Com o avanço dos carros autônomos, cidades inteligentes, inteligência artificial (IA) e sensores, montadoras do mundo todo estão em uma corrida para fazer você parar de dirigir. Em alguns países como EUA, China e parte da Europa, essas tecnologias já estão disponíveis. No Brasil, no entanto, isso caminha em passos lentos.
Lá fora, nomes como Honda, Toyota, Tesla, Hyundai, Volvo, Waymo (uma parceria da Google com a Fiat Chrysler), BMW, Volkswagen, e outras já trabalham em ofertas de carros sem motorista.
A própria Uber já prometeu um condutor robô ainda para 2023. Em Los Angeles, já é quase possível solicitar um robôtáxi da Waymo, que já usa seus carros nas ruas das cidades norte-americanas de Phoenix e São Francisco desde o ano passado.
Os chineses começaram experimentar um carro sem motorista com a empresa de tecnologia Baidu, dona do aplicativo de mobilidade urbana Apollo Go, que oferece o serviço em caráter experimental de robotáxi em alguns dos principais centros urbanos do país, como Beijing, Xangai e Shenzhen.
Mas no Brasil, isso ainda precisa superar alguns problemas com legislação e infraestrutura, como afirmaram especialistas ouvidos por Byte.
Como funcionam os carros autônomos
Para funcionar eficientemente, o carro autônomo depende de cinco tecnologias fundamentais: câmeras, sensores (como LiDAR), GPS, IA e uma central de comando — o cérebro do carro.
Essas ferramentas trabalham para gerar respostas precisas que ajudam o carro a mudar de faixa. Na prática, elas reconhecem a presença e interpretam semáforos, pedestres, animais e evitam situações de perigo.
Os veículos autônomos e inteligentes chamam atenção justamente para isso: a possibilidade de evitar acidentes porque podem antecipar as vias. A Organização Mundial da Saúde estima que mais de 1,3 milhão de pessoas morrem todos os anos em acidentes de trânsito.
Os carros já fabricados trazem níveis de automação que ajudam a entender o estágio em que determinado automóvel se encontra no campo da direção autônoma. De acordo com a Administração Nacional de Segurança no Trânsito nas Rodovias (NHTSA), são seis níveis e em alguns deles, é necessário a intervenção humana:
Níveis da automação
Nível 0 – Sem automação: o veículo é dependente do ser humano, controlado de forma 100% manual;
Nível 1 – Assistência ao motorista: é o grau mais simples. Nele, o condutor pode contar com recursos como o Controle de Cruzeiro Adaptativo (ACC), ou piloto automático, e usá-lo como auxílio na direção;
Nível 2 – Semi-autônomo: o veículo controla o volante e os pedais sozinho e o carro pode rodar sem interferência humana por algus quilômetros. Nesse estágio, o motorista precisa ficar atento para agir em situações de risco. Esse nível é encontrado em carros da Tesla (Autopilot), bem como no Volvo XC60;
Nível 3 – Automação condicional: é uma extensão do nível 2. Nele, o carro consegue fazer detecção por sensores e tomar decisões sozinho. Ainda assim, o condutor precisa estar pronto para intervir em determinadas situações. Segundo o Centro de Experimentação e Segurança Viária (Cesvi Brasil), projetos da Uber e do Google estão nesta fase;
Nível 4 – Alta automação de direção: o veículo pode operar sozinho e tem capacidade para tomar decisões graças à inteligência artificial, mas também pode solicitar a ajuda do motorista em alguns casos.
Nível 5 – Automação plena: pode atuar sem interferência humana em ruas, avenidas e rodovias, além de tomar decisões e corrigir possíveis falhas. Nesta etapa, o veículo não precisa de volante e pedais, e o motorista pode fazer outras atividades dentro do carro.
Os brasileiros podem experimentar carros autônomos em nível 2. Nos EUA, por exemplo, a Mercedes-Benz obteve certificação SAE Nível 3, sendo a primeira empresa automotiva do mundo o obter o mérito.
Carro autônomo no Brasil: os desafios
Luiz Alexandre Castanha, CEO da consultoria e desenvolvimento de softwares NextGen Learning, acha que o Brasil ainda está engatinhando no que diz respeito aos carros autônomos.
"Atualmente, dos seis níveis existentes, onde o 1 é o mais básico como assistente de faixa e o 5 é o carro totalmente autônomo, o Brasil está no nível 2. Nesse patamar, temos o assistente de faixa e também o controle adaptativo de velocidade", contou a Byte.
Segundo João Hannud, Diretor Executivo da Cicloway, empresa que trabalha no desenvolvimento de elétricos, disse ao Byte que a evolução dos veículos autônomos no Brasil é dependente da evolução do marcado de veículos elétricos — que é cara.
No Brasil, por exemplo, o modelo sedã EQS é comercializado a partir de R$ 1,3 milhão. O Volvo XC90, vendido com nível 2 de automação no país, é avaliado em R$ 500 mil.
Como explicou Bruno Muniz, sócio-executivo da Gaudium, startup focada nos mercados de mobilidade e logística, outros questões que impedem carros autônomos circularem no país envolvem infraestrutura nas vias e regulamentações que garantam a segurança e confiança nos veículos.
"Esses fatores podem ter influência direta no processo [de implementação]. Além disso, o investimento em tecnologia também é um fator que deve ser considerado nos ve;iculos, não colocando em risco, por exemplo, a vida dos passageiros e de pedestres no trânsito", explicou Muniz.
