Corredor da Morte e apologia ao crime foram o primeiro escândalo do funk
Quarta, 28 de março de 2001
O escândalo, até agora não confirmado, da menina de 14 anos que teria engravidado e contraído HIV ao participar de orgias em um baile é pequeno perto das denúncias, comprovadas, que o funk sofreu em um passado não tão distante. Em 99, foi criada uma CPI na Assembléia Legislativa do Rio apenas para investigar as brigas nos bailes e as acusações de violência, apologia ao crime e ligação com o tráfico de drogas. Embora as conclusões práticas da CPI tenham resultado em uma lei que foi quase esquecida pelo Rio de Janeiro, as denúncias, graves, geraram repercussão na sociedade e medo entre os pais e os freqüentadores das festas cariocas.
Arthur Cabral, delegado responsável por investigações das festas, dá detalhes dos chamados corredores da morte: "Os promotores, incluindo a Furacão 2000, organizavam no meio do salão dois grupos rivais e, no meio, ficavam seguranças". De acordo com Cabral, um integrante de um dos "lados" escolhia outro da galera inimiga e o espancava. "Muitos jovens teriam morrido nestas brigas e garotas, levadas para o banheiro, eram violentadas", acusa Cabral. Rômulo Costa, dono da Furacão 2000, confirma a ocorrência de corredores da morte em alguns bailes funk, mas nunca nos promovidos por sua equipe.
A acusação do excesso de violência em alguns bailes é sustentada por fotos e inquéritos do Ministério Público que reuniu, em um dossiê chamado A Verdade Real Sobre a Violência nos Bailes Funks, diversos documentos que provariam que os corredores da morte eram, na realidade, organizados, e não apenas brigas que acontecem normalmente em festas que reúnem milhares adolescentes. Entre os documentos apresentados à CPI, estão imagens de confrontos ocorridos durante os bailes (veja as fotos), uma série de músicas que fazem apologia às drogas, ao crime (inclusive ao Comando Vermelho) e ao próprio corredor da morte.
O pesquisador Mikael Herschmann, autor do livro O funk e o hip hop invadem a cena, acredita que o uso das músicas como provas em processos de apologia ao crime, violência ou mesmo ao tráfico de drogas é incorreto. "As músicas tratam do cotidiano do freqüentador do baile funk daquela época, que vivia na favela e convivia com o crime", explica o pesquisador. "Uma pessoa não é necessariamente criminosa só porque cantava ou ouvia músicas deste tipo", completa.
A "veterinária" - Um dos locais mais violentos, de acordo com o dossiê, foi o Country Clube de Jacarepaguá. Nas festas promovidas neste clube, os corredores da morte eram uma constante e havia até uma enfermaria, explica o delegado Arthur Cabral, para onde eram levados os jovens que ficavam feridos nas brigas. Ainda segundo o delegado, a precariedade da sala fazia com que ela fosse chamada de "veterinária" e seu principal objetivo era evitar que os feridos fossem a hospitais, onde a denúncia seria registrada e a polícia iria apurar o que tinha acontecido. O promotor Romero Lyra acrescenta: "Corpos dos mortos eram desovados em bueiros pelos próprios seguranças dos bailes violentos".
Nos jornais da época, principalmente entre 97 e 99, é comum se ler sobre mortes e feridos em bailes funk - em especial os dos bairros mais pobres do Rio de Janeiro -, todos os finais de semana. "Recebi dezenas de notícias crime", afirma Romero Lyra. O juiz de menores Siro Darlan, também confirma a existência de denúncias: "Autuamos muitos bailes várias vezes e alguns acabaram sendo obrigados a fechar, pois não havia condições". A própria CPI do Funk determinou a interdição de cerca de 30 bailes, por causa das denúncias (confira a lista).
Acusações contra as equipes de som - Durante o auge das denúncias contra os bailes, os donos das duas principais equipes de som do Rio de Janeiro, José Cláudio Braga, da ZZ Produções, e Rômulo Costa, da Furacão 2000, foram alvo de acusações e ambos passaram algum tempo na prisão. José Cláudio, o Zezinho, ficou perto de seis meses preso por porte ilegal de arma, mas sua prisão foi motivada por denúncias de incentivo à violência e pornografia nos bailes que promovia. Rômulo teve sua prisão preventiva decretada duas vezes, a pedido de Arthur Cabral, porque teria recebido dinheiro de traficantes para realizar bailes. A acusação do delegado é sustentada por uma agenda de um traficante, que traria anotações de pagamentos ao dono da Furacão 2000. Rômulo ainda responde aos processos, em liberdade, e sua mulher Verônica afirma que o dono da Furacão 2000 é vítima de uma perseguição de Cabral. Às acusações da "Mãe Loura do Funk", o delegado apenas respondeu que iria processá-la por calúnia e difamação (confira o vídeo com as entrevistas).
Toda a movimentação em torno da violência dos bailes funk, no entanto, gerou poucos resultados concretos. Como não se sabia, ao certo, quem era o verdadeiro responsável pelo baile, se era o dono do clube ou a equipe de som que o promovia, aconteceu uma troca de acusações entre as duas partes e ainda não há culpados para as mortes e para as brigas. A Lei do Funk, embora quase esquecida, determinou de uma vez por todas quem é o responsável pelo que acontece no interior do baile: o dono do estabelecimento. Depois desta determinação, a preocupação com a segurança nos bailes cresceu e a violência diminuiu, exceto em algumas festas que acontecem em pontos afastados da periferia carioca. Das vítimas desta época, como os jovens mortos ou a menina grávida de 16 anos que foi pisoteada durante uma festa e acabou perdendo o bebê, não há notícia: os processos continuam na Justiça.
Saiba mais sobre a lei que regulamenta os bailes funk
Théo Araújo
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