A Austrália aprovou nesta quinta-feira proibir o uso de mídias sociais por menores de 16 anos, após um debate que tomou conta do país. A aprovação estabeleceu uma referência para outras regiões no mundo ao ser uma das regulamentações mais rígidas já aprovadas contra as grandes de empresas de tecnologia.
A lei obriga as plataformas de mídia social, desde o Instagram até o TikTok, a impedirem que menores de idade façam login em seus serviços sob pena de multas de até 49,5 milhões de dólares australianos (32 milhões de dólares). Um teste de métodos para aplicar a lei começará em janeiro e a proibição entrará em vigor em um ano.
O projeto de lei de idade mínima para mídias sociais coloca a Austrália como um caso de teste para um número crescente de governos que legislaram ou disseram que planejam aprovar uma restrição de idade para mídias sociais em meio à preocupação com o impacto na saúde mental dos jovens.
Países como França e alguns Estados dos Estados Unidos aprovaram leis para restringir o acesso de menores de idade a redes sociais sem a permissão dos pais, mas a proibição australiana é absoluta. Uma proibição total para menores de 14 anos na Flórida está sendo contestada no tribunal com base na liberdade de expressão. No Brasil, o Estado de São Paulo proibiu recentemente o uso de celulares em escolas por alunos.
A aprovação da lei após uma maratona no último dia do ano parlamentar australiano marca uma vitória política para o primeiro-ministro de centro-esquerda, Anthony Albanese, que tem estado em baixa em pesquisas de opinião. A proibição enfrentou a oposição de defensores da privacidade e de alguns grupos de defesa dos direitos das crianças, mas 77% da população a desejava, de acordo com as últimas pesquisas.
Tendo como pano de fundo uma investigação parlamentar até 2024 que ouviu depoimentos de pais de crianças que se automutilaram devido a provocações feitas por meio de redes sociais, a imprensa australiana liderada pela News Corp, de Rupert Murdoch, apoiou a proibição.
No entanto, a proibição pode prejudicar o relacionamento da Austrália com o principal aliado, os EUA, onde o proprietário da X, Elon Musk, uma figura central no governo do presidente eleito Donald Trump, disse este mês que o banimento parece ser uma "maneira de controlar o acesso à Internet por todos os australianos".
A medida também se baseia em um clima de antagonismo existente entre a Austrália e os gigantes da tecnologia dos EUA. A Austrália foi o primeiro país a fazer com que as plataformas de mídia social pagassem royalties aos veículos locais de mídia e agora planeja ameaçá-los com multas por não conseguirem eliminar os golpes disseminados por suas plataformas.
Um porta-voz da Meta, controladora do Facebook, afirmou que a empresa respeita a lei australiana, mas está "preocupada" com o processo, que "apressou a aprovação da legislação sem considerar adequadamente as evidências, o que o setor já faz para garantir experiências adequadas à idade e as vozes dos jovens".
As empresas de mídia social- incluindo o YouTubebe, que está isento por ser amplamente utilizada em escolas da Austrália - argumentaram que a legislação deveria ser adiada até depois dos testes de verificação de idade.
"É a carroça na frente dos bois", disse Sunita Bose, diretora administrativa do Digital Industry Group, que tem como membros a maioria das empresas de mídia social.
"Temos o projeto de lei, mas não temos orientação do governo australiano sobre quais são os métodos corretos que toda uma série de serviços sujeitos a essa lei precisará empregar", acrescentou Bose.
NAÇÃO DIVIDIDA
Alguns grupos de defesa dos jovens e acadêmicos advertiram que a proibição poderá excluir os jovens mais vulneráveis, inclusive os adolescentes LGBTQIA e migrantes, das redes de apoio. A Comissão Australiana de Direitos Humanos disse que a lei pode infringir os direitos humanos dos jovens ao interferir em sua capacidade de participar da sociedade.
Os defensores da privacidade, por sua vez, alertaram que a lei pode levar a uma maior coleta de dados pessoais, abrindo caminho para a vigilância estatal baseada na identificação digital. Uma alteração de última hora no projeto de lei especificou que as plataformas devem oferecer uma alternativa para que os usuários façam o upload de documentos de identificação.
"Isso é uma tentativa dos 'boomers' de dizer aos jovens como a internet deve funcionar para se sentirem melhor", disse Sarah Hanson-Young, senadora do partido de esquerda Greens, em uma sessão tardia do Senado, pouco antes de o projeto de lei ser aprovado por 34 votos a favor e 19 contra.
Mas os grupos de pais pressionaram por uma intervenção, aproveitando os comentários do cirurgião geral dos EUA, Vivek Murthy, que em 2023 disse que a mídia social estava piorando a crise de saúde mental dos jovens a ponto de ser necessário um alerta de saúde.
"Colocar um limite de idade e devolver o controle aos pais é um ponto de partida", disse o defensor australiano da luta contra o "bullying", Ali Halkic, cujo filho Allem, de 17 anos, se matou em 2009.
Enie Lam, estudante de uma escola de Sydney que recentemente completou 16 anos, disse que a mídia social contribuiu para problemas de imagem corporal e bullying, mas uma proibição total pode levar os jovens a partes menos visíveis e mais perigosas da Internet.
"Isso só criará uma geração de jovens que será mais esperta em contornar essas barreiras", disse ela à Reuters. "Isso não surtirá os efeitos desejados."
"Todos sabemos que as mídias sociais não são boas para nós, mas a proibição das mídias sociais geralmente é criticada por muitos jovens."