À medida que se espalhava a notícia do lançamento da vacina contra a covid-19 pela Pfizer/BioNTech, Todd Zion bem que tentou, mas não conseguiu conter o desânimo.
Era novembro de 2020 e, pela primeira vez, chegavam notícias promissoras na luta contra a doença causada pelo novo coronavírus.
Não apenas a Pfizer-BioNTech, mas a Moderna e, posteriormente, a Oxford-AstraZeneca haviam divulgado resultados de ensaios clínicos de fase 3 para suas vacinas com eficácia que excedeu as expectativas dos cientistas mais otimistas.
O que se seguiu foi uma avalanche de acordos políticos e diplomacia de vacinas. Os líderes mundiais foram rápidos e encomendaram milhões de unidades dos novos imunizantes.
Se por um lado, Zion, empresário e CEO de uma pequena startup chamada Akston Biosciences, ficava pessoalmente aliviado pela possibilidade de uma solução para a pandemia global, por outro, enfrentava a tarefa ingrata de tentar convencer seus funcionários de que seu trabalho árduo não havia sido em vão.
Nove meses antes, a Akston Biosciences havia se juntado à corrida global por vacinas como uma das mais de 40 equipes que competiam para desenvolver a primeira vacina contra a covid-19 no mundo.
Agora, como dezenas de outras empresas, elas foram completamente derrotadas pela velocidade e eficiência das tecnologias de suas rivais maiores, que concluíram os testes clínicos enquanto seus próprios produtos ainda estavam em desenvolvimento.
Mas Sion ainda sentia que a corrida estava longe de terminar. "Essas vacinas ajudaram tremendamente (na luta contra a covid-19), mas se você é um inovador, sabe que os produtos que vêm em primeiro lugar tendem a ter muitos problemas", diz ele.
"Então, por esse motivo, continuei motivado. Mas para uma pequena empresa foi um desafio continuar desenvolvendo nossa vacina enquanto a maior parte do mundo pensava que tudo estava resolvido."
Segunda geração
Doze meses depois, a Akston Biosciences está entre uma infinidade de empresas que espera levar ao público uma segunda geração de vacinas contra a covid-19 no próximo um ano e meio.
São inúmeros os desafios, sendo um deles a escassez de matérias-primas vitais para a fabricação dos imunizantes.
Agora, após mais de dois anos de pandemia, companhias como a de Sion devem convencer os reguladores de que novos produtos ainda são necessários.
Pesa a favor deles a variedade de inovações.
A empresa francesa de biotecnologia Valneva, por exemplo, desenvolveu uma vacina que contém um adjuvante químico (medicamento que reforça a ação de outro) para estimular a resposta imunológica. Essa característica, em particular, tem como objetivo provocar uma melhor resposta imunológica nos idosos.
Outra empresa, a Vaxart, da Califórnia, está desenvolvendo uma vacina em forma de pílula que pode resolver o problema da fobia de agulhas.
O surgimento de novas versões mutantes do vírus que causa a covid-19, como as variantes delta e ômicron, cria um precedente potencial para o desenvolvimento de diferentes tecnologias que fornecem uma resposta mais forte do sistema imunológico.
"Temos alguns dados de que a resposta do sistema imunológico à infecção natural, mas também à vacinação, se reduzem com o tempo", diz Andrew Ustianowski, líder clínico do Programa de Investigação de Vacinas para a Covid do Instituto Nacional de Pesquisa em Saúde do Reino Unido.
"Podemos ver as respostas dos anticorpos e, até certo ponto, as respostas das células T (células de defesa) diminuindo ao longo do tempo. Portanto, uma das esperanças das vacinas de segunda geração é que elas possam fornecer proteção por um período mais longo do que as primeiras vacinas."
Os rígidos requisitos de refrigeração para muitas das vacinas de primeira geração também representam desafios significativos para alcançar muitas das comunidades mais pobres do mundo. Atualmente, por exemplo, apenas 28% da população da Índia está totalmente vacinada.
A Akston Biosciences recebeu recentemente a aprovação de órgãos reguladores para conduzir um ensaio clínico de Fase 2/3, o segundo estágio dos ensaios em humanos, na Índia no ano que vem.
A natureza de sua vacina, que pode ser mantida em temperatura ambiente por pelo menos seis meses, deve ajudar a alcançar regiões com infraestrutura limitada para armazenar e transportar imunizantes menos estáveis.
Embora sua vacina talvez só esteja amplamente disponível depois de 2023, Zion está confiante de que ela permanecerá altamente relevante na luta contra covid-19.
