Mudanças climáticas impulsionaram ondas de calor neste ano que deve entrar para história como o mais quente já registrado. Estudo mostra ainda que em algumas regiões enfrentaram 150 ou mais dias extras de calor extremo.As mudanças climáticas provocadas pela humanidade expuseram as pessoas em 2024, em média, a 41 dias a mais de calor extremo - uma ameaça à saúde pública. Em algumas áreas no planeta, esse número chegou a 150 dias ou mais.
Os dados são do World Weather Attribution (WWA) e da Climate Central, que apontam que as mudanças climáticas pioraram boa parte dos eventos climáticos hostis à vida na Terra observados neste ano, que entra para a história como o mais quente já registrado.
As regiões mais afetadas pelas altas temperaturas eram as próximas da linha do Equador, principalmente pequenos Estados insulares em desenvolvimento. "Os países mais pobres e menos desenvolvidos do planeta são os lugares que estão expostos a números ainda maiores [que a média de 41 dias]", destacou Kristina Dahl, vice-presidente de ciência climática da Climate Central.
E, o que é pior, as mortes relacionadas ao calor extremo são muitas vezes subnotificadas, segundo os cientistas. Friederike Otto, líder do grupo World Weather Attribution e cientista climática do Imperial College, frisou a importância de educar a população sobre os riscos do calor extremo para prevenir mortes.
"As pessoas não têm que morrer durante ondas de calor. Mas se não conseguimos comunicar de forma convincente que, na verdade, muitos estão morrendo, é muito mais difícil conscientizar", alertou. "Ondas de calor são de longe o evento climático extremo mais letal, onde a mudança climática é o que realmente faz a diferença."
A conclusão dos cientistas é amparada por uma análise comparativa de temperaturas diárias medidas em 2024 ao redor do mundo com as temperaturas mais amenas medidas entre 1991 e 2020. Os resultados não foram revisados ainda por outros cientistas, mas os pesquisadores usaram métodos chancelados por especialistas não envolvidos no estudo.
Um planeta mais quente também significa, além de secas e incêndios, oceanos mais quentes e temporais mais devastadores com maior frequência.
Dos 29 eventos climáticos extremos de 2024 analisados pelos cientistas, 26 estão claramente associados às mudanças climáticas. O El Niño também contribuiu para o quadro, embora não com a mesma intensidade, segundo os pesquisadores.
"Enquanto o mundo continuar queimando combustíveis fósseis, isso só vai piorar"
Cientistas afirmam que o ano de 2024 é um alerta de que o planeta ameaça superar o limite de aquecimento global fixado pelo Acordo de Paris, de 1,5 ºC, em relação à média de temperaturas pré-Revolução Industrial, turbinando eventos climáticos extremos.
Essa meta estabelecida em 2015 visa limitar o aquecimento global para evitar que sejam desencadeadas consequências mais graves e irreversíveis, como o colapso de ecossistemas, e para tentar manter o clima global num patamar habitável. A previsão é de que o planeta supere esse limite em breve, mas a meta só será considerada de fato descumprida se o aumento se mantiver por décadas.
Milhões de pessoas sofreram com o calor extremo neste ano. O norte da Califórnia ardeu, temperaturas insuportáveis foram registradas no México e na América Central, crianças foram colocadas em risco na África Ocidental. No sul da Europa, tamanho calor obrigou as autoridades na Grécia a fecharem a Acrópolis, em Atenas. Crianças ficaram sem aula no sul e sudoeste asiático.
No Brasil, a região amazônica sofreu uma seca histórica e o fogo destruiu dez vezes mais floresta que o desmatamento, avançando também sobre todos os demais biomas. De janeiro a novembro, a área queimada no país superou os 29 milhões de hectares, maior que o estado de São Paulo. E embora o fogo, muitas vezes, tenha sido provocado, condições climáticas desfavoráveis turbinaram seus efeitos devastadores.
"A conclusão é devastadora, mas nada surpreendente: a mudança climática teve um papel nisso, e muitas vezes um papel grande na maioria dos eventos analisados, tornando ondas de calor, secas, ciclones tropicais e chuvas intensas mais prováveis e mais intensos em todo o mundo, destruindo vidas e meios de subsistência de milhões e muitas vezes incontáveis pessoas", afirmou Otto. "Enquanto o mundo continuar queimando combustíveis fósseis, isso só vai piorar."
Jennifer Francis, cientista climática do Woodwell Climate Research Center, que não participou da pesquisa, endossou os resultados. "O clima extremo continuará a se tornar mais frequente, intenso, destrutivo, caro e mortal até que sejamos capazes de diminuir a concentração de gases que levam ao aquecimento da atmosfera", afirmou à agência de notícias AP.
Alerta semelhante foi feito pelas Nações Unidas em um ano que registrou aumento das emissões de dióxido de carbono oriundas da queima de combustível fósseis.
ra/cn (AP, EFE, AFP, ots)