Carro elétrico faz bem para o ambiente? Baterias trazem novo problema

Baterias de lítio também trazem problemas ambientais por trás de sua produção; seus materiais são raros, a produção é cara e gasta-se água

2 jan 2023 - 05h00
Além da alta eficiência, carro elétrico traz consigo custos de manutenção baixo e menos impostos
Além da alta eficiência, carro elétrico traz consigo custos de manutenção baixo e menos impostos
Foto: Divulgação/Rivian

Os carros elétricos podem contribuir para amenizar as mudanças climáticas do planeta ao trocarem o combustível fóssil pela energia limpa. Mas nem tudo é perfeito: as baterias de lítio também trazem problemas ambientais por trás de sua produção. 

Em comparação com o motor a combustão, o veículo elétrico reduz em aproximadamente 30% a emissão de dióxido de carbono (CO₂). Além da alta eficiência, traz consigo custos de manutenção baixo e menos impostos. Neste último ponto, os governos têm incentivado o uso deles com benefícios fiscais, como a medida de devolução do imposto na cidade de São Paulo

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Estes automóveis não liberam fumaça enquanto circulam — nem sequer possuem cano de escapamento — e são silenciosos, ou seja, não provocam poluição sonora. Têm ainda um custo por quilômetro rodado até dez vezes menor que os carros movidos a combustíveis fósseis.

Os males do lítio

Mas nem tudo são flores. Além de emitir carbono durante sua construção, as baterias de carros elétricos dependem do lítio, um elemento escasso na natureza que precisa ser extraído por meio de mineração. Para piorar, as fontes de lítio no mundo estão localizadas em regiões de conflitos, como o Congo, na África. 

Outro agravante na produção desse tipo de bateria é o consumo excessivo de água, outro recurso exíguo no planeta. Para extrair e refinar cada tonelada de lítio são necessários 2,1 milhões de litros do líquido – quantidade suficiente para produzir baterias para apenas cerca de 80 veículos elétricos.

Além disso, para separar o lítio da rocha em que está contido, são necessários produtos químicos altamente tóxicos — como carbonato de sódio, bases e ácidos. 

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“A liberação desses produtos químicos por lixiviação, derramamento ou emissões atmosféricas põe em perigo as comunidades próximas e o ecossistema”, alerta a pesquisadora Carolina Pineda Castro, do Laboratório de Estudos do Veículo Elétrico (Leve), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Além de emitir carbono na produção, baterias de carros elétricos dependem do lítio, um elemento escasso
Foto: Reprodução / freepik

A pesquisadora afirma que ainda é preciso enfrentar muitos desafios, para tornar sua cadeia produtiva menos complexa e mais barata. “A pandemia de covid-19 e a guerra da Rússia contra a Ucrânia afetaram o preço das baterias, que vinha caindo”, conta. “Isso porque o valor de metais como cobalto, lítio e níquel aumentou, deixando sérias preocupações sobre a cadeia de suprimentos.”

De acordo com estimativas da Benchmark Minerall Intelligence, uma agência de relatórios de preços com sede em Londres e fornecedora de informações especializadas para a cadeia de suprimentos de baterias de íon de lítio, desde janeiro de 2020 o preço desse mineral teve um aumento de 900%, o que pode interferir no futuro dos automóveis de propulsão elétrica.

Conforme análises de mercado, esse reajuste – que ocorreu em pouco mais de dois anos – se deve justamente à maior procura por carros desse tipo no mercado mundial. 

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Calma: bateria de lítio não é inútil

Para Júlio César Passos, chefe do departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), conciliar a necessidade de se fabricar as baterias de lítio com a preservação do ambiente é outro grande desafio para o futuro.

“Energia limpa é apenas um eufemismo, pois a ‘limpeza’ se refere àqueles lugares beneficiados por essas tecnologias modernas, que serão usufruídas pelos países mais abastados", diz. “Mas é claro que há vantagens. Certamente, teremos cidades mais limpas, com um menor número de pessoas sofrendo por causa da poluição.”