Desde 2010, pesquisadores do Laboratório de Robótica Móvel da USP de São Carlos desenvolvem testes experimentais com modelos também dotados de sensores e softwares que permitem um controle autônomo do veículo no país.
Em 2019, o grupo conquistou um prêmio de US$ 17 mil em um desafio patrocinado por empresas que desenvolvem veículos autônomos. Mas desde então, pouco foi falado sobre mais pesquisas ou eventuais lançamentos comerciais do projeto.
Legislação é um problema
Existem ainda uma série de regulamentações necessárias para que carros autônomos possam circular nas ruas e estradas do país.
Debates do tipo, quando se trata de automação, sempre são levantados: por exemplo, quando o ser humano causar um acidente enquanto dirige um veículo, ele provavelmente irá responder a um processo judicial com todos os desdobramentos possíveis.
Agora, em um carro carro autônomo, em caso de acidente, quem será responsabilizado: o fabricante do veículo? O programador da inteligência artificial? Ou o dono do carro? Essas questões aida não têm resposta.
Segundo Muniz, o processo de liberação de carros autônomos em níveis mais avançados que o 2 ainda esbarra nessas questões sem respostas, no panorama atual brasileiro. No país, a legislação vigente ainda não autoriza que carros autônomos sem interferência do ser humano possam circular nas vias.
"Por isso ainda não existe uma lei definitiva sobre o caso. O país acompanha o desenvolvimento e adoção de outros países para que orientem as decisões e regulamentação no Brasil", disse o representante da Gaudium.
Já nos EUA, autoridades de trânsito já definiram que os carros autônomos não precisam de volante, mas devem garantir o mesmo nível de proteção aos passageiros comparados a um humano na direção.
No ano passado, um veículo Model S, carro elétrico da montadora americana Tesla, causou um acidente com oito automóveis em uma rodovia de San Francisco em 24 de novembro do ano passado. O motorista do carro disse que o veículo estava no piloto automático quando o carro começou a reduzir velocidade até fazer uma parada brusca.
Os veículos estão em fase de teste na empresa do bilionário Elon Musk e a tecnologia 100% autônoma busca aprovação de autoridades regulatórias, que ainda não decidiram se está pronta para uso massivo.
Para Hannud, a legislação deve ser clara sobre os responsáveis por possíveis acidentes. Hoje a lei prevê que o condutor do veículo ou o proprietário seja autuado em caso de acidentes.
Outras questões esbarram nas próprias leis atuais. No Brasil,o artigo 252 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) considera infração média “dirigir o veículo com apenas uma das mãos, exceto quando deva fazer sinais regulamentares de braço, mudar a marcha do veículo, ou acionar equipamentos e acessórios do veículo”, por exemplo.
Já o Art. 28 do CTB estabelece que “o condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo […]”.
O diretor da Cicloway afirma que o governo já deve olhar para a automação dos carros. "Se o governo se abrir às inovações como se abriu em relação às fintechs, proprocionando infraestrutura e desburocratização das regulamentamentos, estes serão fatores importates para que exista sucesso para que possamos contratar o serviço de locomoção com carros autônomos", disse Hannud.
Infraestrutura precisa melhorar
Um dos maiores desafios enfrentados pela indústria de tecnologia de carros sem motorista é como fazer com que os veículos sejam operados com eficiência e segurança em ambientes humanos complexos. Por exemplo, para haver veículos autônomos nas ruas, é necessário uma conectividade entre carros e sistemas instalados nas vias urbanas e até em semáforos.
As redes de comunicação Vehicle to Everything (V2X) e Cellular Vehicle to Everything (C-V2X), que recebem e emitem sinais para outros carros, celulares de pedestres e infraestrutura urbana, já estão disponíveis em alguns locais do mundo.
Os especialistas ouvidos por Byte disseram que no Brasil, as cidades devem ser operadas nas mesmas questões do veículo autônomo. "Os carros que são fabricados e vendidos no Brasil não têm essa conectividade", afirmou Hannud.
Algumas capitais já receberam a rede 5G de internet, algo que pode garantir mais conectividade e torná-las "mais inteligentes".
Ainda assim, Castanha cita que é fundamental ter uma infraestrutura de comunicação confiável. Segundo o CEO da NextGen Learning, não pode "haver pontos cegos de cobertura de conectividade", já que não são todas as áres que recebem a conexão.
Já Muniz afirma que a tecnologia do país ainda não está preparada para os níveis de operação de um Tesla, como nos EUA, por exemplo.
"O Brasil ainda segue em processo de desenvolvimento e maturidade da tecnologia veicular. A infraestrutura de comunicação e conectividade no país ainda não é tão avançada, se comparado a do Tesla", avaliou.
O que esperar do futuro
É bem certo que com o passar dos anos, a realidade dos carros autônomos será algo mais comum e acessível, não se restringindo apenas a veículos comerciais. Um estudo da consultoria inglesa Ernst & Young mostrou que os autônomos representarão 75% do total de automóveis vendidos no mundo em 2030.
No entanto, os especialistas apontam que para que isso de fato ocorra, é preciso que haja o investimento de tecnologia de ponta, segura e confidencial.
"Outro processo é o tempo que levará para que passageiros se sintam seguros com a possibilidade de confiar na tecnologia que substitui a ação humana na direção, disse Muniz.
Castanha avalia que apesar de estar esperançoso com os carros autônomos no país, "ainda falta tempo, disposição, economia e política para acelerar este tema".