Quando seguia para o seu laboratório numa ensolarada manhã texana, a bióloga molecular Meng Wang ainda não sabia o que lhe esperava no local: dezenas de milhares de vermes, contorcendo-se em caixas. Ao espiar cada uma, ela teve um insight sobre como enfrentar a condição mais debilitante da humanidade: o envelhecimento.
Doenças relacionadas ao envelhecimento - como câncer, reumatismo e mal de Alzheimer - matam 100 mil pessoas por dia no mundo. Mas um crescente número de cientistas defende que não precisa ser assim.
O podcast do Serviço Mundial da BBC chamado The Inquiry entrevistou alguns dos principais pesquisadores do mundo sobre a natureza do envelhecimento e sobre como a ciência moderna pode "curá-lo", usando desde micro-organismos a órgãos impressos em 3D.
Maior expectativa de vida
O que exatamente é envelhecer? Ao longo dos anos, células, tecidos e órgãos sofrem pequenos danos. Em determinado momento, esses danos se sobrepõem em todo o organismo. "Quando o corpo não consegue mais acompanhar o ritmo de reparação, o envelhecimento começa", explica o médico dinamarquês Kaare Christensen.
Christensen trabalhou muitos anos como médico até que se cansou de tratar pessoas doentes. Hoje, ele coordena o Centro Dinamarquês de Pesquisa do Envelhecimento, onde tenta impedir que as pessoas adoeçam.
Ele ressalta os avanços: em meados do século 19, a expectativa de vida era de cerca de 40 anos na maior parte do mundo. Hoje, a expectativa do norte da Europa gira em torno dos 80 anos, e o restante do planeta está se aproximando deste patamar. Isso ocorreu, em grande parte, pela redução da mortalidade infantil, e não porque a vida tenha se estendido.
Mas surgiram mudanças importantes. "As pessoas agora chegam a idades mais avançadas em melhor condição", diz Christensen. "Uma coisa fácil de observar são os dentes. Você pode notar que os dentes dos idosos estão melhores a cada década".
Os dentes são uma espécie de indicador da saúde geral, explica o pesquisador. Sua condição afeta diretamente nossa capacidade de nos alimentarmos e nos nutrirmos adequadamente. E sua aparência pode indicar se outras partes do corpo estão funcionando bem.
Christensen diz que as pessoas não só estão chegando à velhice com dentes melhores mas também com resultados mais altos nos testes de QI, o que ele relaciona à melhoria dos meios de subsistência em todo o mundo.
"É todo o pacote de melhores condições de vida, melhor escolaridade... e que tipo de trabalho você teve", elenca.
Ele avalia que o progresso continuará. Mas por quanto tempo? O recorde de longevidade no mundo pertence à francesa Jeanne Louise Calment, que completou 122 anos. Ela morreu em 1997, e muita coisa aconteceu desde então.
Impressão de órgãos
O biofísico Tuhin Bhowmick vem de uma família de médicos em Bangalore, na Índia. Ele se lembra de ouvir conversas no jantar sobre os pacientes que seu pai ou tios não conseguiam salvar. Sempre que perguntava por que não tinha conseguido evitar uma morte, seu pai respondia que não lhe restavam cartas na manga. A medicina, afinal, tinha seus limites.
"Eu pensava, 'ok, então não vou me tornar médico, e sim alguém que faz o remédio'", lembra Bhowmick.
Ele diz que a morte por velhice muitas vezes está relacionada a disfunções de órgãos vitais como o coração, os pulmões ou o fígado. Se o paciente recebe um órgão funcional de um doador, médicos como o pai de Bhowmick podem dar a ele uma segunda chance de vida.
O problema é que existem mais pessoas que precisam de órgãos do que doadores habilitados. Além de longas filas, os órgãos precisam ser compatíveis. Em muitos casos, a pessoa morre à espera do transplante.
Para resolver o problema, Bhowmick investiga como usar a impressão 3D para criar órgãos que não sejam rejeitados pelos corpos dos pacientes.
Em vez de usar um cartucho de tinta, os aparelhos de Bhowmick usam proteínas e células - e do próprio paciente, para que haja chances menores de o corpo rejeitar o novo órgão.
A equipe de Bhowmick já produziu o primeiro tecido de fígado humano artificial da Índia; o próximo passo é criar um fígado em miniatura, o que ele espera conseguir em cerca de cinco anos.
Bhowmick imagina esse órgão como um pequeno e portátil dispositivo fora do corpo, com o qual os usuários possa se movimentar. Em oito a dez anos, ele espera produzir um fígado totalmente funcional que possa ser transplantado para o corpo.
Mas e se uma pessoa tem um órgão deficiente, isso significa que ela esteja chegando ao fim da vida? Bhowmick acredita que cada caso é um caso.
"Talvez o fígado estivesse falhando, mas não necessariamente o cérebro ou coração. Se você tivesse substituído um órgão que provocou a morte de um paciente, ele poderia ter vivido por mais 20 anos", diz ele.
E qual é a aposta do pesquisador de por quanto tempo poderemos viver? Com essas inovações, afirma ele, se você é um millennial ou mais jovem - nascido a partir de 1981 - há boas chances de você viver até os 135 anos.
