Cientistas já sabiam que o tempo de sono varia muito entre os mamíferos e que, quanto maior o animal, mais horas ele passa acordado. Enquanto um elefante fica 21 horas por dia acordado, por exemplo, um morcego faz o contrário e passa até 20 horas dormindo. Por sua vez, as girafas são praticamente insones pelos padrões humanos: dormem quatro horas por dia no máximo. Já os camundongos dormem praticamente todo o tempo.
Mas o que ninguém conseguia explicar até hoje é o que exatamente determina essa diferença tão grande.
Um novo estudo, publicado no periódico científico pela neurocientista brasileira Suzana Herculano-Houzel, propõe uma explicação surpreendente sobre o assunto.
A quantidade de sono seria proporcional à concentração de neurônios no cérebro. Ou seja, quanto maior a densidade de células nervosas, é necessário passar mais tempo dormindo.
'Faxina'
A função exata do sono foi por muitos anos um mistério para os cientistas. Era sabido que este hábito traz inúmeros benefícios às funções cerebrais e à cognição.
O sono é fundamental para o aprendizado e para a consolidação das memórias, por exemplo. A maioria dos especialistas considera, no entanto, que essas não são a função primordial do sono, mas uma espécie de bônus.
Um estudo de 2013 publicado na revista por especialistas da Universidade de Rochester e da Universidade de Nova York revelou um aspecto importantíssimo do sono.
É quando estamos adormecidos que ocorre uma "faxina" do cérebro, a limpeza de toxinas e detritos derivados das conexões cerebrais que se acumulam ao longo do dia.
Quando os animais são privados de sono, essas toxinas em excesso podem comprometer a capacidade mental.
Necessidades diferentes
Segundo a cientista brasileira, quanto maior a concentração de neurônios, mais conexões ocorrem e mais toxinas - também chamadas de metabólitos - são produzidas.
Um cérebro com alta concentração de neurônios produz muitos detritos. Por isso, precisa de uma faxina mais caprichada, ou, simplesmente, mais tempo de sono.
No minúsculo cérebro dos morcegos, a concentração de células nervosas é altíssima, e a limpeza precisa ser mais pesada.
Em compensação, no cérebro do elefante, que pesa nada menos que cinco quilos, a densidade de neurônios é baixa. Em poucas horas, a "faxina" está completa.
"A função do sono já estava bem estabelecida, mas esta é a primeira vez que conseguimos uma explicação razoável e que possa ser testada sobre necessidades tão diferentes de sono", constatou Suzana, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
"O curioso é que, quanto mais tempo um animal passa dormindo, menos tempo ele tem para comer. Por isso, precisa ser pequeno. Por outro lado, quanto mais tempo permanece acordado, mais tempo tem para buscar comida. Assim, pode ter um corpo maior. É um mecanismo de bola de neve."
No caso do elefante, por exemplo, é necessário dormir pouco porque, para manter seu corpo e com seu tamanho de cérebro, ele precisa comer durante 18 horas por dia.
Seres humanos
Os seres humanos conseguiram driblar esse problema de animais maiores (ter que passar boa parte do tempo comendo) quando começaram a cozinhar os alimentos.
Com o cozimento, tornou-se possível ingerir muitas calorias em pouco tempo, o que liberou o homem para outras atividades.
Mas o padrão de sono do homem varia muito também dentro da própria espécie. Enquanto um recém-nascido dorme de 16 a 18 horas por dia, os idosos tendem a dormir menos que as oito horas regulamentares.
"O que acontece nesse caso é que já nascemos com mais ou menos o número de neurônios que teremos na idade adulta. Mas, no cérebro pequeno de um bebê, a concentração é muito maior e, por isso, dormimos mais", disse a neurocientista.
"Conforme crescemos e mantemos o mesmo número de neurônios, a concentração diminui. No caso dos idosos, como perdemos neurônios com a idade, é esperado que durmam menos."