A astronomia tornou possível tecnologias como GPS, tomografias médicas e a internet sem fio. Mas isso tem um custo: todos os anos as pesquisas da área emitem um milhão de toneladas de carbono. O gás é uma dos principais causas do efeito estufa e do aquecimento global, que, no limite, pode levar à extinção da vida no planeta Terra.
Especialistas ouvidos por Byte acreditam que a tendência é consequência dos ganhos científicos trazidos pela astronomia, mas é de fato preocupante e deve ser combatida. Alternativas mais sustentáveis começam a surgir lentamente.
A pegada de carbono da astronomia ficou evidente após a divulgação de um estudo recente, liderado por pesquisadores do Institut de Recherche en Astrophysique et Planétologie, um laboratório de astrofísica espacial em Toulouse (França).
O trabalho foi publicado na revista científica Nature Astronomy em novembro e mostra que as emissões das observações e pesquisas astronômicas equivalem a 20 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2, ou gás carbônico).
Como a astronomia polui
Para chegar a esse número, o grupo de cientistas estimou a energia gasta para construir, lançar e operar as grandes infraestruturas modernas do setor, como telescópios em solo e no espaço, naves espaciais e satélites. Além disso, levaram em conta as viagens dos astrônomos ao redor do planeta, para pesquisas e conferências e o grande poder de computação necessário para os estudos astronômicos.
Somando tudo, eles chegaram a um milhão de toneladas por ano. Levando em conta o tempo de vida útil desses equipamentos, que é de cerca de 20 anos, os pesquisadores estimaram a pegada de carbono da astronomia em 20 milhões de toneladas — índice semelhante à de países como Estônia, Croácia ou Bulgária, por exemplo.
Só o telescópio espacial James Webb, lançado no ano passado, tem uma pegada estimada em 300 mil toneladas de CO2 ao longo de sua vida útil. Outro exemplo é o Very Large Telescope (VLT), localizado no Chile, cujas emissões estão estimadas em 540 mil toneladas durante os 21 anos previstos para sua existência.
Há, claro, atividades humanas com pegada bem maior, como o setor industrial, por exemplo. Mas os astrônomos da França autores do estudo defendem que os cientistas devem dar o exemplo para a sociedade.
A insustentabilidade energética da ciência
O astrofísico José-Dias do Nascimento Júnior, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e psquisador associado ao Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, nos Estados Unidos, lembra que a astronomia já faz ciência em escala industrial há muito tempo.
"E os projetos são cada mais ambiciosos, com uma sede por grandes instrumentos e bases de dados gigantescas. Além disso, há as matrizes observacionais espalhadas pelo mundo, que exigem dezenas de MW de energia. Isso tudo somado gera uma insustentabilidade energética.”
Para o físico e astrônomo Roberto Dell’Aglio Dias da Costa, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), a pegada de carbono da astronomia preocupa, mas faz uma ressalva.
“Creio que algumas atividades dentro da astronomia produzem mais carbono”, explica. “Um exemplo é a construção de um observatório astronômico moderno numa montanha. Tal atividade envolve evidentemente construção civil, terraplanagem, construção de estradas e de prédios. Mas não tem como fazer de outra maneira.”
As pesquisas espaciais também têm uma pegada de carbono significativa. Para realizá-las, são necessários telescópios e satélites em órbita da Terra. Eles devem ser lançados a partir do solo, o que exige uma quantidade enorme de combustível.
Como resolver a pegada de carbono da astronomia?
A comunidade dos astrônomos agora discute o que fazer para diminuir as emissões de carbono em suas atividades. Mas o que vem sendo feito, é, para alguns, ainda insuficiente.
O físico e astrônomo Annibal Hetem Júnior, da Universidade Federal do ABC (UFABC), diz que o setor deve favorecer práticas mais limpas e favoráveis ao ambiente. “Os projetos de grandes equipamentos e missões do futuro já incorporam premissas voltadas para este tema”, diz.
Nascimento Júnior ainda acha que é pouco. “Quantificar é um passo, mas a mudança das instalações das estruturas existentes, o tipo de combustível e as fontes de energia ainda exigem esforço. Há uma dificuldade inerente, porque muitos telescópios estão em lugares remotos.”
Ele dá como exemplo os equipamentos no deserto de Atacama (Chile), conectados à rede elétrica das cidades próximas. “Mas nós temos lá geradores a diesel e quando falta energia na rede, nós os ligamos”, conta. “Isso tudo exige um processo de mudança, para o qual a engenharia está no limite. Nós da astronomia sozinhos não podemos refazer toda a cadeia produtiva da área.”
Costa, por sua vez, dá como exemplo de reação as atividades online, que aumentaram muito durante a pandemia de covid-19. “Uma defesa de tese de doutorado implicava em trazer membros da banca examinadora de diversos lugares. Agora, essas defesas são de forma virtual ou semivirtual, zerando as emissões resultantes do deslocamento por via aérea.”
O mesmo acontece com os seminários científicos, com muitos sendo realizados de forma remota ou semipresencial. “Com a melhoria da velocidade da internet, creio serem cada vez mais viáveis cursos, aulas e congressos científicos exclusivamente virtuais”, explica.