A extinção em massa que mostra o que acontece quando o El Niño sai de controle

A extinção em massa do Permiano-Triássico, como é conhecida, foi a maior das "cinco grandes" extinções em massa na história da Terra.

17 set 2024 - 18h47
El Niño ilustrado no globo terrestre.
El Niño ilustrado no globo terrestre.
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Há cerca de 252 milhões de anos, o mundo subitamente esquentou. Em um período geologicamente breve de dezenas de milhares de anos, 90% das espécies foram dizimadas.

Até mesmo os insetos, que raramente são afetados por tais eventos, sofreram perdas catastróficas.

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A extinção em massa do Permiano-Triássico, como é conhecida, foi a maior das "cinco grandes" extinções em massa na história da Terra.

Os cientistas geralmente atribuíam a extinção em massa aos gases de efeito estufa liberados por uma vasta rede de vulcões que cobriram grande parte da Sibéria moderna em lava. Mas a explicação vulcânica era incompleta.

Em nosso novo estudo, mostramos que um fenômeno climático El Niño de grandes proporções no maior oceano do mundo contribuiu para o caos climático — e levou a extinções que se espalharam pelo globo.

É fácil ver por que culparam os vulcões. O início da extinção coincide quase perfeitamente com o início da segunda fase do vulcanismo na região das chamadas províncias magmáticas siberianas.

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Isso levou à chuva ácida, à perda de oxigênio dos oceanos e, principalmente, a temperaturas além dos níveis de tolerância de quase todos os organismos. Foi o maior episódio de aquecimento global nos últimos 500 milhões de anos.

Infográfico mostra condições do oceano para o fenômeno El Niño.
Foto: BBC News Brasil

Mas ainda havia questões em aberto para os defensores deste cenário de extinção aparentemente simples: quando os trópicos ficaram muito quentes, por que as espécies não migraram para latitudes mais frias e altas (como está acontecendo hoje)? Se o aquecimento foi repentino e rápido, por que as espécies terrestres morreram dezenas de milhares de anos antes das espécies no mar?

Também houve muitos casos de erupções vulcânicas de dimensão semelhante e até mesmo outros episódios de aquecimento rápido, mas por que nenhum deles causou uma extinção em massa igualmente catastrófica?

Nosso novo estudo revela que os oceanos se aqueceram rapidamente em todas as latitudes baixas e médias do mundo.

Normalmente, eles ficam mais frios à medida que você se afasta dos trópicos, mas não desta vez. Simplesmente ficou quente demais para a vida em muitos lugares.

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Um mundo propenso a extremos

Usando um programa de computador de última geração, conseguimos simular como era o clima e as condições meteorológicas há 252 milhões de anos. Descobrimos que, mesmo antes do rápido aquecimento, o mundo era propenso a extremos de temperatura e precipitação.

Isso é uma consequência de todas as terras estarem formando, na época, um supercontinente enorme, Pangeia. Isso significa que os climas que vemos hoje no centro dos continentes — secos, com verões quentes e invernos congelantes — foram ampliados.

Pangeia era cercada por um vasto oceano, Pantalassa, cuja superfície oscilava entre períodos quentes e frios ao longo dos anos, muito parecido com o fenômeno El Niño no Pacífico hoje.

No entanto, uma vez que o vulcanismo em massa da Sibéria começou, e o dióxido de carbono na atmosfera aumentou, estes El Niños pré-históricos se tornaram mais intensos e duraram mais tempo, graças ao fato de o oceano Pantalassa ser maior e poder armazenar mais calor.

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Há 252 milhões de anos, havia apenas um supercontinente: Pangeia
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Estes El Niños tiveram um impacto profundo na vida terrestre, e deram início a uma sequência de eventos que tornaram o clima cada vez mais extremo. As temperaturas ficaram mais altas, especialmente nos trópicos, e grandes secas e incêndios causaram a extinção das florestas tropicais.

Isso, por sua vez, foi uma má notícia para o clima, uma vez que menos carbono era armazenado pelas árvores, permitindo que mais carbono permanecesse na atmosfera, levando a um maior aquecimento e a El Niños ainda mais fortes e mais longos.

Estes El Niños mais fortes fizeram com que as temperaturas extremas e as secas fossem levadas para fora dos trópicos em direção aos polos, e mais vegetação morreu, e mais carbono foi liberado.

Ao longo de dezenas de milhares de anos, as temperaturas extremas se espalharam por grande parte da superfície do planeta. Por fim, o aquecimento começou a prejudicar a vida nos oceanos, principalmente os organismos minúsculos na base da cadeia alimentar.

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Durante o auge da crise, em um mundo que já estava se aquecendo graças aos gases vulcânicos, um El Niño aumentaria as temperaturas médias em mais 4°C. Isso é mais de três vezes o aquecimento total que causamos nos últimos séculos. Naquela época, o clima afetado pelo El Niño teria registrado regularmente picos de temperaturas diurnas de 60°C ou mais em terra.

O futuro do El Niño

Infográfico mostra a temperatura do oceano em 2023 em comparação com 1951-1980.
Foto: BBC News Brasil

Nos últimos anos, os El Niños causaram grandes mudanças nos padrões de precipitação e temperatura, ao redor do Pacífico e até mesmo mais além. Um El Niño forte foi um fator que levou a temperaturas recordes em 2023 e 2024.

Felizmente, esses eventos geralmente duram apenas alguns anos. No entanto, além do aquecimento causado pelo ser humano, até mesmo esses El Niños de menor escala dos dias atuais podem ser suficientes para levar ecossistemas frágeis além de seus limites.

A previsão é de que o El Niño se torne mais variável à medida que o clima muda, embora devamos observar que os oceanos ainda não responderam totalmente às taxas de aquecimento atuais. No momento, ninguém está prevendo outra extinção em massa na dimensão da que ocorreu há 252 milhões de anos, mas este evento oferece um retrato preocupante do que acontece quando o El Niño sai de controle.

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* Alex Farnsworth é pesquisador de meteorologia na Universidade de Bristol, no Reino Unido.

David Bond é cientista paleoambiental na Universidade de Hull, no Reino Unido.

Paul Wignall é professor de paleoambiente na Universidade de Leeds, no Reino Unido.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).

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