibis viveram seu último grande momento no Brasil sem citá-la como um clássico. A história se passa em poucos minutos, numa manhã qualquer, no dia do 18º aniversário de um bem comportado rapaz de classe média. Laerte funde a cabeça do personagem - e do leitor - com uma série de revelações absurdas: seu pai é, na verdade, uma desconhecida tia travestida de homem. O mesmo acontece com a mãe, que era o leiteiro da esquina; e com sua irmã - na verdade, uma garota contratada para fazer esse papel. O final é novamente demolidor. Para alguns, a trama parece conhecida, principalmente para que viu o filme "O Show de Trumman", com Jim Carrey, lançado em 1999. Doze anos antes, Laerte já falava de um mundo forjado por valores morais.

Quem quiser conferir "A Insustentável Leveza do Ser" basta aguardar o álbum "Histórias Repentinas", com lançamento previsto para março de 2002. A edição é um dos dois primeiros volumes que marcarão a merecida publicação em livro da obra completa em quadrinhos do artista, pela editora Devir. O outro título, que já chegou as livrarias, chama-se "Classificados" (Jacaranda-Devir, 64 págs., R$ 15), uma coletânea de cartuns publicados na seção homônima da "Folha de S. Paulo". Não se trata de meras ilustrações complementares do caderno de anúncios do jornal, mas a ratificação do talento deste que é o mais premiado autor brasileiro de quadrinhos - é o único a ter recebido, durante 13 anos, o HQ-Mix, considerado o mais importante prêmio de quadrinhos do Brasil.

Reunidas, as tiras representam um apanhado de situações cotidianas cômicas de identificação imediata com o leitor da seção do jornal. O humor refinado de Laerte - que consegue a façanha de ser simples e sofisticado ao mesmo tempo - varia das gags corriqueiras, cujo propósito é apenas fazer rir, a situações cotidianas relacionadas principalmente a problemas econômicos e que acontecem ou fazem parte da rotina do leitor. No primeiro caso, muitas piadas são atemporais e brincam com o significado ou a literalidade de seus significados. "Classificados" mostra que continua a surpreender na obra de Laerte justamente sua capacidade de construir um tipo de humor inteligente de extrema sutileza, que funciona muito bem com seu estilo de traço e acaba por provocar risos em todas as camadas de leitores, do menos instruído ao mais exigente "intelectual".

Já as oito histórias de "Histórias Repentinas" representam uma outra parte da obra do artista, de sua fase inicial como quadrinhista. Um apanhado bastante representativo, aliás. Todos os trabalhos têm um elo em comum: a intenção do autor em jogar seus personagens em situações desesperadas do dia a dia a partir de acontecimentos repentinos, muitas vezes escatológicos e inexplicáveis, que levam a uma angústia imediata por parte do leitor, tamanha a proximidade que essas situações acontecem do seu dia a dia. Como, por exemplo, "Crise", a história do subsecretário que circula pelos lugares públicos completamente nu da cintura para baixo e, apesar do seu pânico, ninguém parece perceber, como num pesadelo kafkiano. Ou a do caçador que procura um leão pela cidade e vai encontrá-lo num balcão de bar.

Na hilária "Lingerie", parceria com o roteirista Pelicano, o tragicômico da vida destrói a reputação de um respeitado machão, que morre depois de ser atropelado sem ter tido a chance de explicar que só estava usando a calcinha de rendas da mulher. Por mais que ele recorra até mesmo a uma sessão num centro espírita, não convence ninguém de que vestia a peça porque estava com pressa, e porque sua esposa acabara de pendurar suas cuecas lavadas no varal. Absurda também é a passeata das pizzas pelas ruas da cidade contra seus outrora famintos pedradores - os freqünetadores de pizzarias.

Uma das marcas de experimentalismo que tem marcado o trabalho do desenhista - quadrinhos sem textos - também aparece no álbum, com a história "Aquele cara", sobre o sujeito que circula entre pessoas cujas cabeças são dedos polegares e cujos rostos são impressões digitais, sem olhos, nariz e boca. Lirismo, fantasia e fantástico encerram o livro, com a antológica "Penas", que nada deixa a dever ao humor negro e irônico do surrealismo futurista de "Brazil, O Filme", de Terry Gilliam. A trama de Laerte narra a vida de um rapaz que, num belo dia, percebe em seu braço o aparecimento de penas de pássaro que vão transformá-lo, aos poucos, numa figura diferente num mundo de tipos moldados por um sistema moralista e repressor.

Os dois livros de sua obra completa cobrem períodos diferentes de sua produção em duas décadas e mostram por que o artista se mantém como um dos expoentes da mais bem-sucedida geração de artistas de quadrinhos no Brasil, em mais de um século de história. Ao lado de Angeli, Glauco, Luiz Gê e Fernando Gonsales, ele surgiu num esquema alternativo nos anos de 1970, em publicações como "Balão", e se consagrou na década seguinte na Circo Editorial, do editor Toninho Mendes. Pela primeira vez, quadrinhistas brasileiros atingiram a respeitável marca de 150 mil exemplares vendidos, como aconteceu com a revista "Chiclete com Banana", de Angeli, que tirou Laerte do cartum e o lançou e o consagrou como autor de quadrinhos.

