Os médicos do Brasil estão mal distribuídos pelo
País. Assim, o setor de saúde ajuda a reforçar as
desigualdades. Segundo estudo realizado pelo
Conselho Regional de Medicina do Estado de São
Paulo e do Conselho Federal de Medicina
(Cremesp-CFM), a região Sudeste tem 2,61
médicos para cada mil habitantes, enquanto que o
Norte possui menos de um (0,98). A situação é
agravada pela concentração de profissionais nas
capitais ou nos principais centros. Na cidade de São
Paulo, há 4,33 médicos por mil habitantes. Já em
todo o Estado paulista, a proporção é de 2,58 para
cada mil pessoas. Como há uma demanda
reprimida de pacientes, aqueles que desbravam o
interior conseguem uma boa remuneração. Além de
deixarem de ser “mais um” nas metrópoles, eles têm
a oportunidade de exercer uma medicina mais
humanitária.
Médicos com espírito empreendedor e, muitas
vezes, aventureiro, conseguiram fazer uma carreira
sólida nos rincões do Brasil. Num País de tamanho
continental e grande miscigenação, há distintos
“interiores” e espaço para todos. Existem desde
médicos em tribos indígenas ou que cuidam de
população ribeirinha àqueles que trabalham em
pequenos polos.
Dentro de um micro-ônibus ou de uma carreta,
médicos criativos e empreendedores levam saúde à
população do interior e da periferia. Outros buscam
mostrar os problemas escrevendo blogs ou em
programas de rádio. Pioneiros, alguns deles,
com seus colegas, formaram projetos
que englobam vários profissionais da saúde. Muitos
médicos se tornaram referência nas regiões às
quais migraram ou até mesmo os únicos da cidade
que desenvolvem determinada especialidade.
Nascido em 1929, em Paraguaçu Paulista, e criado
em Presidente Prudente, interior de São Paulo, Frank
Ogatta fez o Ensino Médio na capital paulista e
graduou-se médico no Rio de Janeiro, em 1955. Dois
anos depois de formado, recebeu um convite para
trabalhar no interior do Paraná. Naquela época, o Rio
ainda era capital do Brasil, e Uraí, que fica no Norte
paranaense, uma cidadezinha jovem – fundada em
1936. Mesmo hoje, ela ainda é pequena, com pouco
mais de 11 mil habitantes. “Casei e tive filhos em
Uraí. Mas, pensando na educação deles, mudamos
para Londrina”, conta. Lá, Ogatta foi um dos pioneiros
da especialidade de ginecologia e obstetrícia e fez
parte do grupo de médicos que lutou pela instalação
de uma faculdade de Medicina.
A região tem muitos descendentes de japoneses. Em
parceria com a Aliança Cultural Brasil-Japão, passou
a fazer um atendimento preventivo itinerante aos
idosos da comunidade nipônica do Paraná, com uma
equipe multidisciplinar voluntária nos finais de
semana. “Quando começamos, havia muitas cidades
que não dispunham de serviço médico”, relembra.
Todos eram atendidos, independentemente de ser
idoso ou não. Como os voluntários tinham de viajar
em veículo próprio, a Japan International Cooperation
Agency doou um micro-ônibus equipado com
aparelhos de ultrassom, endoscopia,
eletrocardiógrafo, baterias de exames de sangue, de
urina e Papanicolau. Entre 1992 e 2008, médicos,
fisioterapeutas e enfermeiros, entre outros
profissionais da saúde, cuidaram de milhares de
pessoas. “O médico não deve se concentrar nas
grandes capitais. Ele tem de conhecer o País, que é
muito grande”, aconselha quem tem como objetivo de
vida ajudar os outros.
Foto: Luiz Augusto Costa
Apesar dos traços de sua mãe, descendente de
italianos, Eva Simone da Silva é filha e neta de índios
da aldeia Nonoai, de etnia Kaingang, localizada em
Gramado dos Loureiros, Norte do Rio Grande do Sul,
na divisa com Santa Catarina. A agricultura é a
principal atividade econômica da comunidade, que
reserva a caça e a pesca para os momentos de lazer.
