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Entrevista: Murilo Benício fala da sua participação em O Clone

Domingo, 09 de junho de 2002, 17h07

Murilo Benício está feliz com
sua atuação em O Clone
Luiza Dantas/Carta Z Notícias

Murilo Benício mal tem tempo para tomar um cafezinho no Projac, complexo de estúdios da Globo no Rio de Janeiro onde é gravado O Clone. Mesmo nas últimas semanas da novela de Glória Perez, o ator de 31 anos não consegue parar nem para uma conversa rápida com os colegas. Enquanto os atores de O Clone se reúnem na ante-sala esperando a hora de gravar e aproveitam para se divertir com as saborosas histórias do veterano Sebastião Vasconcelos, que vive o retrógrado Tio Abdul na trama, Murilo passa várias vezes pelo corredor, ora na pele de Lucas, ora como o clone Léo. Senão bastasse a tarde inteira de gravação, o ator ainda sabe que terá cenas noturnas ao lado de Giovana Antonelli. "Não reclamo, pois já previa trabalhar mais do que a maioria do elenco. Mas a recompensa também é dobrada para mim", ressalta Murilo.

Na verdade, a satisfação do ator niteroiense tem explicação. Murilo não estava cotado para o papel de protagonista de O Clone. Para viver os gêmeos Lucas e Diogo, além do clone Léo, a Globo convocou primeiro Eduardo Moscovis e Fábio Assunção, que não aceitaram o convite. Com performance modesta em três novelas anteriores ao O Clone - Esplendor, Meu Bem Querer e Por Amor -, o próprio Murilo se ofereceu para trabalhar na produção dirigida por Jayme Monjardim. A atitude foi, no mínimo, corajosa, já que as chances de êxito de O Clone eram vistas com resistência até mesmo pela toda-poderosa Marluce Dias da Silva, diretora executiva da Globo. "Encarei uma parada dura, mas dei conta do recado", acredita o ator.

A "parada dura" a que Murilo se refere, além de dar conta de três personagens, tem a ver com as críticas que recebeu, principalmente na primeira fase da novela. Mas o próprio ator reconhece que antes da entrada do clone na produção e com a morte do irmão Diogo, o soturno Lucas estava um chato de carteirinha. "Até eu achava isso, imagina o público", assume Murilo. No entanto, quem pensa que o ator tem preferências quanto a quem deve terminar a novela com a disputada Jade, vivida por Giovanna Antonelli, se engana. "O que a Glória decidir, aceito sem pestanejar", avisa.

ENTREVISTA:

P - Você se ofereceu para protagonizar O Clone após dois atores desistirem e a novela chega ao fim com ótimos 60 pontos de média. Aumentou o seu prestígio na Globo?

R - Talvez, pois realmente peguei uma parada dura. Foi muito trabalho. Confesso que dá até pena de estar acabando a novela porque toda a equipe se entendeu bem em O Clone. Acho que dei conta do recado sim. Foi uma experiência maravilhosa até mais para mim do que para qualquer outra pessoa, porque tive altos e baixos na novela. Senti uma coisa legal durante toda a produção, que é não estar agradando o tempo inteiro. Às vezes, a gente precisa deixar de ser egoísta e desejar ficar interessante o tempo inteiro, porque é uma novela que está andando. Não é o Murilo Benício. É legal saber que tal hora você vai estar mais de lado e outra pessoa em evidência.

P - Você foi alvo de muitas críticas durante a novela. Isso chegou a afetar seu rendimento como ator?

R - Não deixei me abater. Acho tudo uma besteira. Não ligo mais para críticas. Então, não tenho nem o que dizer. Imagina, até o Miguel Falabella apareceu me sacaneando... Tento não dar mais importância para este tipo de coisa. O importa para mim é que, pessoalmente, a novela como projeto foi maravilhosa e uma surpresa. Porque as pessoas desde o começo acreditavam no projeto, mas não esperavam este sucesso todo que foi. Até porque uma novela, por mais sucesso que seja, dificilmente alcança o nível de sucesso que O Clone alcançou. Por isso, não tenho medo de dizer que esta novela superou as minhas expectativas em relação a tudo. Até a equipe e aos atores que estavam envolvidos com o projeto e em relação ao resultado final.

P - A própria emissora ficou receosa do sucesso de O Clone devido aos temas da novela, no caso, a clonagem, drogas e o mundo muçulmano. Na sua opinião, o que levou O Clone a chegar na reta final com tanta audiência?