Filho de professor universitário e bióloga, Laerte cresceu como uma criança privilegiada que sonhava em ser desenhista. Tinha sempre à mão livros de arte e de desenho. Ainda pequeno, morou com os pais nos Estados Unidos. "Eu não sei se meu pai já era apaixonado pelo país, mas em casa sempre teve muita revista americana, com muitos desenhos, historinhas. Eu cresci vendo isso, minha mãe traduzia para nós", recorda. Na época, descobriu os quadrinhos e pensou que poderia ser desenhista. Encantou-se principalmente pelo traço de Norman Rockwell, um dos principais ilustradores americanos. "Ele era meu ídolo, uma referência para quem sonhava em ser desenhista, apesar de eu não fazer essa distinção entre ser ilustrador e desenhista de quadrinhos."

A decisão veio durante um curso de arte nas Faculdades Armando Álvares Penteado (Faap), na adolescência, quando tomou contato com as artes cênicas, desenho, pintura e gravura, e a explosão da contracultura que ecoava dos Estados Unidos. Encantou-se, em especial, pelo teatro, graças às aulas com Evandro Jardim. "A gente fazia música, atuava mesmo, trabalhava com textos e roteiros para peças, a parte de artes plásticas, fazia cartazes, produzia bonecos, um monte de coisas vinculadas a um trabalho em uma peça." Nos três anos em que estudou na Faap, Laerte participou de pelo menos quatro peças. Eram tempos de irreverência e transformação que nem sempre estavam relacionados à efervescência política do momento. "Lembro-me que nessa época apareceu o tropicalismo e nos sentimos irmanados com aquilo, tínhamos pontos de convergência, mas a gente não conhecia o suficiente para ser influenciado, entende?"

O processo de conscientização política só viria depois da faculdade de Comunicação e Artes (ECA), da USP, por volta de 1973. Até então, lembra o desenhista, a vida não passava de uma farra. "Eu já lia o 'Pasquim' antes, achava bem engraçado, gostava muito, mas faltava uma visão política do que estava acontecendo." Na ECA, Laerte se juntou a um grupo de colegas para fundar a "Balão", revista que nasceu de encontro de pessoas. "Considero 'Balão' pioneira e importante porque não existia nada relacionado à produção brasileira, à exceção da revista de Maurício de Souza."

"Balão" nunca saiu do círculo universitário e vendia apenas algumas centenas de exemplares. Mas projetou a maioria de seus colaboradores. Influenciada pelos modernos quadrinhos europeus (Crepax e Wolinski) e americanos (Robert Crumb) do gibi "Grilo", a publicação de Laerte e sua turma transformou-se numa referência histórica.

Mesmo depois de ter sido um dos editores da "Balão", Laerte se afastou dos quadrinhos por questão de sobrevivência. Passou mais de dez anos como chargista do jornal "Gazeta Mercanti" e do movimento sindical paulistano. Colaborou também em revistas como "Veja" e "Istoé". Até que o surgimento da Circo, em 1985, coincidiu com a sua decisão de largar tudo e viver do que realmente queria - histórias em quadrinhos. "Eu não teria como dar esse salto assim se não houvesse a Circo. Sempre fui muito medroso com transições desse gênero, nunca tive peito para fazer uma aposta para uma direção que estava ainda muito nebulosa."

A estréia na "Chiclete com Banana" ocorreu com a história "Piratas do Tietê", uma mirabolante aventura de piratas subversivos pelas águas do poluído rio paulista. O êxito junto aos leitores levou-o a editar com Luiz Gê o hoje antológico gibi "Circo", da mesma editora. E Laerte não parou mais. Ganhou revista própria em 1990, "Piratas do Tietê" (Circo), e, em seguida, "Striptiras" (Nova Sampa), projetos abortados pelos sucessivos planos econômicos dos governos Sarney, Collor e Itamar. "Para mim, foram importantes as histórias que fiz para essa revista e não a experiência de editor", recorda. O desenhista se define como editor desastrado e lamenta ter recusado o trabalho de Lourenço Mutarelli, hoje consagrado como um dos principais nomes dos quadrinhos nacionais.

A fase da Editora Circo, lembra Laerte, serviu como catarse para a militância sindical e política de uma década. "Eu estava meio vacinado de política, meio querendo ver a coisa pelas costas, porque depois da experiência toda com o partidão (Partido Comunista Brasileiro), eu fiquei com bode. Sempre foi meio dúbio para mim isso, porque achava que devia alguma coisa como militante." No livro "O Tamanho da Coisa", de 1985, acrescenta, colocou a pá de cal sobre o assunto.

