O telescópio espacial “caçador de planetas” Kepler não será aposentado. Após a falha da segunda roda de reação em seu sistema de direcionamento, a sonda precisa readequar sua missão, mas ainda promete descobertas. Na última semana, na segunda edição da conferência de ciências sobre o Kepler, na Califórnia, 400 cientistas de 30 países diferentes se reuniram para debater acerca das novidades do telescópio e de seu futuro na observação da galáxia.
A nova guinada pode levar a sonda ao plano de órbita da Terra, caçando principalmente planetas que orbitam estrelas relativamente pequenas. "Nós esperamos encontrar dezenas, ou talvez até centenas, de planetas assim", afirmou o pesquisador responsável pela missão, Bill Borucki, do Ames Research Center, da Nasa. A decisão final, que também contempla possível foco em buracos negros e supernovas, será tomada apenas em 2014.
Na conferência, os dados da equipe do Kepler apresentaram 833 novos candidatos a planeta. Desde seu lançamento, em 2009, a missão já encontrou, ao total, 3.538 planetas em potencial. Desses, 167 foram confirmados até agora. Cientistas acreditam que, do montante total, até 90% seja confirmada. Seria um salto, já que, atualmente, existem 1039 exoplanetas identificados na Enciclopédia de Planetas Extrasolares. Segundo a Nasa, um ano inteiro de dados ainda resta para ser devidamente analisado. Ou seja, mesmo que o Kepler fosse aposentado, ainda se ouviria falar bastante dele.
Nos últimos quatro anos, o Kepler observou mais de 150 mil estrelas. Sua missão: descobrir se planetas do tamanho da Terra orbitando em zona habitável de estrelas semelhantes ao Sol são comuns ou raros. A conclusão, até agora, é surpreendente. Segundo pesquisadores da Universidade da Califórnia, que apresentaram estudo na conferência, existe um planeta com tamanho semelhante ao da Terra em uma zona habitável a cada cinco estrelas parecidas com o Sol. Se a estimativa estiver correta, pode haver 10 bilhões de planetas que preencham esses requisitos. Não significa que esses planetas podem abrigar vida, mas é um primeiro indício nesse sentido.
Perdas
No dia 15 de agosto, a Nasa anunciou: desistira de recuperar as duas rodas de reação do Kepler que apresentavam problemas. Para operar corretamente, o telescópio espacial precisa de, pelo menos, três delas. Em 2012, a primeira roda de reação falhou. Neste ano, mais uma. “É um problema puramente mecânico”, explica José Dias do Nascimento, cientista convidado do Harvard-Smithsonian Center. “Pesquisadores de todo o mundo enviaram propostas que pudessem ser feitas apesar da limitação do satélite. A ideia foi excelente, pois há de fato muitas possibilidades científicas mesmo com um satélite que somente aponta pra uma determinada posição do céu”.
O Kepler não foi a única perda para a busca de planetas neste ano. Em junho, a Agência Espacial Francesa anunciou a aposentadoria da CoRoT, a primeira sonda espacial com capacidade técnica de identificar planetas. Lançada em 2006, ela teve, no ano passado, uma falha de sistema que impossibilitava o acesso aos seus dados. Mesmo assim, foi um sucesso: durou mais do que o previsto, estudou a estrutura das estrelas e descobriu mais de 20 planetas já confirmados.
Por enquanto, não há substitutos. “Não existe, no momento, nenhum outro telescópio com capacidade e objetivo similares ao Kepler”, afirma José Meléndez, professor do Departamento de Astronomia da Universidade de São Paulo. Por enquanto, segundo o pesquisador, apenas propostas: do lado americano, a missão Tess, prevista para 2017; entre os europeus, CHEOPS, também programada para 2017. Ele cita ainda Plato, um projeto de observatório espacial que está em análise pela Agência Espacial Europeia (ESA, em inglês).
“Agora, em solo, há vários telescópios que podem detectar planetas extrasolares através de técnicas baseadas em variação da velocidade radial. Entre outros, o HARPS, do Observatório Europeu do Sul (ESO, na sigla em inglês), tem tido bastante sucesso”, aponta Nascimento. Desde 2003, o telescópio já encontrou mais de 130 planetas.