Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) descobriram que um trecho da sequência genética parece exercer um papel importante na regulação da metástase, o mecanismo celular que permite a disseminação do câncer de um órgão para outro, criando tumores em outras partes do organismo. Um estudo feito no Centro de Terapia Celular (CTC) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto revela que o RNA Hotair, um gene localizado no cromossomo humano 12, atua de maneira determinante nesse processo.
Essa descoberta pode significar uma nova abordagem no tratamento do câncer: ao bloquear a ação do Hotair, cientistas poderiam combater a metástase a partir do tratamento local do câncer, que então não se disseminaria. Seria possível também detectar as metástases em estágio inicial ou ainda desenvolver drogas que impeçam o desenvolvimento da doença. A pesquisa brasileira foi descrita na edição de setembro da revista Pesquisa, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e enviada ao periódico especializado Stem Cells.
O estudo indica que esse RNA é responsável por ativar no tumor a chamada transição epitélio-mesenquimal (EMT, na sigla em inglês), um processo que altera a morfologia e a funcionalidade de uma parcela das células do câncer. Além de promover o processo de espalhamento da doença pelo organismo via metástase, a EMT também ajuda a perpetuar as células do próprio tumor original. “As células do câncer ganham a capacidade de se desprender do tumor original, migrar pela corrente sanguínea e aderir a outros órgãos e gerar novos cânceres”, explica o geneticista Wilson Araújo da Silva Junior, do CTC, autor do artigo.
Combate à metástase e reprogramação celular
Às vezes, a químio e a radioterapia matam a maior parte das células do câncer, mas não as que fizeram a transição epitélio-mesenquimal - as "células-tronco" do câncer. É por meio delas que o tumor original volta ou aparece em outro lugar. A transição epitélio-mesenquimal normalmente ocorre nos estágios iniciais de desenvolvimento de tumores. Assim, os pesquisadores acreditam que, se não houver essa transição nociva denominada EMT, ficaria mais difícil para um tumor se disseminar em um organismo.
“No experimento, quando silenciamos o Hotair, vimos que não ocorre a EMT", comenta Marco Antonio Zago, outro autor do artigo e coordenador do CTC, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) mantidos pela Fapesp. Ainda é cedo para dizer com certeza, mas bloquear a ação do Hotair pode ser uma forma de combater a metástase.