Na região, vivem 2 mil habitantes. Eva morava num
sítio próximo à aldeia – onde ela e os irmãos
nasceram – e sempre estudou em escola pública. Em
busca de seu sonho, mudou-se para Chapecó, em
Santa Catarina, para fazer um cursinho pré-vestibular
e passou na Universidade Federal do Paraná.
Diferentemente de muitos recém-formados que
sonham com um consultório numa grande cidade, o
plano de Eva era trabalhar no interior. “É mais
tranquilo, além de ficar próximo à natureza”, arremata.
Formada em meados de 2011, teve o seu objetivo de
voltar à aldeia frustrado, pois já havia um médico
destinado à região. Porém, foi em Cruz do Machado e
em União da Vitória, no Paraná, que a médica
começou a realizar o seu sonho. Seus pacientes são
da colônia ucraniana e polonesa. “Culturalmente é
muito rico trabalhar no interior. Aprendi coisas que
nunca imaginei”, explica.
Foto: CRM-PR
Em Alta Floresta, Norte mato-grossense, os 49.233
habitantes não precisam tirar suas dúvidas assistindo
ao Dr. Drauzio Varella pela televisão. Podem ligar
para a rádio local, em que o Dr. Charles Miranda
Medeiros tem um programa sobre saúde. “Não é só
curar a doença. O médico deve se preocupar com a
prevenção para evitar os gastos para conseguir a
cura”, esclarece. Para Medeiros, o interior do Brasil
abre um leque de oportunidades aos médicos, porque
há uma demanda espontânea pela falta de
profissionais. Nascido em Niterói, ele foi médico
concursado no Rio de Janeiro, do Exército e
socorrista de emergência. Sempre quis fazer um
trabalho diferenciado e foi um colega que falou da
falta de mão de obra médica no interior
mato-grossense. Define-se como um “garoto de praia”,
que se adaptou à floresta.
Quando chegou a Alta Floresta, há 15 anos, a luz
ainda era gerada a diesel. Por ter também estudado
Medicina do Trabalho, se envolveu em questões da
cidade. Ajudou a diminuir as doenças e os acidentes de
trabalho do local. Anos depois, foi convidado a entrar
na política. Hoje, além de seu trabalho como médico,
é vereador da cidade. “O Brasil precisa daqueles que
praticam a medicina com fraternidade”, e completa
que faltam especialistas e o retorno financeiro vêm
para aqueles que vão para o interior.
Foto: Assessoria de Imprensa da Câmara
O início da carreira do cardiologista André Munhoz
lembra a trajetória dos garotos de interior que vão
para a cidade grande estudar. Natural de Tanabi, uma
cidade paulista com 24.055 habitantes, Munhoz fez
Medicina em Petrópolis (RJ) e especialização em São
Paulo. Após cinco anos na capital financeira do País,
Munhoz e sua mulher, que é ginecologista,
começaram a procurar oportunidades em outros
lugares. É nesse momento que a trajetória dele
começa a sair do quase lugar comum. Uma viagem de
carro para visitar um amigo, que morava em Mato
Grosso, ajudou o casal a decidir qual destino tomar:
Rondonópolis.
“Nos grandes centros, você é mais um. No interior
você pode ser o seu próprio patrão. Em São Paulo, eu
estava estagnado e demoraria muito tempo para me
destacar”, analisa. Diz ainda que no interior o médico
é mais respeitado. Além dos pacientes da cidade,
Munhoz tem clientes em toda a região. O médico
paulista conclui que, além da remuneração e do
prestígio, ele também saiu ganhando pela qualidade
de vida. “Almoço todos os dias em casa, que fica a 5
minutos do trabalho”, diz.
Foto: Arquivo Pessoal
O carioca Altamiro Vilhena abandonou o conforto do
Sudeste para se embrenhar nas matas da Amazônia.
Formado pela Universidade Federal Fluminense,
trabalhou como pediatra concursado em São José dos
Campos e Jacareí, no Estado de São Paulo. “Tinha
uma vida que muito médico almeja, com dois cargos
públicos e um consultório. Mas queria fazer algo
diferente e quebrar a rotina”, lembra. Em 2005,
aproveitou o período de três meses de sua
licença-prêmio para tentar trabalhar em outros lugares.
