"A poluição luminosa está disparando." Esse foi o título de um artigo científico publicado na renomada revista científica Science em janeiro deste ano. Segundo os autores, da Univiersidade de Santiago de Compostela (Espanha), as estrelas mais escuras estão sendo cobertas por um aumento anual de 10% na luz de fundo do céu. O motivo? A luz artificial que vem das cidades.
Corta para junho. A Science colocou o assunto novamente na revista, desta vez na capa. Já no Brasil, a Chapada dos Veadeiros, em Goiás, sedia até domingo (25) o primeiro Congresso Brasileiro de Astroturismo. O país já conta com agências especializadas nesse ramo e uma visitação de cerca de 3.000 visitantes por ano no Parque Estadual do Desengano (RJ), um dos pontos mais procurados.
O astroturismo, como sugere o nome, é um tipo de turismo focado em atrair um público interessado na observação de estrelas, planetas e corpos celestes no céu aberto.
É uma atividade que pode ocorrer com instrumentos como binóculo, câmera fotográfica com tripé ou uma pequena luneta. Mas também é possível a olho nu. Afinal, o céu estrelado de uma cidade com menos poluição luminosa não se parece nada com o das metrópoles.
A prática tem se espalhado pelo país em diversas regiões como a citada Chapada dos Veadeiros, Arraial do Cabo (RJ) e a Serra da Canastra (MG). Outras cidades são consideradas propícias para a observação do céu devido a condições climáticas e geográficas, como Caraíva (BA), Brasília (DF), Atibaia (SP), Itajubá (MG), Paranaguá (PR), entre outras.
No entanto, o Parque do Desengano se destaca por ser até agora a única localidade do Brasil reconhecida pela IDA (International Dark-Sky Association), organização responsável pela lista de lugares certificados ao redor do planeta como propícios para o astroturismo.
Longe demais das capitais
Localizado na porção terminal da Serra do Mar, no Norte do estado do Rio de Janeiro, o Parque do Desengano ganhou tanto destaque nesse tipo de turismo por conta de sua posição privilegiada.
“A Serra do Mar caracteriza-se como uma macrounidade geomorfológica de grande relevância, com uma extensa cadeia montanhosa que o deixa distante dos grandes centros, onde há intensa poluição luminosa”, disse o gestor do parque, Lúcio Heron.
“Além disso, todo o entorno é pouco habitado e ausente de luminosidade. O clima da região é tropical e conta fatores como relevo, regime de chuvas, temperatura, entre outros. Se situa no considerado terceiro melhor clima do Brasil”, complementou.
Atualmente, a unidade de conservação trabalha um plano de uso público, visando estruturar áreas de camping e melhorar o acesso às áreas apontadas com potenciais para receber e acomodar visitantes.
A Céu de Gaia, primeira agência do Brasil especializada em turismo astronômico, gerencia visitas de observação do céu no Observatório Bellatrix, em Alto Paraíso de Goiás (GO), a 412 km de Goiânia. O local dispõe de um telescópio de 25 cm de abertura, com um sistema computadorizado e uma cúpula.
As atividades são conduzidas por astrônomos formados na Universidade de São Paulo (USP). Com o apoio de guias que priorizam a segurança na região da Chapada, eles criaram o projeto pioneiro, que envolve trilhas e atividades astronômicas diversas.
Como sabemos se uma cidade pode receber astroturismo?
O diretor do Observatório do Valongo (UFRJ) e presidente da Sociedade Astronômica Brasileira (SAB), Helio J. Rocha-Pinto, diz que as cidades pequenas são as com mais potencial para a observação do céu. Elas têm alguma infraestrutura para turismo ecológico, mas não se constituem como centros urbanos com excesso de luz artificial.
“Quanto menor o vilarejo e quanto mais próximo ele for de áreas naturais, mais adequado é o local. Pois astroturismo demanda céu escuro, o mais escuro possível, além de um clima propício”, explica.
“Áreas de serras, como parques florestais, são muito cativantes, pois costumam aliar alta altitude com cercanias isoladas. Porém, mesmo ao nível do mar é possível ter boas experiências quando a atmosfera está limpa de nuvens e nos encontramos em regiões sem luz artificial, como em ilhas, restingas e praias isoladas”, disse o especialista.
O astrônomo reitera que a região que recebe astroturistas precisa ter clima seco em boa parte do ano, ainda que apenas durante uma estação.
“Será nesse período que o potencial para o astroturismo será máximo, pois a atmosfera fica bastante transparente (sem nuvens) nessa época. Idealmente, locais altos são os melhores, mas a altitude desejada seria acima de 1.500 metros”, disse Rocha-Pinto.
Como ser um astroturista
Não há idade mínima ou máxima para aproveitar as experiências de astroturismo. Perfis variados começam a descobrir as belezas do céu noturno e diurno através de um olhar mais profissional, com o amparo de guias, astrônomos, entusiastas e equipamentos.
Este é o caso do professor de Comunicação na Universidade de Brasília (UnB) Caique Novis, que recentemente participou de uma expedição de astroturismo na Chapada dos Veadeiros.
