Câmara tem pressa, mas quer aprofundar debate e negociar mudanças no projeto das fake news

9 jul 2020 - 17h39

A Câmara dos Deputados encara o polêmico projeto das fake news como pauta urgente, mas quer aprofundar o debate e a votação só ocorrerá após uma série de audiências, alterações no texto e negociações com os senadores, para facilitar o retorno à outra Casa do Congresso.

Plenário da Câmara dos Deputados
20/09/2017
REUTERS/Ueslei Marcelino
Plenário da Câmara dos Deputados 20/09/2017 REUTERS/Ueslei Marcelino
Foto: Reuters

A discussão do tema, que vem se desenhando para ocorrer em três etapas --conversas com os atores envolvidos, construção de um texto de consenso entre deputados e articulação com o Senado-- tem sido costurada entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e uma peça-chave no assunto, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).

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"A pretensão da Câmara é votar o texto sobre fake news o quanto antes, sem que isso impeça o aprofundamento do debate", disse à Reuters Orlando Silva, titular da Secretaria de Participação, Interação e Mídias Digitais, uma assessoria especial da Presidência da Câmara.

Segundo ele, a fase de audiências públicas deve levar cerca de duas semanas, e a partir daí, definida a relatoria, passa-se ao trabalho em cima do texto, a ser na sequência negociado com senadores. A matéria atualmente tramita na Câmara após ter sido aprovada no Senado no fim do mês passado.

"O texto que vai ser votado na Câmara, se tiver alteração, e é provável que tenha, volta ao Senado. Então nos interessa fazer uma negociação com o Senado para que o texto seja compartilhado entre as duas Casas", explicou Silva, acrescentando que o planejamento para discussão da proposta não está fechado e pode ser alterado.

Silva integra, ao lado de Felipe Rigoni (PSB-ES) e Tabata Amaral (PDT-SP), grupo criado antes mesmo da votação do projeto no Senado por Maia, que acompanha de perto o tema e em diversas ocasiões defendeu alguma forma de responsabilização de plataformas para reduzir a disseminação de notícias falsas.

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Agora, esse mesmo grupo já avalia pontos a serem alterados no texto encaminhado pelos senadores na última semana, cercado de controvérsias.

Se, de um lado, parlamentares, motivados pela notória rejeição popular às fake news, buscam alternativas para coibir atos criminosos e dar mais transparência à rede, a sociedade civil e representantes do setor alertam para o risco à segurança e à privacidade na internet, além das ameaças à liberdade de expressão.

Toda a discussão tem ainda, como pano de fundo, os impactos políticos das fake news justamente em um ano eleitoral. Até mesmo o presidente Jair Bolsonaro está relacionado à polêmica, tendo aliados próximos como alvos de inquérito sobre a disseminação de notícias falsas.

Bolsonaro já afirmou que deve submeter o texto das fake news a uma consulta popular antes da sanção, mas avisou que na forma como está será vetado, acrescentando ser a favor da liberdade de expressão.

Na quarta-feira, o Facebook suspendeu uma rede de contas que teria sido usada para espalhar mensagens políticas de desinformação por assessores do presidente e de dois de seus filhos.

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SEM CENSURA

Segundo Rigoni, o projeto tem três eixos: transparência e proteção de usuários, identificação dos mecanismos de disseminação de fake news --os robôs e as contas falsas-- e combate às organizações criminosas de produção em larga escala das notícias fraudulentas para ganhos econômicos ou políticos. Ele explica que cinco pontos mais sensíveis devem ser objeto de mudanças ou melhorias.

Deputados terão o cuidado, explica, de não impor qualquer restrição a conteúdos de postagens e mensagens, mas atacar estruturas organizadas de disseminação das fake news.

"Não é problema a pessoa ter uma leitura errada da realidade e postar um negócio falso", disse o parlamentar, acrescentando que a questão é "a coisa produzida em laboratório", muitas vezes com financiamento "milionário".

O deputado explica que há sugestões de alteração nesse eixo, seja nas leis que tratam de organização criminosa, de lavagem de dinheiro e até mesmo a possibilidade de criação de uma tipificação criminal.

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A iniciativa de aumentar a transparência está "madura" na Casa, mas há possibilidade de mudanças, afirma o parlamentar, principalmente em trecho que determina a identificação de contas a partir de denúncias. Para ele, o ideal é que isso ocorra diante de suspeita fundada ou decisão judicial, ou pode haver uma onda de identificação em massa, em desrespeito a regras de segurança e privacidade de usuários.

Segundo Rigoni, também haverá cautela no debate sobre a responsabilização das plataformas, que não deverão responder pelos conteúdos veiculados. Há ainda o direito de resposta, que da forma como está escrito, explica o parlamentar, também merece ajustes para se tornar viável.

CONSELHO DE TRANSPARÊNCIA

Outro ponto que deve sofrer mudanças diz respeito ao Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, figura criada no texto que terá, entre outras, a tarefa de certificar instituições de autorregulação a serem criadas por provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada.

De acordo com Rigoni, é necessário "despolitizar" o conselho, a ser formado por representantes de órgãos como a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), e o Congresso Nacional, além do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), integrantes do Comitê Gestor da Internet no Brasil, da sociedade civil, dos provedores de acesso, aplicações e conteúdo da internet e ainda dos setores de comunicação social e de telecomunicações.

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Tabata vai na mesma linha e explica que deve ser excluído artigo sobre a desabilitação de contas em aplicativos de mensagem privada com contratos de telefonia rescindidos.

"Esse é um ponto ao qual precisamos estar atentos, para não limitarmos o acesso das pessoas ao Whatsapp, por exemplo", explicou a deputada, apontando a necessidade do CPF para o cadastro de telefones pré-pagos em aplicativos de mensagens como passível de ser retirado do texto, de forma a garantir a inclusão digital de brasileiros.

"FOLLOW THE MONEY"

Os parlamentares do grupo também têm martelado na necessidade do chamado "follow the money" ("siga o dinheiro"). Defendem a adoção de medidas para rastrear o financiamento das fake news. Acreditam que focar na origem do dinheiro pegará em cheio as redes criminosas em eu ponto mais frágil.

A possibilidade de retroação para que sejam identificadas as origens de mensagens em massa também deve ser abordada, afirmou Tabata.

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"O projeto do Senado prevê que um número muito grande de dados sejam armazenados e isso pode comprometer a privacidade dos usuários", explica a deputada.

Ainda que o texto seja discutido em conjunto, sua relatoria ficará a cargo de um parlamentar, com a tarefa de produzir um parecer. Havia expectativa em torno de Orlando Silva assumir a função, mas Maia afirmou em coletiva na terça-feira que apesar de considerá-lo ideal para a tarefa, deve escolher outro integrante do grupo que ainda não tenha relatado projeto.

As maiores empresas de mídia social do planeta afirmaram em nota conjunta, quando o texto ainda estava em discussão no Senado que ele colocava em risco a privacidade e segurança dos usuários, além de aprofundar a exclusão digital.

(Edição de Alexandre Caverni; REUTERS PF)

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