"Acabamos de assinar um contrato de licenciamento e desenvolvimento de fabricação com uma empresa indiana", diz.
"Eles têm cerca de 100 países em sua lista em que estão focados, principalmente no Sudeste Asiático, Oriente Médio e África Subsaariana. Sabemos que as vacinas primárias continuam sendo uma oportunidade em algumas das regiões carentes".
'Atrasado para a festa'
No início de 2020, Filip Dubovsky trabalhava para a farmacêutica AstraZeneca quando soube de outra empresa do ramo, chamada Novavax, que estava desenvolvendo uma vacina contra a gripe de maneira particularmente criativa.
Os cientistas da empresa descobriram um poderoso adjuvante chamado Matrix-M, que vem da casca interna de uma árvore endêmica do Chile, a Quillaja Saponaria, conhecida como árvore de casca de sabão.
Em um estudo de fase 3, geralmente o estágio final do estudo inicial, envolvendo um grande número de pessoas, ele não apenas produziu uma resposta de anticorpos mais forte do que as vacinas da gripe existentes, mas também forneceu proteção cruzada contra várias cepas de influenza.
Dubovsky ficou intrigado, tanto que em junho de 2020 se juntou à Novavax como seu diretor médico para trabalhar na vacina contra a covid-19 da empresa. Recentemente, ela se tornou a primeira das vacinas de segunda geração a chegar ao mercado, inicialmente recebendo liberação emergencial da Indonésia e das Filipinas.
Dubovsky reconhece que, desde o início, sabia que a tecnologia, que combina o adjuvante Matrix-M com uma vacina mais tradicional à base de proteínas, levaria muito mais tempo para ser desenvolvida do que os métodos usados pela primeira onda de vacinas covid-19, baseadas em RNA mensageiro (mRNA) e adenovírus.
No entanto, diz que chegar "um pouco mais tarde à festa" pode ter dado algumas vantagens à Novavax.
Enquanto os testes clínicos da empresa estavam em andamento, novas variantes do Covid-19 começaram a surgir, sugerindo que sua vacina ainda era eficaz contra uma variedade de cepas diferentes.
Os dados até agora mostram que a vacina é 93% eficaz contra as variantes alfa e beta, embora nenhuma eficácia tenha sido publicada para a variante dominante delta. Também é ainda muito cedo para dizer se o imunizante será eficaz contra a ômicron, recentemente detectada pela primeira vez na África do Sul.
Anticorpos Neutralizantes
Dubovsky diz que, assim como a vacina contra a gripe Novavax, o uso do adjuvante faz com que a vacina estimule a produção de anticorpos neutralizantes de melhor qualidade.
"Não se trata apenas do volume dos seus anticorpos, mas do quão bons eles são", explica Dubovsky.
"Temos dados de estudos clínicos anteriores que mostram que nossa vacina era capaz de gerar anticorpos neutralizantes de níveis muito altos. Portanto, não são apenas anticorpos que podem reconhecer a proteína S (spike ou espícula), mas podem realmente impedir a propagação do vírus", acrescenta.
Dubovsky espera que seu novo adjuvante possa ajudar a prevenir as chamadas "infecções progressivas", por meio das quais pessoas totalmente vacinadas podem ser infectadas.
As infecções progressivas continuam sendo um grande problema em andamento, particularmente na esteira da variante delta, com estudos estimando que as taxas de infecção avançada podem variar de 1 em 100 a 1 em 5 mil, dependendo da população.
Desde a entrevista com Dubovsky, a variante ômicron, com um número considerável de mutações, também emergiu, e informações preliminares sugerem que ela pode levar a uma taxa significativamente maior de infecções.
Produzir mais anticorpos e de melhor qualidade é uma das principais formas pelas quais as vacinas de segunda geração esperam se destacar, como uma opção potencial de reforço nos EUA e na Europa, mas também como vacina primária em muitas partes do mundo.
Brian Ward, que trabalha para a empresa canadense de biotecnologia Medicago, diz à BBC que eles estão se preparando para publicar dados de seu ensaio clínico de fase 3 e que pretendem solicitar a aprovação regulatória para sua vacina em algumas semanas.
A Medicago alega que seu imunizante induz a produção de um volume mais elevado de anticorpos do que as vacinas atuais.
"As vacinas de MRNA produzem um volume de anticorpos de dois e meio a quatro vezes maior do que em alguém se recuperando de covid-19", explica Ward. "Já as vacinas da Novavax e as nossas têm taxas de 10-15 vezes maiores."