R - É uma união de fatores que levam a novela a ter o reconhecimento do público e a audiência crescente do início ao fim. Sem dúvida que a Glória Perez desenvolveu a trama de uma maneira que fez com que o público não rejeitasse e começasse a se interessar pelo mundo muçulmano, apesar do atentado de 11 de setembro. Mas um item foi essencial: a escalação dos atores, que acabaram sendo sabiamente escolhidos.

P - Durante O Clone, qual o momento mais difícil para você em termos de interpretação?

R - Foi quando eu fiquei armando o campo para o Léo chegar. As pessoas não entenderam, mas o Lucas ficou meio apático e sem grandes expressões, porque era daquela maneira que estava interpretando ele. Era para ser aquilo mesmo. Então o Lucas ficava meio chato e eu não tinha muito o que fazer. E este foi um momento difícil, porque as pessoas começaram a criticar. Elas cobram mesmo e não entendem. Mas confesso que até eu achava o Lucas meio chato. Era um cara chato, que não tinha uma determinação. Isso não é chato só para o espectador. Para mim também.

P - Como surgiram os trejeitos do clone Léo?

R - O tique do pescoço eu tirei do ator Jude Law, que fez o filme "Inteligência Artificial". Achava muito interessante o Léo ter uma coisa meio robótica e que, ao mesmo tempo, é só um tique. Então não dá para dizer que ele é um robô por causa disso. Mas sempre quis que o Léo tivesse uma estranheza. Eu vi o filme e fiquei com isso na cabeça. Era uma referência que criei antes de iniciarem as gravações da novela. Também decidi desde o início que não mostraria os dentes do Lucas, somente os dentes do Léo. Isto porque o Lucas não articula muito e o Léo bastante. Acho que ficou interessante.

P - Interpretar as cenas em que você aparece duplamente é a parte mais complicada da novela?

R - Sem dúvida em termos técnicos é realmente complicado. Até porque eu me prendo aos movimentos que o dublê fez. Então, nem posso fazer algo muito diferente. Não é raro fazer uma cena em que tentava virar o rosto e o diretor falava para não virar tanto porque o dublê não havia feito daquela maneira. Aí você fica mais uma vez um pouco amarrado com isso em termos de interpretação. E a parte técnica, de posicionamento, é trabalhosa de realizar.

P - Quando o Lucas encontra o Léo, se estabelece um drama meio existencialista, no sentido da pessoa mais velha reavaliar a sua vida. Esta situação chegou a mexer com você?

R - Realmente as cenas em que o Lucas se depara com o Léo são bem instrospectivas. Mas não sei até que ponto mexe comigo. Me toca mais me ver através de meu filho. Ele faz com que eu lembre muitas passagens da minha vida que não lembrava. Os fatos da escola, namoradas... Ver o desenvolvimento de meu filho faz com que tenha referência para fazer esta relação do Lucas e Léo com mais maturidade do que se não tivesse um filho, por exemplo.

P - Você disse que não estava tão preocupado com a composição porque se não achasse o tom do personagem, o Jayme ajudaria. Até aonde ele interferiu no rumo de seus personagens?

R - Ele me ajudou muito, porque o Jayme entende de ator. Foi um surpresa isso para mim, pois não havia trabalhado com ele. O Jayme sabe o que o ator precisa em determinado momento e dá pequenos toques durante as gravações que motivam o ator. Então ele soube ajudar, indicar o ponto que eu sentia mais dificuldade e onde estaria preparado para seguir sem ele. O Jayme sabe intervir na hora certa, uma qualidade para qualquer diretor.

P - Você destacaria alguma passagem da novela que o surpreendeu em termos de interpretação?

R - Teve uma cena que mexeu comigo. Foi a única vez que eu fiz o Léo chorar de verdade. Com lágrimas mesmo. Foi quando o clone viu a Jade pela primeira vez na morada do Tio Ali. Decidi chorar porque achei que seria o único momento da vida dele que, de alguma forma, ele se sentiria realmente em casa e teria a certeza que não estava maluco. Ou seja, a imaginação dele fazia sentido e, de alguma forma, ele já havia vivido aquilo.

P - Sua opinião sobre a clonagem mudou durante a novela?

R - Ainda continuo pensando que a única coisa legal da clonagem é a possibilidade de, através dela, poder fazer os seus órgãos no laboratório. Se você tem um problema de coração, não precisa mais receber um coração de outra pessoa. Você pega o seu próprio DNA e faz um outro igual ao seu. Este é o sentido da clonagem e não fazer pessoas iguais.

