A radical teoria pós-quântica, que tenta responder o que Einstein não conseguiu

A Física moderna é baseada em dois pilares: a física quântica e a teoria da relatividade geral. O problema é que ambos são incompatíveis.

21 dez 2024 - 11h52
'A última palavra ainda não foi dita', disse Einstein sobre uma das maiores questões da Física moderna
'A última palavra ainda não foi dita', disse Einstein sobre uma das maiores questões da Física moderna
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Uma nova moda surgiu na Física", queixou-se Albert Einstein no início da década de 1930.

Essa "moda" era nada menos que a física ou a mecânica quântica. A sua mera existência colocou em perigo a teoria da relatividade geral, a maior criação de Einstein, publicada em 1915.

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"Se isso tudo for verdade, então significa o fim da Física", chegou a dizer o famoso cientista.

O ponto aqui é que a física quântica e a relatividade geral são incompatíveis.

Quase 100 anos se passaram e nenhuma das duas teorias cancelou a outra. Na verdade, ambas formam os pilares de todos os avanços da Física moderna.

A física quântica provou repetidamente ser a melhor explicação do comportamento das menores partículas do universo, como elétrons, glúons e quarks que constituem os átomos.

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Por sua vez, a relatividade geral, que é a moderna teoria da gravidade, provou ser a melhor descrição de tudo o que acontece em grande escala, desde o funcionamento do Sistema Solar e dos buracos negros até a origem do universo.

No entanto, elas permanecem contraditórias entre si. Ou seja, as regras da relatividade geral funcionam perfeitamente para as galáxias, bem como para tudo o que nos rodeia e é visível: uma árvore, um gato, uma pérola...

Porém, assim que analisamos o comportamento de algo tão pequeno como um átomo, tudo muda.

Os pesquisadores não conseguem nem usar a mesma Matemática para explicar uma teoria e outra.

De alguma forma, a natureza consegue fazer com que os dois sistemas coexistam — mas a Ciência ainda não fez o mesmo.

Para muitos, esta incompatibilidade é a maior questão sem resposta da Física.

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Há mais de 100 anos vivemos num universo cujas bases foram estudadas e definidas por Einstein
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Einstein e milhares de outros pesquisadores em todo o mundo procuraram criar uma teoria que unisse a física quântica e a relatividade geral.

É o que muitos chamam de "teoria de tudo", um nome tão atraente que virou título do premiado filme biográfico de Stephen Hawking, um dos renomados cientistas que tentaram — também sem sucesso — encontrar o "Santo Graal" da Física.

Agora, uma nova teoria propõe uma virada radical nesta charada secular.

Seu nome, porém, é menos mercadológico: ela é chamada de teoria pós-quântica da gravidade clássica e é liderada pelo físico Jonathan Oppenheim, do Instituto de Ciência e Tecnologia Quântica da Universidade College London (UCL), no Reino Unido.

Trata-se de algo tão revolucionário que mesmo alguns dos seus detratores reconhecem que essa é a primeira abordagem verdadeiramente original a surgir em pelo menos uma década.

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A quarta força fundamental

Embora possa parecer contraditório, um dos aspectos mais inovadores da teoria de Oppenheim é o termo "clássico" em seu nome.

Até agora, a abordagem predominante para resolver a incompatibilidade entre a física quântica e a relatividade geral envolve modificar o último sistema para ajustá-lo ao primeiro.

É o que os físicos chamam de "quantização", porque no final ela se converte numa teoria quântica.

"Quantizar" a relatividade geral faz ainda mais sentido se pensarmos que é algo que os cientistas já conseguiram fazer com as outras três forças fundamentais que governam o universo: a força nuclear fraca, a força nuclear forte e a força eletromagnética.

Mas eles simplesmente não conseguiram fazer o mesmo com a gravidade — e não foi por falta de tentativa.

