O desmantelo que constrói


Criador do "coco sincopado", que aprofunda o legado rítmico de Jackson do Pandeiro, cantor lança "Só Não Dança Quem Não Quer", seu 27º disco.

por Gilson Oliveira


De todos os elogios que recebeu ao longo de uma carreira iniciada aos oito anos,em 1942, quando acompanhado por um conjunto regional se apresentava nas feiras e festas da alagoana cidade de Palmeiras dos Índios, o que talvez tenha servido de maior estímulo para o cantor e compositor Jacinto Silva foi o de Luiz Gonzaga, ainda nos anos 60: "Gosto muito de ouvir Jacinto cantar. Ele canta muito rápido, mas pronuncia as palavras de um jeito muito claro", disse o velho Lua.

Para Jacinto, a frase, dita por alguém que já havia se consagrado "O Rei do Baião" e era considerado um dos mais importantes nomes da música brasileira, representou também uma consagração e o reconhecimento de que, além de possuir uma marca pessoal, estava criando um "estilo" que enriquecia ainda mais o legado de um artista que muito o influenciou e, junto com "Lua" e Ari Lobo, forma para ele uma espécie de santíssima trindade da música nordestina: Jackson do Pandeiro.

O "novo estilo" é o coco sincopado, por ele apresentado em uma canção homônima de um dos 24 discos vinis que lançou, numa discografia que inclui mais dois CDs, um deles lançado na França com outros cantores e intitulado "Artistas de Caruaru", cidade onde há muitos anos reside. Diz a letra da música: "Eu vou cantar um coco sincopado,/ é de banda, de quina e de lado./ Eu vou ver se a minha língua dá,/ se a minha língua não bambeia,/ se o coco é sincopado eu vou sincopar". Ele também costuma sintetizar em uma frase a sua peculiar forma de cantar e a original estrutura de seus cocos: "Saio desmantelando e depois vou consertando".

Na verdade, Jacinto Silva foi construindo, através de sua peculiar forma de cantar e compor, uma vertente do coco que se transformou em seu legado pessoal para a música brasileira. Prova disso é que os novos talentos também estão "botando pra desmantelar". Exemplo é Silvério Pessoa, que está prestando uma homenagem ao artista através do disco Bate o Mancá.


Só não dança (e canta) quem não conhece

"O cantador, a noite, triângulo, pandeiro, zabumba, ganzá e sanfona, esta é a nossa festa! Alimentando o peito de pura beleza, a voz das cantigas chega através da humildade e da maestria do cumpadre Jacinto Silva, e o terreiro se ilumina de cores, síncopes, histórias de vaqueiros, quadrão, forró, e a dança começa! O carinho pelo trabalho, a verdade que vem da sua voz, inunda os canaviais e o roçado. A cidade acorda, escutando sua versatilidade interpretativa, sua melodia, sua cantoria. Cantam os bois, açudes, as estrelas, e nós, quando escutamos a música e o ritmo do mestre Jacinto Silva". É assim que Silvério define Jacinto e sua obra em um dos textos de apresentação do novo disco do artista - o 25º de sua carreira -, Só Não Dança Quem Não Quer. Silvério também participa do CD, na faixa "Teste Pra Cantador".

Com lançamento programado para depois do São João - coco e forró já deixaram de ser ritmos de um ciclo festivo -, o CD é o primeiro lançamento do novo selo recifense Manguenitude e tem produção de Zé da Flauta, que, em texto inserido na capa do disco, não deixa por menos: "Jacinto Silva é um dos maiores cantores e compositores de forró que já vi na vida. Sua maneira de fazer letras arrojadas, lubrificadas e ritmadas, brincando com o canto e fazendo divisões, é a sua característica. Jacinto é inconfundível, é o gênio do forró, além de uma pessoa simples e maravilhosa como sua música. Um forró com Jacinto Silva faz qualquer salão pegar fogo e só não dança quem não quer".

Gravado e mixado no Studio Plug, "Só Não Dança Quem Não Quer" conta com a participação dos seguintes músicos: Genaro (arranjos e sanfona), Lu Bahia (viola), Wilson Farias (pandeiro), Bola (bateria, triângulo e agogô), Bozó (violão 7 cordas), Walter Júnior (baixo), Elias Paulinho (cavaquinho) e Jorge Silva (zabumba). O técnico de som e mixagem é o veterano Jair da Paixão.


Mestre também ao falar sobre o coco

Aos 67 anos, mas ainda compondo num ritmo quase tão intenso quanto o de suas músicas, Jacinto Silva se mostra um mestre também ao falar do coco. Ou seja, é capaz de, baseado apenas na aprendizagem auferida na universidade da vida, conversar horas e horas sobre o ritmo pra especialista nenhum botar defeito.

Suas informações sobre o coco sincopado são particularmente curiosas, além de importantes para a compreensão da gênese do estilo, também conhecido como trava-língua. "Esse nome trava-língua foi extraído das cantorias, mais precisamente daquelas em que os repentistas procuram complicar a vida dos desafiantes, através de rimas raríssimas e estruturas poéticas complicadas, como a sextilha. Tenho grande convivência com os cantadores, aos quais sempre mostro as minhas músicas, até mesmo pra ouvir as suas opiniões", revela.

Esse processo de consulta aos cantadores, esse fecundo diálogo entre duas formas rítmicas e poéticas, representadas pelo coco e o repente e que resultou na criação do trava-língua, começou antes mesmo do primeiro disco, lançado em 1959, pelo selo Mocambo, da Rozemblit. Foi um compacto simples, com duas músicas de sua autoria: "Na base do tamanco" e "Aquela rosa" ("Aquela rosa,/ foi uma jura que eu fiz./ Aquela rosa,/ quando eu vinha do jardim") que alcançou grande sucesso e abriu a porta para muitos outros hits, como "Chora bananeira" ("Chora bananeira,/ bananeira chora,/ chora bananeira, que o meu amor foi embora").
 



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