O êxito de Laerte está relacionado à qualidade acima da média que alcança com seus quadrinhos. Ele acerta muito mais que erra. "Tenho um critério que faz com que só fique satisfeito se a compreensão pelo leitor está dúbia. De certa forma, jogo com coisas que poderiam ser óbvias, mas não são." A intenção do artista está em fazer piadas com o próprio modo de o leitor perceber a piada. Ou seja, brinca com coisas que fazem o público achar graça, mas deixa a impressão de que não sabe direito por que está reagindo dessa forma. "Isso para mim é o maior sucesso de uma tira minha, é quando fica muito engraçado, mas o leitor só desconfia porque está engraçado. Considero isso meu critério de realização."

Não quer dizer que exista um conteúdo intelectual com o propósito de confundir o leitor. Pelo contrário. O desenhista tem a intenção de tirar um sarro disso, com alguma ironia. Laerte cita como exemplo uma série de tiras que se passa numa seção de achados e perdidos. Todo dia, uma funcionária pergunta aos gritos para um grupo de pessoas quem perdeu tal coisa. Quem perdeu, por exemplo, uma letra de pagode que começa de modo bem clichê e depois desenvolve uma relação entre o "estruturalismo e não sei o quê". Segue-se, então, uma incompreensível tese filosófica. "Nesses casos, vou aos livros para ter um embasamento, mas não quer dizer nada, é puro sarro." Não se trata, observa ele, de desprezo pelos livros como fonte de inspiração fundamental, como o cinema. "Eu sempre gostei muito de ler. E até hoje uso outras obras como estímulo para minhas obras. Uma boa fonte de inspiração para meus quadrinhos são outros quadrinhos, são livros, são filmes, coisas assim."

Laerte quer que a reunião de sua obra completa para livrarias o estimule a voltar a produzir histórias longas. "Afastado há muito tempo, estou num processo muito difícil de retomar isso", admite o quadrinhista. Espera, assim, concluir a história sobre os 500 anos de descobrimento do Brasil, prevista para ser lançada durante as comemorações no ano passado. "Perdi o momento para fazê-la, mas, mesmo assim, acho que a idéia resiste e ela pode ser feita ainda." A culpa por ter parado sua produção, segundo ele, é do mercado. Ou seja, da falta de oportunidade para publicar trabalhos mais extensos. "Minha rotina de trabalho está comida por tiras. Tenho que fazer tira, tira, tira, tira, tira. É algo infindável e a gente acaba por obedecer a uma fórmula que vicia. Como estou há anos fazendo isso, sempre acho saídas rápidas que resultam em tiras."

Tal método, acrescenta, acabou por refletir em seu texto humorístico para televisão, segmento que conseguiu consolidar uma carreira desde os tempos da "TV Pirata", da Rede Globo, na década de 1980. Para quem não sabe, Laerte foi, durante anos, um dos roteiristas do humorista dominical "Sai de Baixo", da Globo. "Era tudo assim, piadas rápidas e sucessivas. Quando saí do programa, pintou a oportunidade para escrever 'Os Nor-mais' e eu não consegui. Mal ou bem comparando, é o mesmo que eu fazer aquelas histórias longas. São tramas desenvolvidas com outro tempo, com outro espaço e outro tipo de roteiro", explica. Não quer dizer, porém, que Laerte desistiu de vez do formato. Com entusiasmo, ele anuncia para breve a volta de seus tipos aparentemente esquisitos, mas tão parecidos com uma figura que ele conhece bem: seu leitor.

O quadrinhista desenha e escreve para gente grande. O público das tiras "Piratas do Tietê", "O Condomínio" ou "Deus" - disribuídas para mais de 20 jornais em todo país - não é infantil. Atinge adolescentes e universitários. A exceção fica com a garotinha Suriá, criada para o suplemento infantil "Folhinha de S. Paulo" e já publicada em livro pela Devir. "Escrevo para pessoas assim, como eu, miro nesse perfil. Mas, às vezes, surpreendo-me ao ver pessoas mais jovens falando de minhas histórias, que adoraram isso e aquilo. Os religiosos, por exemplo." Refere-se à repercussão do personagem Deus, uma das atrações atuais de sua tira diária.

Laerte conta que começou a fazer as histórias com o uso do personagem de uma maneira muito livre. E começou a despertar um furor entre os religiosos. A favor, felizmente. O retorno por meio de cartas entusiasmadas surpreendeu o desenhista. Todos aprovaram a idéia. "Eles dizem, ah, que ótimo, finalmente alguém começou a falar de Deus dessa forma, tão humana." Laerte conta que respondeu a um deles e disse que não estava pensando no discurso religioso quando bolou a tira. "Não importa, faça que a gente está adorando", rebateu um leitor.

Reações como essas levam o desenhista a concluir que fazer quadrinhos é mais complicado do que parece. "Acho que sim, mas, de novo, tenho de observar o fato de que tudo está muito achatado por conta da rapidez com que eu tenho de fazer todas as coisas." Isto conduz, acrescenta, a fórmulas de produzir. "Pela minha prática, sei que o quadrinho vai assim e assado, etc. e tal. Então, volta e meia recorro a expedientes que agilizam a produção, como pegar uma imagem e colar no computador." E brinca: ele não é o único a recorrer a tal expediente.

Gonçalo Júnior/InvestNews-Gazeta Mercantil

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