Israel intensifica ataques no Líbano e mortos chegam a 492, segundo governo libanês: qual risco de guerra total?
Especialistas consultados pela BBC News Brasil avaliam os possíveis cenários do que pode acontecer a seguir no Líbano.
O Ministério da Saúde do Líbano calcula que pelo menos 492 pessoas foram mortas e mais de 1,6 mil ficaram feridas durante os ataques feitos por Israel nesta segunda-feira (23/9).
Segundo o governo libanês, 35 crianças estariam entre os mortos.
As forças israelenses dizem que os ataques contra o Hezbollah estão "se intensificando".
Pessoas que moram no sul do Líbano receberam mensagens telefônicas com alertas para que deixassem as regiões usadas pelo Hezbollah, grupo que é apoiado pelo Irã
Um ministro libanês classificou as mensagens enviadas por Israel como "guerra psicológica".
Já o ministro da Defesa de Israel afirmou que os ataques continuarão "até que os objetivos sejam atingidos: permitir que os moradores do norte [de Israel] voltem para suas casas em segurança".
Os temores de um conflito regional total no Oriente Médio aumentaram ao longo da semana passada — os ataques transfronteiriços aumentaram após uma série de explosões de dispositivos, como pagers e walkie-talkies, utilizados por membros do Hezbollah.
No fim de semana, o Hezbollah atacou diversos pontos de Israel, incluindo alvos longe da fronteira entre os dois países, como a cidade de Haifa.
No domingo (22/9), o vice-líder do Hezbollah afirmou que o grupo agora estava em uma batalha aberta de acerto de contas com Israel.
Já o presidente americano Joe Biden disse que os Estados Unidos farão tudo para evitar uma escalada do conflito.
Os desdobramentos desta segunda (23/9) acontecem depois que os combates entre Israel e o Hezbollah se intensificaram durante o final de semana.
O Hezbollah, sediado no Líbano, lançou 150 foguetes contra Israel entre sábado e domingo. A ação foi classificada como uma retaliação aos ataques recentes contra o grupo.
Israel também realizou uma série de ataques aéreos contra alvos no sul do Líbano e afirmou ter destruído milhares de lançadores de foguetes do Hezbollah.
No domingo (22/9), foi realizado no Líbano um funeral para o comandante de operações do Hezbollah, Ibrahim Aqil, que foi morto em uma operação israelense nos subúrbios do sul de Beirute na sexta-feira (20/9).
Aqil era procurado não apenas por Israel, mas também pelos EUA, que colocaram uma recompensa de US$ 7 milhões (R$ 38 milhões) por sua cabeça — acusando-o de envolvimento na morte de centenas de americanos em Beirute na década de 1980.
A Organização das Nações Unidas (ONU) alertou que a região está "à beira de uma catástrofe iminente", à medida que os temores de uma guerra total aumentam.
Jeanine Hennis, coordenadora especial da ONU para o Líbano, emitiu um aviso a Israel e ao Hezbollah após os confrontos das últimas horas.
"Com a região à beira de uma catástrofe iminente, não se pode exagerar o suficiente: não há solução militar que torne qualquer um dos lados mais seguro", alertou ela.
Qual o risco do conflito escalar?
Nas ruas de Beirute, as pessoas usam seus celulares e outros dispositivos eletrônicos com inquietação, temendo um novo ataque.
Mas uma ameaça maior paira sobre a região: a de uma guerra total entre Israel e o Hezbollah, do Líbano, e seu apoiador Irã.
Ao todo, 37 pessoas morreram e outras 2.600 ficaram feridas depois que milhares de pagers explodiram no Líbano na última terça-feira (17/9) e novas detonações foram registradas em walkie-talkies na quarta-feira (18) — em ataques direcionados contra membros do Hezbollah.
Acredita-se que Israel esteja por trás dos ataques, embora o país não tenha confirmado a informação.
O Ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, anunciou "uma nova fase na guerra" na quarta e, nesta sexta-feira (20/9), as forças do país conduziram um ataque nos subúrbios de Beirute, que levaram à morte dos dois comandantes.
Hugo Bachega, correspondente da BBC em Beirute, afirma que este "é o pior momento da história do Hezbollah".
"O que acontece a seguir permanece incerto. O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, diz que o grupo está pronto para um grande confronto, mas indicou repetidamente que não está interessado em um conflito", escreve ele.
"O Hezbollah não tem muitas opções para dar uma retaliação significativa sem desencadear uma guerra com Israel."
"Os apoiadores do grupo, como o Irã, também não veem razão para um conflito mais amplo."
"Israel, no entanto, indica que os últimos acontecimentos são apenas o começo de uma nova fase no conflito", avalia Bachega.
Confira a seguir os possíveis cenários do que pode acontecer no Líbano após uma semana de relatos de violência.
1. Novos ataques israelenses
Antes mesmo do ataque a Beirute na sexta, o ministro da Saúde do Líbano, Firass Abiad, já afirmava que o Líbano precisava se preparar para o pior.
"Acho que precisamos nos preparar para o pior cenário", disse ele.
"Os dois ataques do último dia mostram que a intenção [de Israel] não é uma solução diplomática", afirmou Abiad sobre as explosões dos aparelhos de comunicação.
"O que eu sei é que a posição do meu governo é clara. Desde o primeiro dia, acreditamos que o Líbano não quer guerra."
Para o especialista em política israelense e palestina Ehud Yaari, os ataques aos pagers e walkie-talkies criaram uma "rara oportunidade" para Israel agir decisivamente contra o Hezbollah e seus vastos estoques de mísseis guiados de precisão.
