O segundo andar do Museu de Ciências em Londres, na Inglaterra, é dedicado à medicina e às inovações que permitiram prevenir e tratar muitas doenças.
Numa pequena prateleira que aborda a gestação, é possível ver uma peça que, a princípio, parece não ter nenhuma relação com o tema: um sapo conservado num pote de vidro.
A explicação para esse objeto estar ali não poderia ser mais curiosa: até os anos 1970, quando surgiram os testes de gravidez modernos, desses que podem ser comprados na farmácia e feitos em casa, o principal método para descobrir se uma mulher esperava um filho (ou não) era injetar a urina dela num sapo ou numa rã. Caso o anfíbio liberasse ovos logo na sequência, isso significava uma gestação em andamento.
Por mais que esse procedimento pareça charlatanismo, a verdade é que ele foi o principal método disponível para descobrir uma gravidez durante muitas décadas do século 20, com uma taxa de eficácia suficientemente boa.
E olha que esse não é o único exemplo nada convencional de técnicas para determinar o desenvolvimento de um bebê no útero materno. Ao longo da história, há vários episódios em que outros animais e até grãos de trigo e cevada foram utilizados com esse objetivo. Curiosamente, muitos deles funcionavam razoavelmente.
Mas para entender essa história desde o início, é preciso viajar 3 mil anos no tempo.
A resposta está nos grãos
De acordo com um artigo publicado em 2014 pelo endocrinologista Glenn Braunstein, do Centro Médico Cedars-Sinai, nos Estados Unidos, os primeiros registros conhecidos da busca de um método para detectar a gravidez são de 1.350 a.C e vêm de um tratado de medicina escrito no Egito Antigo.
No documento, a recomendação é misturar a urina da mulher que suspeita estar grávida com grãos de cevada e trigo. Se eles brotarem após algum tempo, isso significa que ela realmente está aguardando um filho.
Os egípcios também acreditam que, caso apenas a cevada desse brotos, isso indicava que o bebê era do sexo masculino. Se só o trigo se desenvolvesse, tratava-se de uma menina.
Embora essa segunda parte seja apenas uma crendice, a relação entre o xixi da grávida e o fato de os grãos brotarem até faz sentido — os hormônios da gestação podem dar o gatilho para o desenvolvimento da planta.
Num texto sobre o tema, os Institutos Nacionais de Saúde (NIH), dos Estados Unidos, contam que, em 1963, um grupo de cientistas resolveu testar se essa teoria em voga no Egito Antigo tinha algum fundo de verdade.
"Eles descobriram que, em 70% das vezes, a urina da gestante realmente promovia o crescimento das sementes, ao passo que o líquido daquelas que não esperavam um filho não tinham esse mesmo efeito".
Os profetas do xixi
Durante a Idade Média na Europa, difundiu-se a ideia de que era possível analisar o estado de saúde de uma pessoa através dos fluidos corporais.
Como não existiam equipamentos como o microscópio, os especialistas da época tinham que recorrer aos cinco sentidos para fazer esse tipo de estudo.
Surgiram, assim, os chamados "profetas do xixi", homens e mulheres que teoricamente possuíam treinamento e capacidade para analisar a cor, o cheiro, a textura e outros aspectos desse material.
Os NIH destacam um texto publicado em 1552, em que a urina de uma mulher grávida era descrita como de "cor clara de limão pálido, inclinada para o esbranquiçado, com aspecto nebuloso na superfície".
Alguns desses indivíduos iam um pouco além e jogavam vinho na urina para descobrir a vinda de um bebê. "De fato, o álcool pode reagir com algumas proteínas na urina, o que permitia ter uma taxa moderada de sucesso [nesse tipo de análise]", informam os NIH.
Com o passar dos séculos e a chegada do Iluminismo, porém, esses métodos empíricos e sem padrão foram abandonados aos poucos — até porque a forma mais confiável de confirmar uma gravidez à época continuava a ser a observação das mudanças no corpo (como os enjoos e vômitos ou o próprio crescimento da barriga).