“Gosto muito de visitar planetários, mas foi a minha primeira vez em um observatório astronômico. O melhor é que foi no meio da Chapada dos Veadeiros onde, mesmo a olho nu, o céu é espetacular”, disse o professor ao Byte.
“Me transporto para épocas remotas e fico a imaginar como o céu impactou o homem e a Humanidade. Quantos mitos, quantas histórias, quanta viagem para nomear e significar eclipses, chuva de meteoros, fases da lua. O céu me fascina desde sempre”, completou Novis.
A coordenadora de projetos Barbara Panseri também se apaixonou recentemente pela modalidade. Ela já foi três vezes ao passeio no Observatório Bellatrix. Sua maior motivação era aprender mais sobre o céu.
“Nunca tive grande interesse por astronomia, então quis experimentar algo diferente. Observei Saturno e Júpiter. Foi fantástico! Ver os anéis de Saturno no telescópio ou as luas de Júpiter é emocionante demais”, relata.
“Na segunda vez, pegamos uma chuva de meteoros e observamos Marte. Foi lindo ver um meteoro gigante a olho nu. E por fim, da última vez, peguei a Lua Cheia, que é uma atração em si. Pudemos observar a lua a olho nu, com binóculo e com diferentes lentes no telescópio”, acrescentou Barbara.
Hobby que virou profissão
O guia de turismo Rafael Marques, da agência de viagens Astro Traveler, conta que desde a adolescência organizava eventos astronômicos em praças, escolas e locais públicos. O foco, segundo ele, era fazer com que as pessoas tivessem a oportunidade de ver planetas ou a Lua por um telescópio.
“Com o passar dos anos, vi a oportunidade de tornar o hobby em uma fonte de renda. Ao mesmo tempo, não perdi a paixão pelo que sempre fiz de melhor, compartilhar conhecimento sobre o universo”, afirmou Marques.
Agora, como guia turismo, ele organiza eventos na Serra da Canastra (MG) para “engajar e cativar os astroturistas com curiosidades e, na prática, observar objetos do universo de tirar o fôlego”.
Ele também destaca a urgência em conscientizar a população sobre o excesso de iluminação artificial em reservas, parques e patrimônios turísticos naturais.
“Infelizmente a poluição luminosa prejudica a saúde dos seres vivos e observação do céu noturno. Com o investimento em iluminação adequada, gradativamente o segmento aumenta, pois a união do astroturismo com o ecoturismo é certa”, diz Marques.
Expectativa para o principal fenômeno astronômico
Interessou-se pelo astroturismo? Então vale a pena acompanhar o calendário astronômico de cada ano antes de planejar a sua experiência. A época do ano e a região de observação podem ser fundamentais para sua experiência ser inesquecível.
O fenômeno astronômico mais aguardado para 2023 é o Eclipse Solar Anular/Anelar — ou anel de fogo como também é conhecido. O fenômeno terá a melhor visibilidade no Norte e principalmente no Nordeste do Brasil.
“Rio Grande do Norte e Paraíba serão os dois estados privilegiados. Infelizmente, aqui no Sudeste, veremos a Lua ‘abocanhar’ só uma parte do Sol”, disse Rafael Marques.
Além dos eclipses, as chuvas de meteoros e as mudanças de estações também são fenômenos relacionados aos ciclos naturais que podem entrar no calendário.
“Muita coisa além do céu”
Em paralelo ao astroturismo, no Brasil o turismo ufológico também ganhou força por aparições registradas nos últimos anos. Um dos casos mais famosos, o “ET de Varginha”, uma suposta aparição alienígena no céu da cidade mineira, em 1996, gerou fama e atraiu turistas para a região.
No ano passado, a prefeitura de Varginha inaugurou o “Memorial do ET”, com luzes, ETs lúdicos e palestras para fomentar o turismo ufológico.
A cidade de Peruíbe, no litoral paulista, também aposta na ufologia como um dos principais atrativos. A prefeitura promove anualmente o Encontro Ufológico de Peruíbe. A organização é da revista UFO, que concedeu à cidade o título de capital brasileira dos discos voadores pela elevada incidência ufológica. A estimativa é a de que tenham mais de 300 registros do tipo nos últimos 40 anos.
Astroturismo em risco
O astrofísico Elielson Soares Pereira, fundador da agência de astroturismo Céu de Gaia, afirmou que a poluição luminosa será um ponto crucial do Congresso Brasileiro de Astroturismo, do qual é um dos organizadores.
“É um tema muito recente, se pensarmos que a iluminação existe há 150, 200 anos. Tem projeto de lei rodando. A gente espera a presença de agentes políticos para mitigar ou estudar quais são os modos de iluminação mais adequados”, afirmou Pereira.
O Projeto de Lei 1975/21, de autoria do deputado Carlos Henrique Gaguim (DEM-TO), prevê a autorização de órgãos do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) a criarem programas para certificar localidades com grande potencial para observação do céu noturno. O projeto aguarda parecer do relator na Comissão de Turismo.
“O astroturismo surge como necessidade ligada a essa incapacidade de ver o céu como ele é, longe de nossas cidades. Contudo, sem um controle de emissão da luz, mesmo esses locais onde ainda há céu escuro estão ameaçados em um futuro próximo”, alerta Helio J. Rocha-Pinto, do Observatório do Valongo.