"É um problema matemático muito difícil", contextualiza Oppenheim à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

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"Mas também é conceitualmente complicado, porque essas duas teorias têm diferenças tão fundamentais que é muito difícil conciliá-las."

Ele explica: "Quase todas as tentativas assumiram que devemos 'quantizar' a gravidade. A minha sensação sobre a razão pela qual essa tarefa tem sido tão difícil é que talvez não seja possível e que apontamos para a coisa errada."

Por isso, o pesquisador e a equipe dele decidiram mudar o foco e "modificar um pouco, ou muito, a teoria quântica, para que esses dois sistemas possam se encaixar".

Jonathan Oppenheim (à esquerda) e parte da equipe da UCL que trabalhou na teoria pós-quântica da gravidade clássica
Foto: Jonathan Oppenheim/UCL / BBC News Brasil

Na nova teoria, publicada em dezembro de 2023 nas revistas Nature Communications e Physical Review X, a relatividade geral continua a ser uma teoria não quântica, ou clássica.

A física Sabine Hossenfelder, do Centro de Filosofia Matemática de Munique, na Alemanha, que não fez parte da pesquisa da UCL, diz à BBC News Mundo que a ideia de Oppenheim "é muito legal".

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"É muito raro neste campo ver nascer uma nova ideia", observa a especialista.

Hossenfelder fez parte de um comitê que revisou a teoria há seis anos e, embora a achasse interessante, considerou que ela era "muito especulativa, imatura e vaga".

"Tinha tantas pontas soltas que parecia que poderia falhar completamente, por isso fiquei muito impressionada quando vi o que saiu vários anos depois, porque abordava quase todos esses pontos levantados", diz ela, que esclarece com um sorriso "sempre ter algo a comentar e a observar".

Dois conceitos básicos e um 'inaceitável'

Antes de seguir a explicação sobre a teoria de Oppenheim, é importante compreender o conceito básico da relatividade geral e uma das características da física quântica que mais perturbou Einstein.

O que Einstein fez para revolucionar a Ciência em 1915 foi definir a gravidade como "uma deformação do espaço-tempo".

A maneira mais fácil de compreender esse conceito é pensar em um trampolim onde colocamos uma bola pesada — por exemplo, uma bola de bilhar.

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Quando uma coisa dessas acontece, o tecido afunda no local onde a bola está.

Agora, imagine jogar nesse mesmo trampolim uma bola mais leve (uma bola de gude), e tentar fazê-la girar na borda da curvatura do tecido relacionada ao peso da bola mais pesada.

O que acontece é que a bola de gude vai se mover em círculos cada vez menores, aproximando-se da bola de bilhar.

Segundo a teoria da relatividade geral, isso não acontece porque a bola de bilhar exerce sobre a bola de gude uma força de atração invisível, mas porque o formato do tecido — ou melhor, a sua deformação — a obriga a fazer essa curvatura.

Na teoria de Einstein, o espaço-tempo faz a mesma coisa de forma quadridimensional — de modo que a Terra gire em torno do Sol, por exemplo.

O tecido (quadriculado branco na ilustração), que representa o espaço-tempo, deformado por uma bola (em amarelo), que faz alusão a uma estrela como o Sol
Foto: BBC News Brasil
Uma bola de menor massa (em verde) acompanha a curvatura do tecido quadriculado causada pela maior (em amarelo), como acontece com a Terra em relação ao Sol
Foto: BBC News Brasil

Oppenheim explica que, na teoria pós-quântica da gravidade clássica "o espaço-tempo se mantém como aquele tecido em que vivem as partículas quânticas, tal como Einstein concebeu".

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O que muda é que o espaço-tempo incorpora o acaso da física quântica, característica que deu origem a uma das frases mais famosas de Einstein: "Deus não joga dados."

Einstein acreditava que faltava informação na "moda" da física quântica, mas o que décadas de estudos têm mostrado é que a aleatoriedade não se deve a um erro na teoria ou a uma falha nas medições, mas a uma característica inerente ao comportamento das partículas fundamentais.