A descoberta hormonal
A partir dos séculos 18 e 19, o avanço tecnológico e científico permitiu observar o que de fato acontece dentro do organismo humano.
No início do século 20, o fisiologista inglês Ernest Starling foi pioneiro ao identificar e nomear como "hormônios" os "mensageiros químicos" do corpo.
Embora existam muitas substâncias que se encaixam nessa definição, a mais importante delas quando falamos na gravidez é a Gonadotrofina coriônica humana, também conhecida pela sigla hCG, identificada por diversos grupos de cientistas a partir da década de 1920.
"A função básica do hCG é sustentar a gravidez, principalmente durante os primeiros meses", resume a médica Ilza Maria Urbano Monteiro, vice-presidente da Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
O óvulo e o espermatozóide se encontram na trompa uterina, na porção superior do aparelho reprodutor feminino. Após a fecundação, esse embrião precisa se deslocar até o útero, um pouco mais abaixo, onde ele vai se fixar e iniciar o desenvolvimento pelos próximos nove meses.
É justamente o hCG que cria todas as condições para que o embrião vingue nessas primeiras etapas de formação.
Mas será que existe uma maneira de medir adequadamente a presença desse hormônio típico da gestação?
Sobrou para os animais
Os primeiros testes de gravidez do século 20 foram desenvolvidos em 1927 a partir do trabalho da dupla de cientistas alemães Selmar Aschheim e Bernhard Zondek.
Em experimentos, eles observaram que injetar a urina de uma mulher grávida numa rata ou numa camundonga que ainda não atingiu a maturidade sexual estimula o desenvolvimento do ovário e a liberação de óvulos nas roedoras. O mesmo efeito não acontecia se fosse aplicado o xixi de uma pessoa que não esperava um bebê.
A principal diferença estava justamente na presença do hormônio hCG, que só dá as caras nos nove meses de gestação.
Surgia, assim, o teste A-Z, que faz referência ao sobrenome dos dois cientistas alemães. O método, porém, pecava na praticidade: era necessário injetar a urina da mulher em pelo menos cinco ratas e aguardar cerca de uma semana para obter os resultados, segundo um artigo assinado pela pesquisadora Kelsey Tyssowski, da Universidade Harvard, nos EUA.
Anos depois, alguns especialistas começaram a utilizar coelhas para esse tipo de exame, o que facilitava a visualização do ovário (pelo tamanho maior dessa espécie), mas esbarrava numa outra inconveniência: ainda era preciso sacrificar o animal para obter o resultado.
Em suma, esse tipo de teste era difícil, caro e só identificava níveis mais altos do hCG, semanas após a mulher estar com a menstruação atrasada. Por isso, ele ficou relegado a poucos laboratórios e a casos muito específicos.
E é assim que sapos e rãs entram na história: esses anfíbios liberam os ovos na natureza. Ou seja: não há necessidade de sacrificar e dissecar o bicho para descobrir o resultado.
Eles passaram, então, a ser usados como a principal prova de uma gestação: a urina da mulher que suspeitava estar grávida era injetada nesses animais e, caso realmente estivesse, o hormônio hCG estimulava uma liberação de ovos de sapas e rãs.
Entre as décadas de 1940 e 1960, a demanda por anfíbios para testes de gravidez gerou um comércio internacional com repercussões no meio ambiente até hoje.
Um artigo publicado na revista Nature em 2013 revelou que a importação de sapos da espécie Xenopus laevis da África para os Estados Unidos trouxe para a América do Norte um tipo de fungo que causa doenças graves e ameaça a própria existência de algumas espécies de anfíbios locais.
O uso desses animais para os testes de gravidez se tornou obsoleto a partir da década de 1970, e muitas clínicas e hospitais liberaram seus "estoques" de sapos na natureza sem cuidado nenhum.
Técnica também foi usada no Brasil
O Fleury Medicina e Saúde, que possui uma rede privada de laboratórios de diagnósticos com mais de 90 anos de história, também chegou a oferecer os testes de gravidez com sapos e rãs.
