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Julian Assange: o que se sabe de acordo com os EUA que livrou fundador do WiKileaks da prisão

Fundador do WikiLeaks concordou em se declarar culpado de acusações de espionagem em troca da liberdade.

25 jun 2024 - 04h32
(atualizado às 23h56)
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Julian Assange foi fotografado em avião a caminho de Bangkok, após deixar a prisão no Reino Unido
Julian Assange foi fotografado em avião a caminho de Bangkok, após deixar a prisão no Reino Unido
Foto: PA / BBC News Brasil

O ativista Julian Assange, fundador do site WikiLeaks, saiu de um tribunal nas Ilhas Marianas do Norte como um homem oficialmente livre, na noite desta terça-feira (25).

Ele fez um acordo com a Justiça dos Estados Unidos no qual concordou em se declarar culpado de uma acusação de espionagem em troca da liberdade.

Assange deve seguir agora para a Austrália, seu país natal, onde sua esposa e filhos aguardam sua chegada.

O ativista, de 52 anos, foi acusado de conspiração para obter e divulgar informações de defesa nacional, depois que o site Wikileaks publicou arquivos militares americanos considerados secretos.

Ele passou os últimos cinco anos em uma prisão britânica, de onde lutava contra a extradição para os Estados Unidos. Na segunda-feira (24), ele deixou a prisão em Londres.

Assange compareceu na noite de terça perante um juiz em Saipan, capital das Ilhas Marianas do Norte, onde se declarou culpado da acusação.

Pelos termos do acordo, o ativista não ficaria em nenhum momento sob custódia americana, e não teria que cumprir pena de prisão porque o Departamento de Justiça dos EUA vai levar em consideração o tempo que ele já cumpriu no Reino Unido.

Stella Assange, esposa de Julian, agradeceu aos apoiadores de seu marido pelo suporte e contou à BBC Radio 4 sua alegria por um acordo ter sido alcançado.

Ela disse que os dias anteriores foram "incertos" e "intensos", e que estava sentindo "uma mistura de emoções".

Ela mencionou que a prioridade para seu marido era "recuperar a saúde", estar em contato com a natureza e que a família tivesse "tempo e privacidade".

Stella também confirmou que os dois filhos pequenos do casal estavam na Austrália com ela. Disse que ainda não contou a eles que o pai seria libertado — apenas que estavam indo visitar a família e que havia "uma grande surpresa" esperando por eles.

Posteriormente, ela disse ao programa Newshour da BBC: "Não tivemos muito tempo para falar sobre o futuro — a primeira coisa é que ele terá que reembolsar o governo australiano em $500.000 (R$ 2.725.000) pelos voos fretados."

Ela compartilhou os detalhes do voo do marido nas redes sociais, pedindo às pessoas que monitorassem de perto o trajeto da Tailândia até as Ilhas Marianas do Norte.

"Precisamos que todos estejam de olho no voo, caso algo dê errado", afirmou.

O avião de Assange pousou em Bangkok, capital da Tailândia, na manhã de terça-feira (25)
O avião de Assange pousou em Bangkok, capital da Tailândia, na manhã de terça-feira (25)
Foto: X/Reuters / BBC News Brasil

O que se sabe do acordo com os EUA

De acordo com a Justiça britânica, o acordo do ativista com os Estados Unidos foi assinado há seis dias.

Stella Assange disse à BBC que estava "exultante" com o acordo — mas que a negociação, muitas vezes, pareceu-lhe "incerta".

"Até as últimas 24 horas, não tínhamos certeza se isso estava realmente acontecendo", diz ela.

Já o ex-vice-presidente dos EUA Mike Pence criticou fortemente o acordo fechado com Assange, classificando-o como um "erro judicial".

Na opinião dele, o ativista deveria ter "sido processado até a última instância".

Em uma postagem no X (antigo Twitter), ele afirmou: "Não deveria haver acordos judiciais para evitar a prisão de alguém que coloca em risco a... segurança nacional dos Estados Unidos. Nunca."

Quem é Julian Assange

Assange ganhou reputação na Austrália como programador quando era adolescente.

Em 1995, ele foi multado por crimes cibernéticos em um tribunal do país, e só evitou a pena de prisão porque prometeu não cometer a infrações novamente.