Sabedoria dos vermes
A avó de Meng Wang morreu aos 100 anos; ela era saudável e ativa até o fim da vida. Observá-la envelhecendo bem de saúde fez Wang se perguntar sobre os segredos do envelhecimento.
Ela é professora de genética humana e molecular no Baylor College of Medicine, nos EUA, onde realiza experimentos em uma das novas áreas mais excitantes da medicina - nosso microbioma.
"São os pequenos micro-organismos que vivem conosco, tanto internamente em nosso trato digestivo quanto externamente em nossa pele", explica Wang. "Estão por todo nosso corpo."
A maior parte é composta de bactérias, mas há ainda fungos, vírus e outros micróbios. No passado, os cientistas não deram muita atenção a eles. Mas agora sabemos que eles têm um efeito profundo em nosso corpo.
Estudos recentes mostram que nosso microbioma é tão importante para nós quanto um novo órgão. Ele pode influenciar a forma como nos comportamos e até mesmo como reagimos a diferentes medicamentos.
Para investigar como ele poderia afetar o envelhecimento, Wang selecionou uma minhoca que vive de duas a três semanas - uma expectativa de vida curta o suficiente para se conduzir uma "experiência ao longo da vida". E questionou o que aconteceria se o microbioma de um verme fosse alterado. Ele viveria mais?
Wang selecionou bactérias que vivem no intestino do verme; modificou seus genes e as alimentou. A pesquisadora analisou-as três semanas depois, quando elas já deveriam ter morrido. "Eu dei um pulo com o resultado, que foi totalmente inesperado".
Os vermes mais velhos geralmente mostram um declínio da capacidade física, mas aqueles com o novo microbioma não apenas se movimentavam mais rapidamente, como também ficaram menos suscetíveis a doenças. Wang agora realiza testes em camundongos para ver se a mudança de seu microbioma também prolonga sua vida de forma semelhante.
Com isso, há chances de que um dia os médicos possam prescrever comprimidos que façam o mesmo por nós. Quanto tempo isso poderia nos fazer viver?
"Alguns colegas dizem até 200, 300 anos. Eu acho que uns 100… já é um bom número", sugere Wang.
Data de validade
À medida que as células envelhecem, elas se dividem para substituir as células que estão morrendo ou se desgastando, mas esse processo não é linear. Quanto mais vezes uma célula se divide, maior é a chance de ela se tornar "senescente".
A senescência vem da palavra latina senescere - envelhecer. Ou seja, as células envelhecem e chegam ao fim do ciclo de seu ciclo de vida. Mas em vez de morrer, elas agem destrutivamente e se comunicam com as células ao seu redor, causando uma série de doenças.
"É quase como se a célula velha olhasse ao redor e achasse que as outras células são tão velhas quanto ela'", simplifica Lorna Harries, professora de genética molecular da Universidade de Exeter, na Inglaterra.
Dessa forma, as células senescentes podem "contaminar" as outras células com o envelhecimento. E à medida que envelhecemos, mais e mais células se tornam senescentes, até que nosso corpo fique sobrecarregado.
Em seu laboratório, Harries pode ter encontrado uma maneira de lidar com esse problema. A pesquisadora pediu a uma estudante com quem trabalhava que acrescentasse substâncias químicas a células velhas da pele. Para acompanhar a idade das células no transcorrer da experiência, elas decidiram aplicar um corante que as tornaria azuis se elas fossem senescentes.
"O que eu esperava ver eram células azuis", diz Harries. "Mas não foi o que aconteceu ... elas voltaram a parecer mais jovens".
Harries não confiou no resultado e pediu à aluna que repetisse o experimento. Ela voltou com o mesmo resultado - e, novamente, Harries pediu para que o processo fosse refeito.
A estudante repetiu o processo nove vezes. "Finalmente, eu olhei para aquilo e pensei: talvez você tenha algo interessante aqui", disse Harries.
O experimento rejuvenesceu as células velhas e as transformou em células jovens, tornando esse o primeiro experimento a reverter o envelhecimento em células humanas. Alguns acham que a descoberta pode ser o segredo para uma vida muito mais longa. Harries começou a receber telefonemas de investidores e cientistas de todo o mundo.
Mas ela ainda não está muito otimista sobre quanto tempo poderíamos viver, pois acredita que os humanos têm uma vida útil máxima. Mesmo assim, espera que sua linha de pesquisa acabe em uma nova geração de drogas antidegenerativas para a demência e doenças cardiovasculares.
"Espero que isso proporcione um tratamento a várias dessas condições de uma vez, para que as pessoas que morreriam precocemente possam viver sua expectativa de vida natural", comenta Harries.
Então, voltando à questão: quanto tempo poderíamos viver?
Talvez um dia possamos substituir nossos órgãos danificados, tomar suplementos que nos forneçam um microbioma jovem e impedir que nossas células envelheçam.
Quantos anos tudo isso poderia adicionar? Se seguirmos a previsão de Tuhin Bhowmick, se você é um millenial, talvez consiga chegar aos 135 anos. E quando chegarmos lá - em 2116, se você nasceu em 1981 - quem sabe o que mais será possível?
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
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