No front da guerra contra o crack

André Naddeo e Mauro Pimentel

Leo se debate, toma o lanche da namorada, que por sua vez promove um verdadeiro terremoto dentro de uma van lotada por usuários de crack recém-amanhecidos. Eles estão famintos, oriundos do Parque União, à beira da Avenida Brasil, próximo ao Fundão, na Ilha do Governador, zona norte do Rio de Janeiro. Ali funciona a nova cracolândia carioca, após a ocupação das favelas de Manguinhos e do Jacarezinho, em outubro passado.

A maioria está sem comer há horas, até mesmo dias, consumida pela droga que se tornou não só tema de segurança pública, mas sobretudo de saúde. Enquanto se debate a internação compulsória dos viciados, objetivo do prefeito Eduardo Paes para intervir sobre quem não tem mais plena convicção do que faz, um grupo se destaca no combate ao crack na capital fluminense.

Esse pelotão de elite na guerra contra a pedra só tem a palavra como arma. O poder de convencimento como munições para acolher os "cracudos" rumo ao abrigo, de onde, em geral, 90% retornam às ruas. Enquanto alguns contestam o exercício de "enxugar o gelo", o grupo se mantém firme na van tomada por dependentes muitas vezes doentes, com feridas abertas, pés claramente infeccionados, furúnculos e tosses. O odor potencializado por um dia de sol intenso deixa o ambiente insustentável. Isso tudo sem falar nas crises de abstinência, sempre perigosas. O veículo cruza a cidade em direção a Santa Cruz, onde fica o abrigo para onde são levados os homens, mulheres e crianças acolhidas. O local fica quase na divisa do município, ao lado da rodovia Rio-Santos.

Controlar este pandemônio é a tarefa, por incrível que pareça, mais simples do dia. Os membros da equipe de abordagem da secretaria de Assistência Social da Prefeitura do Rio de Janeiro têm registro de integrantes arranhados, mordidos, esfaqueados, e até baleado (os coletes são de algodão) no trabalho de acolhimento.

O Terra mergulhou na rotina desses soldados contra o crack que, inevitavelmente, levam traumas para dentro de casa, convivem com a preocupação da família, mas, ainda assim, mantêm o bom humor. Usam do riso, do charme, do poder de convencimento, da fé, e dos lanches "de grátis" para tentar, como eles próprios definem, "ganhar nem que seja só um".