A ciência por trás da intuição - e como ela pode nos ajudar a tomar decisões

A intuição caiu em desuso em uma era do pensamento racional e analítico, mas suas respostas emocionais não são tão falhas como se pensava, diz a neurocientista Valerie Van Mulukom.

6 ago 2018 - 13h40
(atualizado em 7/8/2018 às 12h05)
Às vezes é importante confiar na intuição, embora ela seja desvalorizada
Às vezes é importante confiar na intuição, embora ela seja desvalorizada
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Imagine o diretor de uma grande empresa anunciando uma importante decisão e justificando-a com base na intuição. Isso seria visto com incredulidade. Não é óbvio que decisões importantes devem ser pensadas cuidadosa, deliberada e racionalmente?

De fato, confiar na intuição geralmente traz má reputação, especialmente no mundo ocidental, onde o pensamento analítico tem sido constantemente promovido nas últimas décadas. Gradualmente, muitos passaram a pensar que os seres humanos progrediram do ato de confiar no pensamento primitivo, mágico e religioso para se fiar na lógica analítica e científica. Como resultado, as emoções e a intuição são vistas como falhas, até excêntricas.

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No entanto, essa atitude se baseia no mito do progresso cognitivo. As emoções não são respostas assim tão burras que sempre precisam ser ignoradas ou até corrigidas pela aptidão racional. Elas são avaliações do que você acabou de vivenciar ou pensar sobre - nesse sentido, elas são também uma forma de processamento de informação.

A intuição ou o instinto também são o resultado de vários processamentos que ocorrem no cérebro. Pesquisas sugerem que o cérebro é uma grande máquina de previsões, constantemente comparando a informação sensorial e as experiências atuais com o conhecimento depositado e as memórias de experiências passadas. Cientistas chamam isso de "estrutura de processamento preditivo".

Isso assegura que o cérebro está sempre preparado para lidar com as situações da melhor forma possível. Quando há uma incompatibilidade (algo que não foi previsto), seu cérebro atualiza o modelo cognitivo.

Essa compatibilidade entre os modelos anteriores (com base em experiências passadas) e experiências atuais acontece automática e subconscientemente. As intuições ocorrem quando seu cérebro estabelece combinações e incompatibilidades (entre o modelo cognitivo e a experiência atual), mas isso ainda não chegou ao não chegou ao nível da consciência.

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O pensamento analítico é visto como mais lento, lógico e rigoroso
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Por exemplo, você pode estar dirigindo por uma rodovia no escuro ouvindo alguma música, quando de repente você tem a intuição de dirigir mais perto da faixa que divide a pista. Continuando na direção, você percebe que evitou um enorme buraco que poderia ter causado grande dano ao carro. Você fica feliz por ter confiado no seu instinto mesmo que não saiba de onde ele veio. Na realidade, o carro que está longe na sua frente fez um desvio parecido (pois nele estavam pessoas locais que conhecem a estrada), e você percebeu o movimento mesmo que não conscientemente.

Quando você tem muita experiência em uma área específica, seu cérebro tem mais informação para combinar as experiências atuais com as do passado. Isso torna a intuição mais confiável. E significa que, assim como a criatividade, sua intuição pode melhorar com a experiência.

Diferenças entre análise e intuição

Na literatura psicológica, a intuição geralmente é explicada como um ou dois modos de pensar, junto ao raciocínio analítico. O pensamento intuitivo é descrito como automático, rápido e subconsciente. Por outro lado, o pensamento analítico é lento, lógico, consciente e deliberado.

Muitos explicam a divisão entre o pensamento analítico e o intuitivo como dois tipos de processamento (ou "estilos de pensamento") opostos, trabalhando como uma gangorra. Entretanto, uma recente meta-análise - uma pesquisa na qual o impacto de um grupo de estudos é medido - mostrou que o pensamento analítico e o intuitivo não são correlatos e podem ocorrer ao mesmo tempo.

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Assim, embora seja verdade que um estilo de pensamento provavelmente pareça dominante sobre o outro em qualquer situação - em particular o pensamento analítico -, a natureza subconsciente do pensamento intuitivo torna difícil determinar exatamente quando ele ocorre, já que muita coisa acontece sob o guarda-chuva da nossa consciência.

Provavelmente fazemos algumas coisas - como desviar o carro para evitar um buraco - porque nosso subconsciente notou a ação de outras pessoas
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

De fato, os dois estilos de pensamento são na realidade complementares e podem funcionar como em um concerto - com frequência empregamos ambos simultaneamente. Até pesquisas pioneiras podem começar como um pensamento intuitivo que leva cientistas a formular ideias e hipóteses inovadoras, e depois elas seriam ou não validadas por rigorosos testes e análises.

Além disso, enquanto a intuição é vista como desleixada e imprecisa, o pensamento analítico pode também ser prejudicial. Estudos mostram que pensar demais sobre algo pode prejudicar seriamente o processo de tomada de decisão.

Em outros casos, o pensamento analítico pode consistir simplesmente em justificativas tomadas após um evento ou racionalizações de decisões baseadas no pensamento intuitivo. Isso ocorre por exemplo quando temos que explicar nossas decisões sobre dilemas morais. Esse efeito levou algumas pessoas a se referirem ao pensamento analítico como um "secretário de imprensa" ou "advogado interior" da intuição. Muitas vezes, não sabemos por que tomamos decisões, mas ainda assim queremos ter motivos para essas escolhas.

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As falhas da intuição

Então será que deveríamos nos basear apenas na intuição, já que ela ajuda nossa tomada de decisão? É complicado. A intuição se baseia em um processamento evolutivamente mais antigo, automático e rápido, é vítima da desorientação, como de tendências cognitivas. Esses são erros sistemáticos do pensamento, que podem ocorrer automaticamente. Apesar disso, familiarizar-se com um viés cognitivo comum pode ajudar a identificá-lo em ocasiões futuras.

Da mesma forma, como o processamento rápido é antigo, ele pode estar um pouco desatualizado. Considere, por exemplo, um prato de donuts. Mesmo que você se sinta compelido a comer todos de uma vez, é improvável que precise dessa quantidade enorme de açúcar e gordura. Entretanto, na época dos "caçadores-coletores", estocar energia era um instinto sábio.

Você pode querer os donuts, mas provavelmente não precisa deles - um exemplo de como pode ser difícil de resistir ao pensamento emocional
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Por isso, para cada caso que envolve uma decisão baseada na sua avaliação, considere se sua intuição mensurou a situação. Trata-se de uma situação evolutiva antiga ou nova? Ela envolve inclinações cognitivas? Você tem experiência ou expertise nesse tipo de situação? Se for evolutivamente antiga e envolver tendências cognitivas e se você não tiver experiência nela, então é melhor confiar no pensamento analítico. Do contrário, sinta-se livre para usar seu pensamento intuitivo.

Está na hora de parar a caça às bruxas da intuição e enxergá-la pelo que ela é: um estilo de processamento rápido, automático e subconsciente que pode nos dar informações muito úteis que a deliberação analítica não pode. Precisamos aceitar que o pensamento analítico e o intuitivo deveriam ocorrer concomitantemente e ser pesados um contra o outro em decisões difíceis.

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