Vacinas que estão mais atrasadas no desenvolvimento, como a Vaxart, que ainda não fizeram ensaios fase 2, esperam que as novas tecnologias ou novos mecanismos de fornecimento ainda as torne comercialmente viáveis.
A vacina Vaxart, que vem em forma de comprimido, produz respostas de anticorpos no nariz que se acredita serem melhores na prevenção da propagação do vírus.
Além disso, a empresa compilou dados de pesquisa que descobriram que 32% dos americanos teriam maior probabilidade de tomar a vacina contra a covid-19 se ela fosse oferecida na forma de comprimido.
De acordo com a revista científica The Lancet, desde janeiro de 2021, 20% dos adultos americanos disseram que só se vacinarão em caso de necessidade para o trabalho ou, caso contrário, não tomarão o imunizante. O fundador da Vaxart, Sean Tucker, diz acreditar que ter uma vacina oral pode solucionar esse problema. "Afinal, muitas pessoas têm medo de agulhas", argumenta.
Outra forma importante pela qual essas vacinas podem competir com os imunizantes de primeira geração é no preço, muito mais acessível do que as vacinas mais caras da Pfizer / BioNTech e Moderna.
"Nossa meta é de US$ 3 a US$ 5 por dose e achamos que o futuro caminha nessa direção", diz Zion. "O valor do subsídio do governo nessas faixas de preço de US$ 25-30 por dose (para vacinas de mRNA) não será sustentável".
No entanto, em um cenário tão competitivo, resta saber se haverá espaço para todas as vacinas de segunda geração em desenvolvimento. Por um lado, o mercado para doses de reforço ("boosters") em países de alta renda é altamente incerto.
Os cientistas ainda não estão certos se o surgimento de novas variantes tornará imunizações frequentes contra o vírus uma necessidade ou se sua ameaça diminuirá lentamente nos próximos anos.
"Na verdade, os fabricantes das vacinas mais novas vão precisar mostrar uma vantagem em reação ao que já temos", diz Ustianowski. "E isso não é uma certeza."
Riscos
A implementação bem-sucedida das vacinas covid-19 no ano passado foi amplamente saudada como uma conquista "sem precedentes".
O desenvolvimento de vacinas é um negócio notoriamente precário, com dois terços dos imunizantes se revelando inadequados em testes clínicos. No entanto, especialistas alertaram que o sucesso da primeira onda de vacinas contra a covid-19 não é garantia de que a segunda onda irá superá-lo.
Uma das primeiras vítimas foi a empresa alemã CureVac, cuja vacina de mRNA mostrou resultados decepcionantes em um ensaio de fase 3 em junho, com apenas 47% de eficácia na prevenção de doenças.
A notícia foi vista como um revés, pois a vacina, que usava doses menores de mRNA, deveria ser mais barata e durar mais em armazenamento do que os equivalentes da Pfizer / BioNTech e Moderna.
A CureVac está agora buscando uma nova vacina contra a covid-19 em parceria com a farmacêutica britânica GSK, que tenta atacar múltiplas variantes do coronavírus de uma só vez.
Os estudos com animais têm mostrado melhores resultados e parecem estimular uma produção de anticorpos dez vezes maior do que seu primeiro imunizante-teste.
No entanto, Klaus Edvardsen, diretor de desenvolvimento da CureVac, diz à BBC ser improvável que a empresa solicite aprovação de órgãos regulares antes do fim de 2022.
Esse exemplo serve para ilustrar os muitos obstáculos e desafios que os desenvolvedores de vacinas de segunda geração enfrentam.
Muitas empresas já estão descobrindo que o caminho para a aprovação regulatória é muito mais difícil, e a agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos (FDA) diz que não haverá mais autorizações de vacinas para uso emergencial.
Os bilhões de doses de vacinas que já foram entregues — 29,92 milhões agora são entregues todos os dias - também estão colocando uma pressão sem precedentes na cadeia de fornecimento de imunizantes.
Com os fabricantes de frascos de vidro e de outras matérias-primas importantes escolhendo priorizar as vacinas de primeira geração, os desenvolvedores de segunda geração estão lutando para obter o que precisam.
"Definitivamente, somos cidadãos de segunda classe no que diz respeito à cadeia de suprimentos", diz Zion.
"Frascos, vidros, plásticos, tudo está sendo consumido pelas vacinas aprovadas. Encomendamos alguns filtros e eles já estavam no caminhão, mas acabaram desviados para uma das empresas de vacinas por meio de uma ordem do governo. Isso acontece o tempo todo".
