Coronavírus: Por que testes de anticorpos podem levar a uma guinada na saúde e na economia

Uma aplicação em massa deste tipo de exame pode nos levar a descobrir se os números de infectados e mortos que crescem a cada dia são apenas a ponta de um iceberg ou não e elaborar estratégias mais eficazes de lidar com a pandemia.

28 mar 2020 - 08h28
(atualizado às 08h52)
Uma busca em massa por anticorpos nas pessoas pode permitir descobrir a real taxa de letalidade do novo coronavírus
Uma busca em massa por anticorpos nas pessoas pode permitir descobrir a real taxa de letalidade do novo coronavírus
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Onde está a luz no fim do túnel da pandemia de coronavírus, que já infectou em torno de 500 mil pessoas ao redor do mundo? Em que momento quase 3 bilhões de pessoas vão poder sair de casa normalmente sem medo de ficar doente?

Para responder isso, precisamos de menos incerteza ao fazer, por exemplo, cada vez mais testes para determinar quem está infectado, medida que pode aplacar a preocupação de muita gente e garantir uma estratégia eficiente de combate ao vírus, como na Coreia do Sul.

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Mas uma das respostas que podem marcar uma virada nessa pandemia, junto com remédios e vacinas que funcionem, passa não por quantas pessoas estão doentes hoje, mas por quantas já enfrentaram silenciosamente o vírus e sequer perceberam.

Uma busca em massa por anticorpos nas pessoas pode permitir descobrir se todos esses números de infectados e mortos que crescem a cada dia são apenas a ponta de um iceberg.

Se for o caso, será possível tirar duas conclusões. A primeira é que a taxa de mortalidade, hoje estimada em cerca de 3,4% pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pode ser bem menor do que se sabe.

A segunda é que milhões de pessoas podem já ter contraído o vírus, desenvolvido algum grau de imunidade e, portanto, não precisariam ficar isoladas.

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Essa informação pode influenciar decisões políticas e determinar se o principal "remédio" adotado pelas autoridades contra essa crise — no caso, quarentenas de quase 3 bilhões de pessoas — está na dose certa ou se ele vai ser pior que a doença e matar o paciente, como tem se questionado, a exemplo do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.

O debate em torno da real gravidade do novo coronavírus, que matou quase 24 mil pessoas desde dezembro, se agrava ainda mais porque trata de vidas humanas.

Testes para detectar o coronavírus no momento podem ser feitos com base em amostras de secreção respiratória
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Minoria reage a confinamentos

Há uma grande divergência entre basicamente dois grupos. De um lado, uma pequena minoria que inclui os presidentes de Estados Unidos, Brasil e México e alguns especialistas. De outro, amplamente majoritário, estão mais de cem líderes mundiais, a OMS e a maioria dos pesquisadores.

O primeiro grupo, no qual estão Donald Trump e Jair Bolsonaro, defende que os dados disponíveis, ainda que escassos, apontam que a doença não é tão devastadora para a população em geral. Ela se parece com a gripe (ou uma "gripezinha") que circula todo ano. Por isso, seria possível contê-la sem tamanha perda econômica.

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Ou seja, argumentam eles, qual é a necessidade de confinar a população inteira se apenas uma minúscula parcela corre de fato o risco de morrer? No caso, as pessoas com mais de 60 anos e aquelas com condições pré-existentes, como doenças cardíacas e diabetes.

Segundo a abordagem defendida por esse grupo minoritário, chamada de isolamento vertical, bastaria proteger os mais vulneráveis e retomar a vida do restante da sociedade até que todo mundo fique imunizado com conta própria.

A conta é que, quando mais de 50% da população estiver imunizada, seria como se todos estivessem vacinados. Ocorreria a chamada "imunidade de grupo ou de rebanho", na qual a imunidade de um acaba protegendo o outro por reduzir a cadeia de transmissão do vírus.

É importante deixar claro que ainda há dúvidas se de fato as pessoas que tiveram a doença uma vez a não terão de novo, como em geral acontece. Saber isso é chave nesse debate.