Em 2006, Assange fundou o WikiLeaks. O projeto afirma ter publicado mais de dez milhões de documentos, incluindo muitos relatórios oficiais confidenciais relacionados a guerras, espionagem e corrupção.

Em 2010, o WikiLeaks divulgou um vídeo de um helicóptero militar dos EUA que mostrava 18 civis sendo mortos na capital do Iraque, Bagdá.

Também publicou milhares de documentos confidenciais fornecidos por Chelsea Manning, ex-analista de inteligência do Exército dos EUA. Ela foi condenada a 35 anos de prisão antes do então presidente Barack Obama comutar (alterar — no caso, para diminuir) sua pena em 2017.

Os arquivos vazados indicavam que os militares dos EUA tinham matado centenas de civis em incidentes não relatados oficialmente durante a guerra no Afeganistão.

O WikiLeaks continuou divulgando novas levas de documentos, incluindo cinco milhões de e-mails confidenciais da empresa americana de inteligência Stratfor.

Em meio aos vazamentos, também se viu, no entanto, lutando para sobreviver em 2010, quando várias instituições financeiras dos EUA começaram a bloquear doações que recebia.

Como o governo dos EUA reagiu ao WikiLeaks?

Em 2019, o Departamento de Justiça dos EUA descreveu os vazamentos do WikiLeaks como "um dos maiores vazamentos de informações confidenciais na história dos Estados Unidos".

Os advogados das autoridades americanas afirmaram que a publicação das informações colocaram indivíduos identificados no Afeganistão e no Iraque em "risco de danos graves, tortura ou mesmo morte".

Assange insistiu que os arquivos expunham abusos graves por parte das forças armadas dos EUA e que o processo contra ele tinha motivação política.

Ele foi acusado por 18 crimes, como conspirar para invadir bancos de dados militares com o objetivo de conseguir informações confidenciais.

As autoridades dos EUA iniciaram um processo de extradição para levar Assange ao país.

Se fosse condenado, seus advogados disseram que Assange poderia pegar até 175 anos de prisão.

Julian Assange pediu asilo na embaixada do Equador em Londres em 2012
Julian Assange pediu asilo na embaixada do Equador em Londres em 2012
Foto: REUTERS / BBC News Brasil

Por que Assange não foi enviado aos EUA?

O pedido de extradição dos EUA é de 2019, e foi concedido após uma série de audiências judiciais, mas Assange passou vários anos lutando para anular a decisão.

Ele foi enviado para a prisão de alta segurança de Belmarsh, em Londres, em 2019, e lá foi mantido até agora enquanto o caso de extradição dos EUA avançava na Justiça.

Em 2021, o Tribunal Superior da Inglaterra decidiu que ele deveria ser extraditado, rejeitando as alegações de que a sua saúde mental precária significava que ele poderia se suicidar em uma prisão dos EUA.

Em 2022, o tribunal manteve essa decisão, e a então secretária do Interior, Priti Patel, confirmou a ordem de extradição.

Em fevereiro deste ano, o tribunal validou o pedido de extradição.

Mas em maio, o Tribunal Superior do Reino Unido decidiu que Assange poderia interpor um novo recurso contra a extradição para os EUA, permitindo-lhe desafiar as garantias dos EUA sobre a forma como o seu futuro julgamento seria conduzido e se o seu direito à liberdade de expressão seria respeitado.

A Suprema Corte do Reino Unido havia decidido a favor da extradição de Assange
A Suprema Corte do Reino Unido havia decidido a favor da extradição de Assange
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Por que Assange morava na embaixada do Equador?

As autoridades suecas emitiram um mandado de prisão contra Assange em 2010, acusando o ativista de abusar sexualmente de uma mulher e de molestar outra enquanto estava no país.

Ele negou os crimes, afirmando que as acusações eram "infundadas".

A Suécia também pediu ao Reino Unido a extradição de Assange, que foi detido preventivamente sob fiança.

Seguiram-se dois anos de batalhas legais, mas em 2012, o Supremo Tribunal do Reino Unido decidiu que ele deveria ser extraditado para a Suécia para interrogatório.