Os sistemas de comunicação do grupo estão fora de serviço e um grande número de seus comandantes de campo foram feridos, alguns de forma grave.
"Esta situação atual não se repetirá tão cedo", escreveu Yaari em um artigo no site de notícias israelense N12 antes do bombardeio desta sexta.
"Simplificando, o Hezbollah está atualmente no pior estado desde o fim da segunda guerra do Líbano em 2006."
O correspondente de defesa da BBC, Paul Adams, diz que o foco militar israelense agora mudou para o norte, onde fica o Líbano, mesmo com a guerra em Gaza em andamento.
Mas ainda não está claro como Israel pretende explorar esse raro momento de oportunidade e se um conflito maior está se aproximando, opina ele.
2. Ataque do Hezbollah a Israel e retaliação com invasão terrestre no Líbano
O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, reagiu publicamente aos ataques de quinta-feira (19/9), dizendo que Israel havia excedido "todos os limites, regras e linhas vermelhas".
Ele reconheceu que as detonações foram um golpe sem precedentes para o grupo armado, mas disse que a capacidade do grupo de comandar e se comunicar permaneceu intacta.
Uma investigação sobre como os ataques aconteceram foi iniciada, ele acrescentou.
"Isso pode ser chamado de crime de guerra ou uma declaração de guerra — seja qual for o nome que você escolher, é merecedor e se encaixa na descrição. Essa era a intenção do inimigo", disse ele.
Nasrallah também prometeu uma punição justa, mas não deu indicações de qual seria essa resposta.
Os ataques transfronteiriços a Israel continuarão a menos que haja um cessar-fogo em Gaza, ele acrescentou, dizendo que os moradores do norte de Israel que foram deslocados por causa da violência não terão permissão para retornar.
De acordo com Amjad Iraqi, analista e membro associado do programa sobre Oriente Médio e Norte da África da Chatham House, Israel enviou ao Hezbollah "sinais provocativos" com os ataques, que podem aumentar a probabilidade de um conflito regional muito mais intenso.
"O Hezbollah agora está sob pressão para acelerar as coisas e isso, por sua vez, potencialmente dará ao exército israelense algum tipo de pretexto para tornar reais os rumores de uma invasão terrestre", disse Iraqi à BBC.
Israel "não teve sucesso em seus principais objetivos em Gaza", diz ele, o que resultou em uma situação em que o governo israelense sente que deve "reafirmar seu conceito de dissuasão na frente norte com o Hezbollah".
3. Hezbollah enfraquecido e menos chances de conflito
A correspondente persa da BBC no Oriente Médio, Nafiseh Kohnavard, está em Beirute e assistiu ao discurso de Hassan Nasrallah.
Ela enfatiza a impressão de que os ataques foram um golpe enorme para o Hezbollah — Nasrallah disse que eles foram significativos e os chamou de "grande teste" que o grupo nunca havia enfrentado antes.
Isso mostra o quão difícil é a situação para eles, acrescenta Kohnavard. Segundo ela, a maioria dos que foram feridos no ataque faz parte de grupos de elite de combatentes jovens, mas altamente treinados. E ainda hoje, a troca de tiros entre os dois países continua.
Tudo o que ocorreu não impedirá o grupo de tomar mais medidas, mas certamente teve um efeito, afirma a correspondente.
Mas é preciso também ter em mente que o Hezbollah tem aliados que asseguram que não apenas o grupo, mas o próprio Líbano, são uma linha vermelha que não pode ser cruzada por Israel.
E entre esses aliados estão o Irã, grupos paramilitares xiitas iraquianos e os houthis do Iêmen.
Um membro de um grupo paramilitar afirmou à correspondente que seus homens transitam pelo Líbano e cooperam com o Hezbollah.
Esses grupos lutaram lado a lado na Síria por anos e agora o Hezbollah pode contar com o apoio deles. Isso significa que, enquanto os ataques no Líbano foram eficazes, o Hezbollah como grupo tem profundo apoio regional, diz Nafiseh Kohnavard.
4. Os ataques aos 'pagers' do Líbano não fazem parte de uma estratégia mais ampla
Outra teoria levantada aponta que a agência de espionagem israelense Mossad havia instalado os explosivos nos dispositivos de comunicação para serem acionados apenas no caso de um conflito total no vizinho Líbano, explica o correspondente de segurança da BBC Gordon Corera.
Mas o Hezbollah teria ficado desconfiado sobre o plano, o que obrigou a Mossad a usar seu trunfo surpresa antes que perdesse a oportunidade. Com isso, os pagers foram acionados num dia, e os walkie-talkies acabaram ativados no dia seguinte.
A hipótese feita antes dos ataques de sexta era de que se, de fato, Israel decidiu agir para não desperdiçar essa vantagem, não haveria certeza de um plano mais amplo por trás do lançamento do ataque, segundo Corera.
Essa possibilidade, porém, pode ser bastante questionada diante do bombardeio que parece ter sido planejado por Israel para matar os comandantes do Hezbollah.
Amjad Iraqi, da Chatham House, sugere que a operação de transformar pagers e walkie-talkies em dispositivos explosivos levou meses, se não anos, para ser feita. Mas o porquê ela foi acionada agora tem sido objeto de especulação.
"Algumas reportagens afirmam que o Hezbollah estava descobrindo que esses dispositivos poderiam ter sido adulterados de alguma forma", diz Iraqi.
"Outras dizem que houve um esforço mais estratégico e concentrado no sentido de que, à medida que os israelenses estão lentamente reduzindo as operações em Gaza, eles agora estão se inclinando e se preparando cada vez mais em direção ao Líbano."