Oppenheim e sua equipe unem a física quântica e a relatividade geral, tornando o espaço-tempo também inerentemente aleatório.

"Ainda temos essa aleatoriedade na teoria quântica, mas ela é mediada pelo próprio espaço-tempo", explica o físico.

Em outras palavras, o próprio tecido começa a apresentar oscilações aleatórias.

Isto é algo "inaceitável" para muitos dos seus colegas — e é provável que Einstein também pensasse o mesmo.

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"A estrutura aleatória do espaço-tempo é o que, em certo sentido, lança os dados na teoria quântica", compara Oppenheim, parafraseando Einstein.

'Ganha-ganha'

"Cada vez que você propõe uma nova teoria, é preciso fazer uma série de verificações para ver se ela é consistente com as observações", explica Oppenheim.

"E é emocionante que esta teoria faz previsões que podem ser testadas experimentalmente."

"Ao levar em conta que esta teoria exige que o espaço-tempo tenha flutuações, podemos busca-las", acrescenta ele.

Para isso, os pesquisadores propõem medir o peso de uma massa com extrema precisão e verificar se ela é constante ou se apresenta certas oscilações.

Por exemplo, o Escritório Internacional de Pesos e Medidas, localizado na França, pesa rotineiramente um objeto que foi usado para criar o padrão mundial do que é hoje considerado exatamente um quilo.

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Ao utilizar novas tecnologias de medição quântica, de acordo com a teoria pós-quântica da gravidade clássica, o peso do referido objeto deixaria de ser um quilo e se tornaria imprevisível.

"Se encontrarmos as flutuações, provaremos que a teoria é verdadeira e, se não as encontrarmos, conseguiremos refutá-la", diz Oppenheim.

"Isso é particularmente emocionante", confessa ele.

Mas há ainda mais coisas a descobrir.

O que Einstein pensaria se a sua teoria da relatividade geral incorporasse aum elemento de aleatoriedade?
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Oppenheim entende que a nova teoria poderia responder a outra das grandes incógnitas da Física moderna: o que são a matéria escura e a energia escura.

Para entender a importância disso, é primeiro antes saber o que esses conceitos são (e não são).

Todos os planetas, estrelas e objetos cósmicos visíveis são feitos da chamada matéria normal. Juntos, eles representam cerca de 5% do universo.

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Os 95% restantes ainda são um mistério — e por isso são chamados de matéria escura e energia escura.

Se nos estudos para verificar a nova teoria, as flutuações forem suficientemente intensas, elas "seriam candidatas muito fortes para o que pensamos ser matéria escura e energia escura", segundo Oppenheim.

"Isso explicaria 95% da evolução do Universo, o que representaria um grande impacto", complementa o pesquisador.

Por sua vez, Hossenfelder destaca que a equipe da UCL desenvolveu uma Matemática completamente nova para esta teoria e afirma que a mera existência desses trabalhos pode ser útil para outros fins.

Em suma, a história da Ciência está repleta de pesquisas que tiveram aplicações inesperadas.

O próprio Einstein, aliás, acendeu a centelha que levou à física quântica — a qual ele renunciou até o fim da vida.

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"Se houvesse algo que pudesse confirmar que estas previsões são verdadeiras, isso seria muito interessante e certamente atrairia diversas pessoas para observá-las mais de perto", considera Hossenfelder.

Mas a teoria só foi publicada há um ano — e derrubar décadas de consenso científico baseados nos estudos encabeçados por Einstein não será fácil.

Hossenfelder é cética sobre a nova teoria — algo que, na opinião dela, a coloca numa posição de "ganha-ganha".

A cientista ganha se estiver certa no ceticismo dela. Mas também ganha se estiver errada, porque isso significaria que ela — e todos nós — testemunhamos em vida o nascimento de uma nova revolução da Física.

*Com reportagem de Max Seitz.

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