No entanto, ele procurou asilo político na embaixada do Equador. A concessão foi concedida pelo então presidente do país, Rafael Correa, que apoiava o Wikileaks.

Assange passou sete anos na embaixada e era regularmente visitado por celebridades, incluindo a cantora Lady Gaga e a atriz Pamela Anderson.

Em abril de 2019, o então novo presidente do Equador, Lenin Moreno, ordenou que Assange deixasse a embaixada devido ao seu "comportamento descortês e agressivo", reclamações sobre a sua higiene pessoal e suspeitas de que estava acessando documentos de segurança da embaixada.

Assange foi detido dentro da embaixada pela polícia britânica e depois julgado por não se submeter aos tribunais para ser extraditado para a Suécia, o que constituiu uma violação das condições da sua fiança.

Ele foi condenado a 50 semanas de prisão.

Em novembro de 2019, as autoridades suecas desistiram do processo contra Assange porque os supostos crimes teriam prescrito.

Da embaixada no Equador, Assange dizia que os EUA promoviam uma 'caça às bruxas' contra o WikiLeaks
Da embaixada no Equador, Assange dizia que os EUA promoviam uma 'caça às bruxas' contra o WikiLeaks
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Vida de hacker

Assange normalmente evita falar sobre seu passado, mas o interesse da mídia desde o surgimento do WikiLeaks trouxe algumas ideias sobre as influências que teve.

Ele nasceu em Townsville, no Estado australiano de Queensland, em 1971, e teve uma infância sem raízes enquanto seus pais dirigiam um teatro itinerante.

Ele foi pai aos 18 anos e não demorou a enfrentar batalhas jurídicas pela guarda da criança.

Já no desenvolvimento da internet, o australiano viu a chance de usar suas habilidades em matemática - um caminho que também lhe trouxe problemas.

Em 1995, ele foi acusado, junto com um amigo, de dezenas de atividades hackers.

Embora o grupo que integravam fosse experiente o bastante para rastrear os detetives que os monitoravam, Assange acabou sendo pego e se declarando culpado.

Ele foi multado em vários milhares de dólares australianos - escapando da pena de prisão sob a condição de que não voltaria a cometer tais crimes.

Após o episódio, ele passou três anos escrevendo um livro com Suelette Dreyfus - pesquisadora que estava estudando o emergente lado subversivo da internet. A obra, chamada Underground, se tornou um best-seller.

Dreyfus descreveu Assange como um "pesquisador muito qualificado" que estava "bastante interessado no conceito de ética, em conceitos de justiça, no que os governos deveriam e não deveriam fazer".

A isso se seguiu um curso de física e matemática que ele fez na Universidade de Melbourne, onde virou um destacado membro da sociedade matemática e inventor de um elaborado quebra-cabeça em que seus contemporâneos dizem que teria se superado.

Ele lançou o WikiLeaks em 2006 com um grupo de ativistas que compartilhavam visões semelhantes às dele, criando métodos especiais para receber secretamente materiais sigilosos, candidatos a vazamentos.

Assange lançou o WikiLeaks em 2006
Assange lançou o WikiLeaks em 2006
Foto: Reuters / BBC News Brasil

"Para manter nossas fontes seguras, tivemos que espalhar recursos, criptografar tudo e mudar telecomunicações e pessoas ao redor do mundo para ativar leis de proteção em diferentes jurisdições nacionais", disse Assange à BBC, em 2011.

"Nós ficamos bons nisso, e nunca perdemos um caso, ou uma fonte, mas não podemos esperar que todos passem pelos esforços extraordinários que nós fazemos."

Ele adotou um estilo de vida nômade, administrando o WikiLeaks de locais provisórios e itinerantes.

Assange conseguia passar longos períodos sem comer, e se concentrar no trabalho com poucas horas de sono, segundo Raffi Khatchadourian, repórter da revista New Yorker, que passou várias semanas viajando com ele.

"Ele cria essa atmosfera a seu redor, onde as pessoas próximas querem cuidar dele, para ajudá-lo a seguir em frente. Eu diria que isso provavelmente tem a ver com o seu carisma."

*Esta reportagem foi publicada originalmente em 19 de fevereiro de 2024.

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