A técnica utilizada no país, porém, era ligeiramente diferente. Ela foi desenvolvida pelo médico argentino Carlos Galli Mainini e focava nos sapos machos. A proposta era injetar a urina da mulher e ver se eles expeliam espermatozoides pelas próximas três horas.
"Os sapos vinham da represa de Guarapiranga, em São Paulo, e viajavam de bonde até chegar ao laboratório", informa a empresa, em um texto enviado à BBC News Brasil.
"A obsolescência dessa técnica deu fim a mais uma profissão: a de caçador de sapos", complementa a nota.
Com 60 anos de experiência, o médico Jorge Gennari lembra que chegou a ver testes de gravidez que usavam anfíbios no início da carreira.
"Eu cheguei a pegar o finalzinho dessa era, mas tratavam-se de métodos muito complicados e que, não raro, davam resultados falsos negativos", rememora o ginecologista e obstetra do Hospital e Maternidade Santa Joana, em São Paulo.
"Á época, era muito difícil fazer a detecção precoce de uma gravidez e associávamos os resultados dos testes com os exames clínicos, feitos no consultório, que envolviam a palpação do útero e a análise de outras mudanças no corpo da mulher", complementa.
Uma 'revolução privada'
A partir dos anos 1970, chegaram ao mercado do Canadá e dos Estados Unidos os primeiros testes de gravidez que podiam ser feitos em casa.
A versão inicial, que foi desenvolvida pela publicitária americana Margaret Crane, parecia um kit de química: ela vinha com tubos de ensaio, diferentes frascos de produtos e exigia que a mulher seguisse uma série de etapas para garantir um resultado confiável.
O teste era anunciado em páginas de revista como uma "revolução privada", pela comodidade de poder descobrir ou descartar uma gravidez no conforto do lar, sem precisar do auxílio de um médico.
O que não mudou foi o material utilizado — a urina — e o que se buscava identificar: o hormônio hCG.
A partir do final dos anos 1980, surgiram os testes mais parecidos com os atuais, que trazem uma haste com um visor, em que o aparecimento de faixas ou outros símbolos de determinada cor determinam a gravidez (ou não).
É curioso notar que, desde o Egito Antigo, a urina sempre foi alvo de muitos desses exames. A explicação moderna para isso é que o hCG, produzido pela placenta, cai na corrente sanguínea da mãe, acaba filtrada pelos rins e descartada pelo xixi.
Mas vale lembrar que também existem opções em diversos laboratórios de análises clínicas para dosar esse hormônio direto no sangue.
O avanço das últimas décadas nessa área foi tão rápido que o tempo de espera para o resultado de um teste desses passou de semanas, ou até meses, para poucos dias, horas ou minutos.
"Em alguns casos, é possível saber de uma gravidez quando há um atraso menstrual de alguns dias", calcula o ginecologista e obstetra Marco Antonio Lopes, do Fleury Medicina e Saúde.
Monteiro, da Febrasgo, destaca que a disponibilidade de métodos tão acessíveis e confiáveis representa mais segurança para a mulher e o próprio bebê em formação.
"No Brasil, 52% das gestações não são planejadas. Quanto antes a gravidez é detectada, melhor será o acompanhamento, além de ser possível suspender o eventual uso de medicamentos que poderiam afetar o desenvolvimento do feto nesses estágios iniciais", argumenta.
Gennari chama a atenção para outra evolução recente nessa área da medicina: os exames de imagem. "Associados aos métodos de análise do sangue e da urina, hoje temos aparelhos de ultrassom muito modernos, capazes de identificar alterações logo nas primeiras etapas de desenvolvimento do embrião."
Por fim, Lopes aponta que existe espaço para mais inovação e o futuro promete um acompanhamento precoce ainda mais completo e seguro para as futuras mamães e seus filhos.
"Estamos cada vez mais voltados para a genética, que nos permite fazer o diagnóstico antecipado de problemas que podem aparecer lá no final da gestação", aponta.
"A análise dos genes também nos permitirá descobrir cada vez mais cedo coisas que são clinicamente importantes para o indivíduo pelo resto da vida", conclui o ginecologista.