Primeiro, foi para Blumenau (SC), porém percebeu que
a sua vida não seria diferente daquela que levava em
São José dos Campos. Ao saber que em Benjamin
Constant (AM), divisa com Peru e Colômbia,
não havia pediatra, decidiu ir para lá. Não voltou
mais e só saiu da região para ir à Redenção (PA), onde
trabalhou até se mudar para Boa Vista (RR) –
onde há mais de dois anos é médico do Distrito
Sanitário Especial Indígena Leste de Roraima e
cuida dos moradores das aldeias situadas
entre os municípios de Uiramutã e Caroebe.
Quando chegou à Amazônia, percebeu que a
realidade da região era diferente do que pensava e
passou a escrever sobre as suas impressões do lugar
para parentes e amigos, que repassavam para outras
pessoas. Os relatos eram tão interessantes que
sempre havia mais algum conhecido que pedia para
inclui-lo no mailing. Para agrupar suas histórias,
decidiu fazer um blog. Vilhena acredita que sempre
há opções. Inclusive, médicos recém-formados têm
um grande campo de atuação. Para ele, o profissional
ganhará mais experiência e terá oportunidades de
crescer na carreira num tempo menor do que
demoraria nos grandes centros.
Foto: Divulgação
O gastroenterologista Roberto Kikawa sempre gostou
de cuidar de pessoas. Foi escoteiro e, quando o seu
pai teve um câncer, comprometeu-se a ser um médico
que prima pela qualidade do atendimento. Pensou em
trabalhar na África. Mas, quando descobriu que havia
“Áfricas” escondidas na periferia paulistana, teve a
ideia de fazer um sistema móvel para exames
preventivos. Empreendedor, ele conseguiu patrocínio
para realizar seu sonho de levar atendimento médico
de excelência para populações de alta vulnerabilidade
social.
A “Carreta da Saúde” é um verdadeiro hospital sobre
rodas: tem 15 metros de comprimento e possui um
sistema automatizado que permite a abertura das
laterais, atingindo uma área de aproximadamente 100
m², com quatro salas de atendimento climatizadas e
equipamentos de diagnósticos de alta tecnologia.
Possui capacidade de 9 mil atendimentos por mês,
em dez diferentes especialidades médicas. “Estamos
levando tecnologia. Mas ela serve para que o médico
tenha mais tempo com o paciente”, diz. Ela já passou
por
Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e
Mato Grosso do Sul. Diante da dificuldade da unidade
entrar nas ruas estreitas no Morro do Alemão, no
Rio, foi criada a “Van da Saúde”. O programa também
tem um container: o “Box da Saúde”, que pode ser
transportado por um caminhão, um catamarã ou uma
jangada, a fim de servir a população que mora no Alto
da Bacia Amazônica, por exemplo.
Para o médico, que também é professor universitário,
os recém-formados precisam ir ao interior e à
periferia para exercer a profissão. “Devem resgatar
essa realidade e não ficar presos aos grandes
centros”, diz.
Foto: Renato Stockler / Na Lata
Cirurgiã plástica formada em Medicina na
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em
1985, Ivane, 49 anos, se mudou para Mineiros, uma
cidadezinha no interior de Goiás com pouco mais de
50 mil habitantes, com o ideal de levar conhecimento
e inovação médica para a região. “Mineiros é um polo
regional de medicina. Naquela época já havia muita
demanda por medicina”, conta. Como tinha parentes
na cidade, a cirurgiã ficou por lá para exercer a
profissão. Atualmente, é membro titular da Sociedade
Brasileira de Cirurgia Plástica e suplente de deputada
estadual.
Em relação ao trabalho, ela afirma que a
remuneração, em comparação com a das grandes
capitais, é maior, além de haver grande procura pelos
seus serviços em Mineiros. “A qualidade de vida é
muito melhor, além da realização profissional. Ali [nas
grandes cidades] você é mais um, aqui você é o cara,
o especialista”, diz. Na cidade, a médica diz ser
tratada quase como uma espécie de celebridade e
que seu nome ganhou certo destaque.