Na visão do engenheiro elétrico Thales Alexandre Carvalho Maia, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a eletrificação da frota é uma solução factível para garantir desenvolvimento sustentável e reduzir poluentes, principalmente nas maiores cidades do país, como São Paulo.

“Em grandes metrópoles, como Xangai, na China, que já eletrificou grande parte da sua frota, percebe-se que muito em breve vai acontecer uma melhora do ar”, prevê. 

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Argentina e Chile têm maiores reservas de lítio na América do Sul; material é usado na bateria do carro elétrico
Foto: Nissan / Divulgação

Temdência ainda é de alta

A chegada dos carros elétricos ao mercado pelo menos tem rendido lucros. O aumento na procura por estes veículos é tanto que, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), em 2020 já tinham mais de 10 milhões de carros elétricos com bateria nas ruas. Estima-se que até 2030 serão 140 milhões rodando ao redor de todo o mundo.

Há obstáculos para se chegar a isso, no entanto. Atualmente, as maiores reservas de lítio usado para construir as peças estão na América do Sul, especialmente no chamado triângulo do lítio (Argentina, Chile e Bolívia). Destes países, o Chile é o que mais avançou em sua extração e exportação, posicionando-se como o segundo produtor mundial com 22%, seguido pela Austrália (18,8%) e China (17,1%).

No caso da Argentina, a nação produz 7,6% do total mundial e é o segundo exportador de carbonato de lítio (14%) depois do Chile (58%). A Bolívia, apesar de possuir as maiores reservas desse recurso, ainda se encontra em fase exploratória de produção. 

O uso do lítio nos últimos anos gera tensão entre os atores estatais, empresas e comunidades. "O principal conflito que surge no triângulo do lítio é a vinculação que existe entre os métodos de uso intensivo de água para a sua extração e a diminuição desse recurso em toda a região do deserto andino. Ele é necessário para uso doméstico e para atividades cotidianas da população", destaca Castro.

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(Mais) sucata à vista? 

Existe ainda outro problema. Se a previsão dos 140 milhões de carros elétricos se confirmar para 2030, será preciso resolver o que fazer com as 11 milhões de toneladas de baterias que deverão ser sucateadas a cada ano.

Para Natasha Esteves Batista, doutoranda em Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade de Cádiz (UCA), na Espanha, as principais formas de contornar esse obstáculo são a redução do uso de metais escassos e a reciclagem das baterias. Essas medidas fariam com que os elementos mais raros possam ser reutilizados com maior eficiência.

“Já é esperado que as baterias que estão em funcionamento hoje sejam recicladas ao final de sua vida útil”, explica. 

Outras tendências apontam para novas tecnologias e tipos, como as de lítio metálico, de estado sólido (SSB), de lítio-enxofre (Li-S), de lítio-ar (Li-Ar), baterias de íon sódio (Na -íon) e lítio-manganês-ferro-fosfato. “Mas hoje a maior preocupação é tentar fazer com que as baterias tenham uma cadeia produtiva mais sustentável”, reitera Castro.

“A União Europeia tem-se destacado pelas suas iniciativas de promoção de uma cadeia de valor sustentável e responsável, como a Global Battery Alliance (GBA) e o Strategic Action Plan on Batteries. Essas iniciativas tornam-se importantes para estabelecer metas de reciclagem de baterias de íon-lítio, para o melhor uso de recursos e para incentivar a economia circular", reforça a pesquisadora.

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Embora o futuro ainda seja nebuloso, Maia é otimista. “Os próximos anos serão de muitas novidades na área”, acredita. “Ao meu ver a solução ideal seria a utilização de modelos híbridos. Mas cada pesquisador tem sua visão, e essa discussão é muito saudável, pois faz com que existam diversas frentes avançando, várias tecnologias competindo, e a que sobreviver provavelmente vai ser a melhor solução."

Fonte: Redação Byte
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