Uma mulher argentina descobriu uma traição através do Twitter ao ouvir três jovens discutindo sobre o assunto em um ônibus. O compartilhamento de informações não autorizadas pode configurar diversos crimes e resultar em ações judiciais por danos morais, além de trazer graves consequências à saúde mental das vítimas.
Ônibus lotado, tédio no trânsito e o passageiro sentado ao seu lado está tendo uma conversa interessante pelo WhatsApp. Você estica o olho e dá uma lida no conteúdo? Essa espionagem é difícil de controlar, porém, compartilhar as informações vistas em conversas alheias pode configurar diversos crimes, como difamação, injúria e violação de segredos.
Na Argentina, uma mulher descobriu uma traição por acaso quando uma estranha compartilhou no X (ex-Twitter) a fofoca que ouviu no transporte público.
A usuária, identificada como Dana Reyna, citou os nomes de todos os envolvidos na conversa após ouvir três jovens em um ônibus dizendo que um homem chamado “Nacho” era infiel a “Agostina”.
“Se seu nome é Agostina e você tem um namorado chamado Nacho, ele te traiu com a Luana, e suas amigas Camila, Antonella e Sofía sabem de tudo e também sabem que Antonella gosta de Nacho", escreveu na publicação.
Si te llamas Agostina y tenes un novio llamado Nacho te engañó con Luana y tus amigas Camila, Antonella y Sofia saben todo y además saben que Antonella gusta de Nacho. Hablan muy fuertes tus amigas en el bondi para viajar con gente chusma como yo🤣
— 𝙳𝚊𝚗𝚊 (@danareyna__) May 10, 2023
Indenização e possível crime
O que pode parecer uma brincadeira para alguns, na verdade, pode ter consequências sérias. De acordo com a advogada especialista em Direito Digital e CTO da consultoria de proteção de dados DataLegal, Camila Studart, os indivíduos que compartilham prints ou qualquer conteúdo privado sem autorização podem enfrentar ações judiciais pelos danos morais causados, além dos crimes de difamação, injúria e até violação de segredos.
A gravidade das consequências, diz a especialista, dependerá da natureza do conteúdo compartilhado e do dano causado às partes envolvidas.
"A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) tem como um de seus fundamentos o respeito à privacidade. Embora seja mais aplicada ao tratamento de dados pessoais num outro contexto, seu princípio de proteção da privacidade pode ser invocado em casos de divulgação indevida de informações pessoais", afirmou Camila ao Byte.
Pedro Martins, coordenador da área acadêmica da Data Privacy Brasil, destaca que "certamente é um ato ilícito que, se gerar algum prejuízo a pessoa que teve a mensagem exposta, poderia gerar um direito à indenização".
"Com a LGPD passamos a dar mais importância a proteção de dados e da privacidade de forma geral, agora essas preocupações que sempre existiram tem um "respaldo legal" mais sólido. Aquela ideia de que algo público não merece proteção da privacidade começa a se desfazer com a proteção de dados pessoais", completa Martins.
Danos psicológicos
A fofoca e o compartilhamento de informações falsas podem trazer graves consequências psicológicas às vítimas — e nem sempre ela é apresentada por um desconhecido. Foi o que aconteceu com a jovem Beatriz, de 17 anos, em uma escola particular em São Paulo. A adolescente, que optou por não compartilhar seu sobrenome ou nome da escola, disse ter sido vítima de "fofoca digital" ou uma forma de cyberbullying.
Colegas de classe inventaram boatos sobre a garota e compartilharam em grupos de troca de mensagens. Com a repercussão, a jovem passou a ter crises de ansiedade e optou por trocar de escola.
Outro caso, ocorrido há 10 anos, causou a morte de Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, em Guarujá (SP). A mulher caminhava por uma comunidade quando foi confundida com o retrato-falado de uma suposta sequestradora de crianças.
A Fabiane foi linchada por dezenas de pessoas, que acreditavam se tratar de uma criminosa que usava crianças para praticar rituais de magia negra.
Segundo a polícia, este crime teria sido motivado por uma publicação no Facebook. Em postagem na rede social, uma página mostrava a foto de uma mulher parecida com a que foi agredida, causando o engano que terminou em tragédia.
A doutora em Psicologia pela PUC-SP Ligia Baruch ressalta ao Byte a importância de haver informação e campanhas de prevenção, pois, as fofocas têm o potencial de dano a imagem e ao senso de identidade e pertencimento da criança ou jovem em uma fase de vulnerabilidade psíquica e social.
"Na visão da Psicologia e Sociologia, a fofoca servia antes da era digital para antecipar, prevenir ou remediar qualquer atitude que colocasse em risco a estabilidade e coesão de um grupo ou sociedade. Na era digital esse mecanismo sofre uma ampliação dos pequenos grupos para toda uma rede digital, de tamanho imensurável", disse a psicóloga e autora do livro Tinderellas: o amor na era digital.
A especialista lembra que quem posta pode ganhar milhões de visualizações e viralizar nas redes; e que essa é uma mudança fundamental no mecanismo da fofoca na era digital.
"É um mecanismo estrutural que, com a presença das redes sociais, passou a ter um potencial bombástico de propagação e em alguns casos de destruição psíquica de pessoas e relacionamentos", disse Ligia Baruch.
Como se proteger
Pensando no âmbito digital, algumas soluções podem contribuir para a proteção da sua privacidade. Dentre as medidas de segurança on-line indicada por especialistas, inclui-se o uso de senhas fortes, autenticação de dois fatores e a limitação do compartilhamento de informações pessoais em ambientes digitais.
Especialista em Direito Digital, Camila Studart destaca que, em caso de roubo de celular, é importante ter configurado previamente ferramentas que permitam o bloqueio e a localização remota do dispositivo.
Além disso, diz Camila, é essencial ter cuidado com o que se compartilha em ambientes públicos, considerando sempre a possibilidade de ser ouvido ou observado por terceiros, como no acesso a redes de wi-fi pública.
"Importante sempre lembrar que a conveniência de acessar a internet gratuitamente em locais públicos vem acompanhada de vulnerabilidades que podem expor dados pessoais e sensíveis a criminosos", afirma a advogada.
O coordenador da Data Privacy Brasil, Pedro Martins, informa que existem até mesmo barreiras físicas que podem ser usadas em locais como os transportes públicos, como películas de celular que ofuscam o celular para quem está olhando de outros ângulos.
"Isso pode ser útil para usar o celular em ambientes públicos, por exemplo. E em segundo lugar, podemos pensar na a proteção no software. É sempre fundamental ativar autenticação de dois fatores e senhas nos aplicativos de mensagem", incluiu Martins.