Foto: Letícia Timo Machado
Formada recentemente em Medicina na Universidade
Federal de Campina Grande, cidade com segunda
maior população da Paraíba, Isabelle, 27 anos,
trabalha em uma unidade de saúde em Nova Olinda,
município do sertão paraibano, com pouco mais de
6.000 habitantes.
Ela escolheu atuar em uma cidade pequena por causa
da dificuldade dos médicos recém-formados
encontrarem trabalho nos grandes centros, optando
então pelo interior. “São mais ofertas de emprego. Eu
também procurei estudar mais para a pós [residência
médica]”, diz. Formada em julho, ela conta também
que foi muito bem recebida na cidade, já que, até a
sua ida para Nova Olinda, não havia nenhum médico
que morasse lá. “Essa situação aqui, ter que ficar em
residência, é muito importante, eles [os moradores] se
sentem valorizados”, completa.
Foto: Arquivo Pessoal
Movido pelo desejo de ajudar as pessoas, Vinícius
Gressler, 30 anos, se formou em 2010 na
Universidade Federal do Acre e, logo em seguida,
partiu para Plácido de Castro, no interior do Estado.
“Na cidade do interior, a gente tem a oportunidade de
lidar com um maior número de casos. Não fica
restrito”, conta.
Atualmente trabalhando na prefeitura e no Exército,
Gressler afirma que a demanda de médicos na região
é insuficiente, sendo necessária a ida de mais
profissionais de especialidades como cardiologia,
ginecologia e pediatria. Embora não veja grandes
diferenças na remuneração quando comparado a
quem trabalha na capital, Rio Branco, Gressler afirma
que há
vantagens. “No interior você faz seu horário.
Quando está na capital, vai ter de atender naquele
horário”, diz. Com a pretensão de fazer residência
médica em Ortopedia, Gressler admite que não pensa
em ficar em Plácido de Castro para sempre, mas
quer continuar trabalhando em cidades do interior e
ajudando as pessoas carentes”, diz.
Foto: Exército Brasileiro
Foi na cidade de Lajeado, no interior do Rio Grande do Sul, que o pneumologista Cláudio André Klein, 51 anos, decidiu montar seu consultório, além de morar com sua esposa e as duas filhas, após se formar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, em 1983. Mesmo tendo nascido em Venâncio Aires, cidade a 30 km de distância de Lajeado, foi o fato de Klein ter morado desde os 4 anos na cidade que ajudou na hora de tomar a decisão de onde trabalhar. O médico conta que, após terminar sua residência médica na capital gaúcha, surgiu a oportunidade para que ele trabalhasse lá. No fim, ele não aceitou a oferta. “Eu já tinha um vínculo com a cidade [Lajeado]”, conta.
Filho de pediatra e atuando há 25 anos no município,
Klein já é uma figura conhecida do povo, uma vez
que, além de trabalhar em seu consultório, é diretor
técnico de um hospital e acaba se envolvendo muito
com a população. Para o pneumologista, há
necessidade de mais médicos na cidade,
principalmente anestesistas e intensivistas.
Atualmente, também realiza uma pesquisa sobre as
escolhas de trabalho dos médicos. “Eu acho que o
médico tende a ser seduzido pelo local onde faz sua
formação”, afirma.
Foto: Conselho Regional de Medicina do RS
Antes de se tornar diretor-geral do Hospital Municipal
Dr. Moysés Deudsch (M’Boi Mirim), Silvio Possa saiu
de São Paulo e teve uma experiência de seis anos na
cidade de Minasul, interior de Goiás. A região tem
muitas empresas, e os médicos, como ele, são bem
remunerados. Outro fator diferencial é a qualidade de
vida. “Eu ia a pé para o hospital”, lembra.
Em alguns bairros nobres da capital paulistana, há
cem médicos para mil habitantes. Na periferia, em
locais mais pobres, a proporção é de dez para mil.
“Faltam médicos no Brasil. O problema é que há
lugares em que eles estão mais concentrados”, avalia.