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Os anticorpos são uma espécie de memória de batalha do nosso corpo contra um invasor. Em geral, a gente o derrota uma vez e não se esquece como faz isso.

O problema é que essa imunidade nem sempre ocorre ou é completa. O sarampo tem, por exemplo, a capacidade de fazer o corpo se esquecer de como o combater.

Por outro lado, a grande maioria das autoridades e de especialistas defende que a falta de dados não permite tirar conclusões precipitadas que podem levar ao colapso do sistema de saúde, mesmo que todo esse confinamento gere enormes custos econômicos.

Para esse segundo grupo, não se trata de um cenário hipotético baseado em modelos matemáticos, mas da realidade, e equívocos aqui podem levar à morte de milhares ou milhões de pessoas. Ou seja, uma "gripezinha" seria capaz de lotar hospitais ao redor do mundo de uma forma sem precedentes na história recente.

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Não há até o momento qualquer remédio, vacina ou certezas sobre o novo coronavírus. Por isso, o mundo tem se isolado para evitar que as pessoas transmitam a doença entre umas para as outras e que muita gente fique doente ao mesmo tempo, impedindo que o sistema de saúde tenha a capacidade de atender todo mundo.

Coronavírus foram batizados assim por causa das pequenas 'coroas' na superfície
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Anticorpos podem influenciar debate

Há então como sair desse impasse? Ou essa situação de confinamento durará meses ou até anos?

Bem, uma saída que vem sendo discutida em alguns lugares do mundo, principalmente no Reino Unido, é o teste sorológico massivo e controlado, feito a partir de amostras de sangue, para encontrar nas pessoas anticorpos ligados ao novo coronavírus.

Diversos países estão desenvolvendo e investindo nesses testes, entre eles o Brasil. Especialistas ressaltam que é essencial que essas análises sejam seguras e confiáveis, sem falsos positivos ou falsos negativos, que poderiam ter consequências catastróficas, como expor à contaminação alguém que acredite falsamente que está imune.

O governo britânico decidiu comprar 3,5 milhões de unidades destes testes. A estratégia pode envolver enviar esse material para a casa de habitantes selecionados a fim de tentar descobrir de fato quantas pessoas contraíram o vírus sem saber.

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Há uma pequena parcela de pesquisadores que estima que o número de pessoas infectadas que podem já ter adquirido imunidade pode ser dez, cem, mil vezes maior. Ou que a doença mata uma pessoa a cada cem, uma a cada mil ou uma a cada dez mil, como uma gripe.

Para o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, o resultado desse experimento pode vir a representar uma grande virada na estratégia de combate à pandemia. Se descobrirmos que a maioria da população já teve contato com o vírus, as medidas de distanciamento social poderiam até ser flexibilizadas ou extintas.

Em última instância, no cenário mais otimista, isso poderia levar à reabertura de lojas, escolas e locais de trabalho, por exemplo.

O novo vírus faz parte da família dos coronavírus, que inclui Sars e Mers
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Para se ter uma ideia, pesquisadores de Oxford estimaram em um exercício teórico que até metade do Reino Unido já pode contraído o vírus. Mas isso é apenas uma hipótese. Só esses testes massivos e controlados com anticorpos poderão esclarecer isso.

Esses testos sorológicos são importantes também para as equipes de saúde serem monitoradas constantemente e evitar que elas contaminem outras pessoas ou sejam contaminadas.

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E se esse experimento não encontrar um percentual expressivo de pessoas com anticorpos? Isso não deixa de ser uma informação extremamente relevante também. Caso se confirme essa hipótese, teremos ainda mais certezas sobre:

- a importância do distanciamento social para evitar a disseminação da doença e todas as medidas de higiene recomendas, como lavar as mãos com sabão por ao menos 20 segundos;

- o investimento e a mobilização inédita em testes clínicos para encontrar possíveis tratamentos, já que nenhum até agora foi aprovado para esse fim;

- e de que o desenvolvimento de uma vacina é essencial, algo que pode levar no mínimo mais um ano, já que é preciso garantir também que ela funcione e não tenha o efeito contrário, de nos deixar mais vulneráveis ao vírus.

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