P - Além das críticas, você foi alvo de fofocas durante O Clone, inclusive que estaria namorando a atriz Giovanna Antonelli. Como você encara este tipo de especulação?

R - Influencia mais na vida particular do que profissional. É chato. É uma pena porque tem gente que lê e acredita. Mas não afeta tanto o meu desempenho nesta altura da minha vida profissional. Sem dúvida que se fosse mais inexperiente teria muita dificuldade de fazer esta novela. Mas estou há 10 anos na Globo e isso, de alguma forma, me deu uma maturidade muito grande para não me abalar com nada.

SONHO ANTIGO

Murilo Benício tem certeza de uma coisa após O Clone: quer descansar de televisão por um longo tempo. Mas o ator nem pensa em ficar distante do meio artístico. Na verdade, ele pretende viajar por algumas semanas após o final das gravações da novela de Glória Perez, mas logo vai pegar no batente para concretizar um desejo que segue há anos: dirigir o seu primeiro longa-metragem. A produção, no caso, será Beijo no Asfalto, baseado na peça consagrada de Nélson Rodrigues. O roteiro é da atriz Carolina Ferraz, que adaptou o conto para a tela grande sem alterar em nada a história. "Não vou atuar como ator. Como será minha estréia como diretor, quero me concentrar apenas nessa área", pondera Murilo.

No entanto, é como ator que Murilo poderá ser visto em seu primeiro trabalho após O Clone. Provavelmente em julho, está prevista a estréia do filme O Homem do Ano, produção do diretor José Rubens Fonseca que desde o início do ano foi vista nos principais festivais de cinema do mundo. O longa-metragem é baseado no livro O Matador, da escritora Patrícia Mello. Murilo interpreta o protagonista Michel, o próprio matador. "Estou ansioso para ver a reação dos brasileiros, pois o filme foi muito bem recebido lá fora", afirma o ator, que já tem no currículo vários filmes. Entre eles, Amores Possíveis, de Sandra Werneck, Orfeu, de Cacá Diegues, Os Matadores, de Beto Brant, Até que a Vida Nos Separe, de José Zaragoza, e O Monge e A Filha do Carrasco, de Walter Lima Jr.

Com o sucesso de O Clone nos Estados Unidos, Murilo se anima com a possibilidade de ser chamado para trabalhar em um filme estrangeiro. Por enquanto, o único de sua biografia é Sabor de Paixão, de Fina Torres, onde contracena com a espanhola Penélope Cruz. Mesmo assim, boa parte do filme foi rodado no Brasil e não apenas nos Estados Unidos. "Este filme me abriu portas lá fora e espero conseguir ir mais longe", avisa Murilo. Tanto que o ator tem uma agente nos Estados Unidos somente para tentar encaixá-lo em futuras produções. "Volta e meia faço testes para filmes nos Estados Unidos. A novela fazendo sucesso lá pode me ajudar mais ainda", acredita.


TRAJETÓRIA TELEVISIVA

Murilo Benício nem se lembrava mais. Mas em Vira Lata, ele chegou a interpretar gêmeos na trama de Carlos Lombardi, exibida pela Globo em 1996. Isto porque na reta final da história o personagem Bráulio Vianna, promotor público que Murilo interpretava, descobriu que tinha um irmão gêmeo, sem maiores explicações. O ator, no entanto, garante que não teve nem metade do trabalho em comparação a novela O Clone. Na história de Vira Lata, foram raras as ocasiões em que interpretou os dois em uma mesma cena e, mesmo quando isso acontecia, cada um ficava em um canto. "Em 'O Clone' os personagens chegam até a se tocar. É bem mais complicado e contamos com muitos efeitos especiais. Em 'Vira Lata' não, um ficava distante do outro", relata o ator.

Em O Clone, Murilo também não utilizou uma composição de personagem ousada, justamente o que chamou a atenção para o ator na Globo em outras produções. Entre elas, o remake de Irmãos Coragem, em 1995, e em Fera Ferida, que marcou a estréia de Murilo na televisão, em 1993. Em Irmãos Coragem, por exemplo, o ator chegou a raspar parte da sombrancelha e serrou um pedaço do dente incisivo para viver o capanga Juca Cipó. Já em Fera Ferida, Murilo surpreendeu até mesmo o autor Aguinaldo Silva incorporando uma convincente gagueira no politizado gari Fabrício. "Em 'O Clone' decidi maneirar na composição, pois senti que não dava para sair inventando por inventar. Segui mais o texto", explica o ator.

Rodrigo Teixeira/TV Press

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