Possa reclama que encontra dificuldades para
contratar médicos. Em média, aqueles que trabalham
no Hospital M’ Boi Mirim ganham em torno de R$ 15
mil a R$ 20 mil. Já quem atende em consultório, tem
uma remuneração média de R$ 25 mil, mas gasta
uma quantia considerável para mantê-lo. “Por
exemplo, pagamos R$ 2 mil por um plantão de 24
horas”, enfatiza.
Foto: Divulgação
Valter Carvalho de Oliveira, 36 anos, nasceu em São
Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Por
motivos particulares, se mudou para Teresina (PI),
onde se formou em Medicina na Universidade Federal
do Piauí, em 2001. Pouco tempo depois, foi para
Oeiras, no interior, onde, além de atender pacientes
em seu consultório particular, trabalha no programa
Saúde da Família do Governo Federal, em uma
Unidade Básica de Saúde (UBS). No local, atende
idosos do Clube da Melhor Idade e é plantonista
em um hospital regional na área de Urgência Médica.
A escolha por Oeiras, segundo Oliveira, se deu por ter
parentes na cidade e gostar de trabalhar no interior.
“Acredito que existem meios de se fazer uma
medicina baseada em boas práticas no interior”,
afirma.
O Piauí tem a quarta menor distribuição de médicos
registrados por habitante, segundo pesquisa do
Conselho Federal de Medicina (CFM), o que contribui
para uma baixa concentração de médicos no interior.
Para Oliveira, os profissionais da medicina têm de
pensar menos no dinheiro e acreditar que é possível
ter uma boa vida no interior. “O médico tem de ser
menos avarento, acreditar que vai dar para viver com
dignidade”, afirma.
Foto: Arquivo pessoal
Foi o desafio de trabalhar no interior e um salário
atrativo que levaram o cirurgião geral Jean Carlos
Félix, 43 anos, para Corrente, no interior do Piauí.
Formado em 1995 na Universidade Federal do Piauí,
ele afirma que na época em que foi para a cidade, o
salário chegava a ser 100% maior que o da capital.
Financeiramente confortável, o médico agora reside
em Corrente, principalmente por causa da vontade de
ajudar a população necessitada. “A região é muito
carente de mão de obra médica especializada”, diz.
Antes de ir para Corrente, Félix trabalhou durante seis
meses no interior do Tocantins, para onde se mudou
imediatamente após a formatura. Morando há 15 anos
no Piauí, tem um consultório particular e presta
serviço no único hospital municipal da cidade e em
alguns postos de saúde. Ainda assim, Félix é apenas
um médico para os pouco mais de 25 mil habitantes
do município, que necessita de mais profissionais
da área. “Mesmo você sendo especialista, o meio exige
que você tenha capacidade para trabalhar como
generalista”, afirma. Apesar disso, o ambiente
tranquilo e a proximidade com a população, que
chega a procurar o médico dentro de casa, ainda
servem como atrativos. “O que dá força é a gente
saber que está ajudando outra pessoa”, diz Félix.
Foto: Meirelane Freitas CRM-PI
Um ideal de melhorar a saúde em cidades do interior.
Foi isso que motivou o casal de médicos Eduardo
Manzano e Heloísa Lotufo Manzano a sair da capital
de São Paulo para exercer a profissão em Porto
Nacional, no interior do Tocantins.
Casados há 44 anos, logo após se formarem médicos
pela Universidade de São Paulo (USP), onde também
se conheceram, se uniram a três colegas e partiram
para a região Norte do País nos anos de 1960. “Nós
queríamos dar um sentido para a profissão”, diz
Heloísa. A escolha pelo destino se deu após o casal
ficar sabendo, por colegas dela que faziam residência
em Goiás (GO), que dois hospitais estavam sendo
construídos no interior do Tocantins, onde precisariam
de médicos.
Entretanto, ao chegar a Porto Nacional, a equipe de
cinco colegas, entre eles Eduardo e Heloísa,
percebeu que a comunidade precisava de muito mais
do que assistência na área da saúde. “A cidade era
carente de saneamento básico, eles tinham
problemas com questões salariais e educação”, conta
o Dr. Eduardo. Percebendo as necessidades da
comunidade, eles criaram o projeto Comunidade de
Saúde, Desenvolvimento e Educação (COMSAUDE).
