Professora: sociedade protege beagle, mas não considera rato e barata

28 out 2013 - 15h16
(atualizado às 15h16)
Ativista carrega beagle nos braços
Ativista carrega beagle nos braços
Foto: Facebook / Reprodução

O resgate de cães da raça beagle que eram usados em pesquisas no Instituto Royal, na cidade de São Roque, levantou a discussão sobre o uso de animais em pesquisas científicas. Para especialistas, a sociedade termina por defender espécies mais “bonitinhas“, como os beagles, sem se importar que ratos e baratas, mortos de forma indiferente cotidianamente, também são animais. Além disso, o uso de seres vivos nos estudos são considerados imprescindíveis para os avanços na busca por medicamentos, e ainda não existem alternativas que os substituam completamente, além de algumas alternativas ainda serem muito caras, apesar da própria comunidade acadêmica pressionar pela busca de substitutos. 

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De acordo com a professora que coordena o laboratório de Análise Biocomportamental da Universidade de São Paulo (USP), psicóloga Maria Helena Hunziker, do ponto de vista científico, uma bactéria ou uma barata são tão animais quanto um “cão, um macaco ou um ser humano”. “Quando falamos em animais em pesquisas, geralmente estamos nos referindo a aqueles que nos são mais próximos culturalmente, tais como cães e gatos e macacos”, diz, citando que a sociedade extermina ratos e baratas sem sentimento de culpa ou ojeriza.

“Não conheço ninguém que se recuse a tomar um antibiótico em função da defesa das bactérias, embora elas sejam, igualmente, seres vivos. Na verdade, a preocupação popular com o uso de animais em pesquisa é, com raras exceções, voltada para os animais 'bonitinhos' (tais como os lindos beagles do Instituto Royal) . Mas ser animal não é ser 'bonitinho'. Do meu ponto de vista, entendo que todo e qualquer animal merece ter o máximo de conforto e bem-estar, desde que isso não prejudique a mim ou  a outros da minha espécie. Nesse sentido, somos todos ‘corporativistas’ enquanto espécie, e por isso tentamos, por exemplo,  eliminar ratos e baratas das nossas casas e cidades... nos colocamos como ‘superiores’ em relação a  outras espécies”, afirma por e-mail a pesquisadora, que defende o uso animais, desde que não existam alternativas que permitam a substituição.

Você sabia: Por que os beagles são usados em pesquisas de medicamentos?

O uso de animais em pesquisas científicas é algo regulamentado por leis e agências reguladoras, apesar de haver certa confusão em relação a quem deve efetivamente fiscalizar isso. Mas existem alternativas substitutivas para pele e carne humana, por exemplo, além de outros casos. Mas esse avanço esbarra na dificuldade do preço desses equipamentos e softwares.

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“(O custo) é uma das coisas que tem atrasado essa questão. Mas temos evoluído muito aqui no Brasil”, diz o diretor do escritório de Ética da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Ricardo Timm de Souza. ”Os mais sofisticados ainda são bastante caros, e isso impede que se possa disseminar esses modelos alternativos na parte da pesquisa” afirma, reconhecendo que para medicamentos, “ainda não existem no mundo modelos suficientemente fiéis que substituam completamente os animais”.

Maria Helena coloca que parece simples dizer apenas que animais não devem ser utilizados em pesquisas, sem levar em as consequências, como a paralização dos avanços científicos em busca da cura de diversas doenças como câncer, Alzheimer, degeneração neurológica e aids, por exemplo. Caso “se decida pelo não uso de animais em pesquisa daqui para frente. Mas isso deve ser feito assumindo-se que essas doenças continuarão sem cura. Nesse caso, não teremos também fabricação de vacinas, retornando doenças há muito erradicadas, não apenas em humanos (pólio, etc), com em animais (tais como a raiva e  a cinomose em cães). Queremos isso?”, indaga.

“Se a opção for testar em seres humanos, como já ouvi ser proposto por alguns militantes de movimentos em defesa dos animais, quem seriam essas pessoas? Os militantes e seus familiares? Seguramente eles não aceitariam isso. Seguramente eles não aceitariam isso. Então, como lamentavelmente já aconteceu, seriam feitos os testes em cidadãos de países ou grupos sociais de baixo poder econômico? Isso sim é uma injustiça, algo a ser evitada a todo custo. A verdade é que escolhas precisam ser feitas, e a escolha que tem sido considerada eticamente mais aceitável é a de preservar os seres humanos, pobres ou ricos. Sendo assim, só nos restam as outras espécies animais ou interromper o avanço científico”, afirma.

Já o diretor do escritório de Ética da PUCRS afirma que, pelo menos dentro das universidades, existe um controle muito grande do uso de animais em laboratórios, com projetos muito bem justificados e norteados por procedimentos padrão. Segundo ele, até o número de animais usados nos experimentos é regulamentado por essas normas, que também se aplicam ao caso do Instituto Royal.

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“Tem que ser muito bem justificado o uso de animais vivos. Existe toda uma regulação desse processo, inclusive do número de animais e do processo de eutanásia final. Não se tratam mais animais como ‘coisas’ há um bom tempo. Existem sanções pesadas de leis federais e de ordenações e regulamentações”, explica, apesar de reconhecer, que os testes de indústrias com animais para fins considerados fúteis não são tão incomuns. “A tradição do uso de animais partiu muito da indústria, e foi daí que se teve uma longa tradição de contraposição aos abusos que se tinha, porque utilizavam animais continuamente na testagem de limites de dosagem para a produção, não de fármacos, remédios ou de alguma coisa que trouxesse algum benefício”, lamenta. 

Fonte: Terra
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