Para a Akston Biosciences e os outras novas empresas que disputam participação nesse mercado, o preço do fracasso empresarial é potencialmente muito alto.
Dois anos atrás, Novavax viu um ensaio clínico para uma vacina contra o VSR (Vírus respiratório sincicial) ir por água abaixo, o que lhe custou dezenas de milhões de dólares, resultou na demissão de funcionários e na venda de duas instalações de desenvolvimento e fabricação.
Futuro
Até o momento, estima-se que 47,7% da população mundial, incluindo grandes porções da América do Sul, África e Ásia, ainda não receberam nem mesmo uma dose da vacina contra o coronavírus.
A grande esperança para as vacinas de segunda geração é que elas possam fazer grandes avanços nesse sentido, especialmente porque as populações não vacinadas correm um risco ainda maior devido ao surgimento de novas variantes.
William Hanage, epidemiologista da Escola de Saúde Pública TH Chan, ligada à Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, tem tentado quantificar o impacto da variante delta em pessoas não vacinadas e recentemente descobriu uma estatística surpreendente.
"Estava observando as taxas de mortalidade nos Estados Unidos e a Flórida teve uma onda da delta depois que as vacinas foram disponibilizadas", diz ele.
"Mais de 30% de todas as mortes por covid-19 na Flórida ocorreram desde o início da vacinação, porque a delta é mais perigosa e a Flórida tem muitos idosos não vacinados. E isso apenas nos Estados Unidos. Sabemos que existem grandes partes do mundo que não estão vacinadas".
Uma empresa que está focando especificamente em levar vacinas contra a covid-19 para países de baixa renda é a Ziccum, baseada em Lund, na Suécia.
A farmacêutica desenvolveu uma tecnologia para secar vacinas existentes, transformando-as em pó. Assim, não precisam ser armazenadas ou transportadas em temperaturas frias.
A Ziccum está atualmente colaborando com a Janssen, cuja vacina contra a covid-19 de primeira geração foi aprovada em fevereiro de 2021, para estudar se será possível criar uma versão em pó de seu imunizante.
Em um futuro próximo, isso poderia ser usado para ampliar a cobertura vacinal na África, por exemplo, onde a imensa maioria da população não está totalmente imunizada.
Em entrevista à BBC, o CEO da Ziccum, Göran Conradson, diz que há conversas sobre o uso de sua tecnologia em Ruanda.
Ali, menos de um a cada cinco pessoas tomaram as duas doses da vacina contra a covid-19, por exemplo.
"Fomos convidados para ir a Ruanda e ver o que podemos fazer", diz Conradson. "Tem havido muitas iniciativas na África neste momento."
Mesmo que algumas das vacinas de segunda geração nunca cheguem ao mercado, grandes investimentos em pesquisa e aceleração dos processos de fabricação podem trazer benefícios significativos à saúde para outras doenças.
A Vaxart também está buscando criar pílulas à base de vacinas para gripe e norovírus, enquanto a CureVac e a GSK pretendem produzir uma que vacine contra o coronavírus e a gripe ao mesmo tempo.
A Gritstone, com sede na Califórnia, lançou recentemente um ensaio clínico de fase 1 em Manchester (Inglaterra), usando um método conhecido como RNA de autoamplificação (saRNA), uma forma mais recente de tecnologia de mRNA.
Projetada inicialmente para o uso contra o câncer, a técnica pode induzir a mesma resposta imunológica de uma vacina mRNA, mas em uma dose 50 ou 100 vezes menor, o que torna o imunizante mais barato e acessível.
Andrew Allen, CEO e cofundador da Gritstone, explica que a tecnologia também pode ser usada para ajudar a desenvolver vacinas universais contra outros vírus, como o da gripe.
Também pode até ajudar a acelerar os estudos atuais sobre vacinas contra o câncer, que usa biópsias para tentar prever diferentes alvos para o sistema imunológico atacar, conforme o tumor evolui.
Mas um dos maiores legados é poder tornar o mundo muito mais preparado para futuros surtos de coronavírus — algo que muitos cientistas acreditam ser inevitável com base nas tendências das últimas duas décadas.
"Tivemos três surtos de coronavírus nos últimos 20 anos", diz Allen. "Tivemos a Sars (síndrome respiratória aguda grave) em 2002, a Mers (síndrome respiratória do Oriente Médio) em 2012 e depois a covid-19. Acho que todos podemos concordar que haverá outro surto de coronavírus e precisamos estar preparados para isso. Temos que estar melhor preparados do que da última vez."
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