Hoje com 42 anos de atuação, a COMSAUDE dá
assistência direta e indireta à comunidade de Porto
Nacional.
Foto: Guilherme Gomes
Obstetra e ginecologista de Salvador (BA), Francisco
Jorge Silva Magalhães, 53 anos, se formou pela
Escola Baiana de Medicina e logo começou a
trabalhar na cidade onde nasceu. Depois de
completar um curso de pós-graduação no Rio de
Janeiro, voltou para Salvador e recebeu um convite
para trabalhar em Euclides da Cunha, localizada no
Sertão de Canudos, nordeste do estado, uma das
regiões mais pobres da Bahia.
Ele se instalou no município e por lá ficou durante 17
anos. “Atendia todas as cidades da região.” Aí entram
Tucano, Monte Santo, Ribeira do Pombal, Queimados,
entre outras. O doutor também se deslocava para o
Sul do Estado e a região da Chapada Diamantina.
“Frequentei quase toda a Bahia. Diria que sou um
médico itinerante”, brinca.
Depois de 17 anos atendendo diversas comunidades
carentes, o doutor voltou para a cidade natal, onde
atualmente é presidente do Sindicato dos Médicos da
Bahia. “Na cidade grande, você é só mais um médico.
No interior, não. Você tem uma relação de
proximidade com a comunidade. Se sente
recompensado. As pessoas têm gratidão”, lembra ele,
que já foi responsável por mais de 15 mil partos na
carreira. “O interior é um lugar que, se oferecer boas
condições de trabalho e salários dignos, é
gratificante”, diz.
Foto: Arquivo da Assessoria do Sindicato dos Médicos da Bahia
José Fernando Barbosa de Souza, 61 anos, deixou
Recife, capital de Pernambuco, para iniciar a carreira
de neuropediatra em Juazeiro do Norte, interior do
Ceará. Na época, o motivo para a mudança foi a
noiva, que ele conhecera no Ensino Médio, em
Pernambuco. O namoro se prolongou durante a
faculdade, que ele cursara na Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE), enquanto ela fazia o curso
de Pediatria na Universidade Estadual. Entretanto,
após o término da faculdade de medicina, ela voltou
para perto da família, que morava em Juazeiro do
Norte. Foi assim que a cidade, que é referência
religiosa no Estado do Ceará, tornou-se a casa
também de José Fernando. Adaptar-se no interior não
foi fácil. “Fui nascido e criado no Recife”, diz. Mas,
vivendo em Juazeiro desde 1979, mesmo após o
término do casamento, ele decidiu continuar a
trabalhar nessa cidade. “Não voltei porque já estava
com a carreira construída em Juazeiro. É difícil ir para
um mercado que já está bem estruturado, como o da
capital”, diz o doutor.
Em seus 34 anos de carreira, ele fez três
pós-graduações: duas na UFPE e uma na
Universidade de São Paulo (USP). Hoje, é professor
convidado na pós-graduação para cursos de
neurologia infantil em universidades locais e é
referência na região na área de neuropediatria.
Sobrecarregado pela proporção desleal entre médicos
e pacientes no local, realiza cerca de 400 consultas
por mês. Além de Juazeiro do Norte, ele atende as
cidades do entorno, como Crato, Barbalha e Missão
Velha. “São apenas dois neuropediatras na região”,
diz o doutor. Mas o tom não é de queixa. “O que cabe
ao médico é amar aquilo que faz e se sentir satisfeito
pela contribuição dele para com a sociedade”, conta.
Juazeiro do Norte fica a cerca de 530 quilômetros da
capital do Ceará, Fortaleza, e tem cerca de 250 mil
habitantes. Apesar da escassez de especialistas na
região, José Fernando garante que o local tem boa
estrutura tanto urbana quanto médica. “Temos duas
faculdades de medicina, aeroportos. A cidade cresce
18% ao ano e é o segundo polo calçadista do Brasil”,
orgulha-se o médico.
