Como o espaço sideral é uma máquina do tempo e também uma sucessão de fusões, junções e separações, cada nova descoberta tem o poder de contar um pouquinho mais sobre a formação dele e, em última instância, de nós mesmos.
E a descoberta mais recente é de que a Via Láctea, galáxia onde está o Sistema Solar - e onde nós estamos -, se fundiu a outra galáxia, uma parceira chamada Gaia-Enceladus, 10 bilhões de anos atrás. A pesquisa a respeito, que ajuda a compreender um pouco sobre os movimentos e as formações naturais do espaço, está na última edição da revista científica Nature.
Essa fusão com Gaia-Enceladus deu origem à maior parte do halo da Via Láctea. Também teria sido responsável por moldar o seu disco, dando a ele uma certa forma inflada. Quem descobriu e descreveu precisamente como ocorreu essa megafusão espacial foi a astrônoma Amina Helmi e sua equipe, todos cientistas da Universidade de Groningen, na Holanda.
Soma de galáxias
Já era um consenso no meio astronômico de que grandes galáxias, como a Via Láctea, sempre são a fusão de galáxias menores. Assim, a Via Láctea não poderia ser diferente: também é produto de pequenas fusões.
Helmi se tornou obcecada pelo tema. Ao longo de sua carreira, a pesquisadora revirou os lugares conhecidos da Via Láctea, em busca de "fósseis" que pudessem auxiliar em sua pesquisa. A astrônoma lançou mão de dados como evolução, composição química, posição e trajetória das estrelas para compreender suas histórias. Com isso, é possível identificar as fusões que criaram o início da Via Láctea.
A cientista usa a composição química, a posição e a trajetória das estrelas no halo para deduzir sua história e, assim, identificar as fusões que criaram o início da Via Láctea.
Os dados foram obtidos por meio do satélite Gaia, uma bem-sucedida missão da Agência Espacial Europeia. Em abril deste ano, o projeto disponibilizou uma avalanche de dados para a comunidade astronômica, com informações de uma base de 1,7 bilhão de estrelas.
Comportamento estelar
Helmi observa sistematicamente a organização da Via Láctea desde os últimos 20 anos. "Esperávamos que as estrelas se fundissem com os satélites no halo", afirma. "O que não esperávamos encontrar era o fato de que a maioria das estrelas-halo de fato tivesse uma origem compartilhada, em uma fusão muito grande", diz.
Os cientistas identificaram que a "assinatura química" de muitas estrelas do halo são claramente diferentes das estrelas "nativas" da Via Láctea. "Estas são grupos bastante homogêneo, o que indica que eles compartilham uma origem comum", comenta, sobre as "nativas".
"As estrelas mais jovens da Gaia-Encefalodus são na verdade mais jovens do que as estrelas nativas, sobretudo na região hoje do disco principal", diz Helmi. "Isso significa que o progenitor desse fenômeno já estava presente quando a fusão aconteceu, e Gaia-Encefalodus, por causa de suas dimensões diferentes, balançou e encheu-se."
Em estudo anterior, a astrônoma Helmi já havia descrito o fenômeno. Ao analisar um conjunto de estrelas de origem comum, ela concluiu que as estrelas dessa bolha no halo são escombros da fusão da Via Láctea com uma galáxia que era um pouco mais massiva.
Gaia-Enceladus
Helmi e sua equipe concluíram que estrelas desse tipo, localizadas nesses conjuntos, são os escombros da fusão entre Via Láctea e uma outra galáxia, há cerca de 10 bilhões de anos.
Essa galáxia é conhecida como Gaia-Enceladus, em homenagem a Enceladus ,gigante que, na mitologia grega, nasceu de Gaia - deusa da Terra - e Urano - deus do Céu.
Enceladus também foi o nome que escolheram para batizar uma lua do planeta Saturno.
Helmi bem lembrou de que dados sobre cinemática, química, idade e distribuição espacial das estrelas da Via Láctea já vinham sendo coletados e arquivados pelo projeto Gaia-Enceladus - antes dos dados disponibilizados neste ano.
O projeto de pesquisa existe há cerca de 10 anos. "Foi incrível olhar para os novos dados do Gaia e perceber aquilo que eu já vislumbrava", afirma a especialista.
Missão Gaia
A Missão Espacial Gaia, da Agência Espacial Europeia, foi lançada em dezembro de 2013. O satélite tem o objetivo de monitorar dados de estrelas, realizando medições de posição, de velocidade radial e de luzes.
A missão está desenvolvendo um mapa tridimensional das estrelas da Via Láctea, possibilitando a compreensão de sua formação.