Os diamantes que dão pistas aos cientistas sobre como é o interior da Terra

Quando os geólogos olham para um diamante azul, enxergam muito mais do que sua beleza.

29 jan 2022 - 11h44
(atualizado às 12h12)
O deslumbrante e quase perfeito Diamante Azul de Okavango foi exposto pela primeira vez no Museu Norte-Americano de História Natural de Nova York, nos Estados Unidos
O deslumbrante e quase perfeito Diamante Azul de Okavango foi exposto pela primeira vez no Museu Norte-Americano de História Natural de Nova York, nos Estados Unidos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Conhecidos pela raridade, brilho e beleza, os diamantes foram formados há milhões de anos.

Atualmente, eles podem ser uma promessa de amor eterno, uma demonstração de riqueza ou um objeto de desejo. Mas, no passado, eram atribuídas propriedades curativas aos diamantes. Acreditava-se que usá-los dava força e proteção contra todos os inimigos e todos os males - até contra pesadelos.

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Na Índia, ele era relacionado às divindades védicas e, posteriormente, hindus. Na tradição budista maaiana, o Sutra do Diamante, datado de 868 d.C., afirma que ele é um material que serve para "atravessar a ilusão mundana para iluminar o que é real e eterno".

Mas talvez os mais poéticos tenham sido os gregos antigos. Para eles, os diamantes eram lágrimas derramadas pelos deuses ou fragmentos de estrelas cadentes.

O que é maravilhoso é que a verdade sobre os diamantes é quase tão extraordinária quanto todas essas crenças.

Diamantes são excepcionais

Os diamantes são compostos pelo mesmo elemento que é a base da própria vida: o carbono.

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São o material mais duro que existe e podem suportar pressão suficiente para recriar as condições extremas dos locais onde nasceram. Mas, quando submetidos a uma combinação correta de calor e oxigênio, eles desaparecem, tornando-se apenas uma lufada de dióxido de carbono.

O diamante Hope ("Esperança"), também conhecido como "Le Bijou du Roi" ("A Joia do Rei") ou "Azul Tavernier", é um grande diamante azul escuro de 45,52 quilates
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Os brilhantes se formam naturalmente em poucos lugares da Terra: nas profundezas das áreas cratônicas continentais ou em locais de impacto de meteoritos. E chegam à superfície de forma explosiva, no magma de algumas das erupções mais raras da história - dos poucos vulcões que têm raízes nos pontos mais profundos do planeta.

Nem todos os diamantes são transparentes, nem possuem coloração amarelada ou marrom, como normalmente os imaginamos. Existem também diamantes coloridos, que chamamos de "cor fantasia": os vermelhos, azuis e verdes são mais raros, enquanto os de coloração laranja, violeta, amarelos e verdes amarelados são os mais comuns.

Os diamantes coloridos são chamados de diamantes de "cor fantasia". Alguns, de tão raros, são muito valiosos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Mas, após a sua formação, todos eles têm capacidade própria de abrigar e proteger qualquer mineral contido nas suas estruturas cristalinas. Essa característica fornece aos cientistas uma amostra especial da mineralogia e condições existentes a quilômetros de profundidade, abaixo da superfície do planeta.

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Neste sentido, o diamante azul é excepcional.

Os diamantes são profundamente interessantes

Em sua maioria, os diamantes são formados em profundidades de cerca de 150 km abaixo dos continentes. Mas os diamantes azuis nascem em profundidade quatro vezes maior, no manto inferior da Terra.

O Diamante Azul de Okavango é um diamante de "cor fantasia azul escuro" que pesa 20,46 quilates
Foto: BBC News Brasil

Isso foi descoberto somente em 2018, pois essas pedras preciosas "são imensamente caras, o que dificulta o acesso a elas com fins de pesquisa científica", segundo explica o principal autor do estudo que revelou essa característica, o geólogo Evan Smith, do Instituto Gemológico Norte-Americano.

Os brilhantes tendem a ser muito puros e não ter "inclusões" - pequenos pedaços de um material que não é diamante e que estava em local próximo quando o diamante estava se formando. Mas são justamente essas imperfeições que fornecem mais informações aos cientistas.

Já foi possível analisar 46 diamantes azuis com inclusões e determinar sua origem entre 410 e 660 km de profundidade. Várias das amostras chegaram até a demonstrar claras evidências de que se originaram a mais de 660 km abaixo da superfície - ou seja, no manto inferior. Isso os transforma em verdadeiras cápsulas do tempo, que contêm informações quase impossíveis de se encontrar em outros locais.

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"Não podemos chegar ao interior da Terra. Os diamantes se formam ali e normalmente encapsulam o que quer que esteja lá embaixo", afirmou à BBC George Harlow, geólogo e curador das Salas de Gemas e Minerais do Museu Norte-Americano de História Natural de Nova York. "Eles são como nossas sondas espaciais. Às vezes, alguns chegam à superfície da Terra para podermos estudá-los."

Um enigma envolto em um mistério

Durante a maior parte da história, os diamantes azuis foram um mistério. Não se sabia o porquê da sua bela coloração.

Até que finalmente se descobriu que a cor se devia a traços de boro, um elemento químico metaloide que pode entrar na estrutura da rede cristalina de um diamante durante seu crescimento.

O diamante Azul Farnese foi um presente para Elizabeth Farnese, filha do duque de Parma, na Itália, pelo seu casamento com o rei Felipe 5° da Espanha em 1715
Foto: EPA / BBC News Brasil

Mas, ao ser solucionado esse mistério, surgiu outro enigma. Se os diamantes azuis se formam no manto da Terra e o boro se concentra na crosta, onde esses diamantes conseguiram o boro? A resposta para essa charada geoquímica nos daria pistas sobre as profundezas do nosso planeta.

A hipótese apresentada pelo grupo de pesquisa liderado por Smith é que o boro veio do leito marinho e foi transportado para o manto da Terra quando uma placa tectônica deslizou para baixo de outra, em um processo conhecido como subducção. Ao ser incorporado a minerais ricos em água, ele pode penetrar profundamente no fundo do mar, até chegar à parte do manto da placa oceânica.

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Descobrir traços de boro em diamantes que nascem a essa distância da superfície da Terra indica que os minerais que contêm água viajam muito mais profundamente no manto do que se imaginava, o que sugere a possibilidade de existir um ciclo hidrológico nas grandes profundezas.

Como disse Harlow, os diamantes azuis "não são apenas belos e raros, mas extremamente interessantes. Eles nos ensinam muito sobre o nosso planeta."

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