Foto: Márcio Dornelles
A queixa de muitos paulistanos foi o motivo que tirou
o médico tocoginecologista, Dr. Luiz Takeshi, da
cidade de São Paulo. “Eu morava na zona sul da
capital e trabalhava no Hospital Carlos Chagas, em
Guarulhos. Levava 1h45 para chegar ao trabalho.”
Pós-graduado em Gestão de Negócios, ele atua na
área médica administrativa há 20 anos. Passou por
instituições como Santa Casa de São Paulo, Unimed,
Grupo Santa Marina, Grupo Metropolitano, Grupo
Intermédica e, finalmente, Carlos Chagas.
Depois de adquirir experiência e ficar cansado da
loucura da cidade grande, procurou no interior de São
Paulo e encontrou o abrigo quase perfeito em
Ribeirão Preto, a 300 quilômetros da capital. “É uma
cidade muito forte na área médica”, afirma. Quase
perfeita porque, mesmo morando em Ribeirão desde
agosto de 2009, ele ainda não convenceu a família a
se mudar para lá. “Eles só não vieram porque eu
tenho dois filhos, um de 14 e outro de 12 anos. Eles
estão naquela idade que não querem mudar de
cidade”, explica Takeshi, que, sempre que possível,
cruza a Rodovia dos Bandeirantes, que liga São Paulo
a Ribeirão Preto.
Atualmente, o Dr. Takeshi é diretor médico da São
Francisco Saúde e São Francisco Clínicas.
Segundo o doutor, grandes cidades do interior, como
Ribeirão Preto (SP), Rondonópolis (MT), Rio Verde
(GO), Passos (MG) e Dourados (MS), têm grande
potencial de abertura profissional para a área da
saúde. “Essas cidades oferecem muito boa qualidade
de vida e a oferta de trabalho é muito grande. Elas
são carentes de médicos”, acrescenta.
Foto: Departamento de Marketing do Hospital São Francisco
Manoel Soares de Lima é médico oftalmologista.
Formou-se em São Paulo, mas decidiu exercer a
medicina em Porto Ferreira (220 km distante da
capital paulista). A cidade tem apenas 50 mil
habitantes. “Quando saí de São Paulo para morar no
interior, pensei mais na qualidade de vida dos meus
filhos e na tranquilidade do lugar. No início lembro
que foi difícil, pois eu era desconhecido. Até pensei
em voltar para a capital. Mas depois a gente acaba se
adaptando a cidade”, diz o médico. “A desvantagem
de viver em uma cidade menor pra mim, talvez seja a
vida cultural mais limitada”, brinca.
Foto: Marcio Prado
Viver em uma cidade pequena como a de Porto
Ferreira (SP) traz muitas vantagens. Principalmente
para quem pensa em crescimento e perspectivas de
vida. Paulo Roberto Teixeira, por exemplo, se formou
em medicina no Rio de Janeiro e trocou a cidade
maravilhosa para viver no interior de São Paulo. “Fui
buscar mais qualidade de vida e crescimento na
minha carreira. Viver em um local menor é muito bom,
a gente sempre tem crédito nos lugares. A
desvantagem é ficar longe da família e dos amigos
mais antigos. Não dá para viajar sempre para
visitá-los”, afirma o médico.
Foto: Marcio Prado
Nem sempre optar pela carreira no interior é buscar
pela qualidade de vida e tranquilidade. Exercer a
profissão em um local pequeno pode significar
também empreendedorismo. Foi o caso de Armando
Martins, cardiologista, formado pela Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). O médico
recém-formado trabalhava como plantonista em um
hospital de Belo Horizonte e, segundo ele, ganhava
um bom salário.
“Decidi largar o emprego que tinha para exercer a
medicina da maneira que eu queria. Meu desafio era
um negócio próprio e não ser mais empregado”, diz.
“No começo, quando fui morar em Varginha, interior
de Minas Gerais, tive prejuízos financeiros, mas
depois passei a ganhar mais do que na capital. E
hoje, mais do que conseguir ganhar bem, é a
consciência de exercer um papel social relevante na
cidade que me satisfaz”, acrescenta.
Foto: Divulgação/ Dr Armando Martins