A partir dos próximos meses, uma vacina brasileira contra o vírus HIV, causador da aids, será testada em macacos. Uma abordagem diferente no desenvolvimento da vacina, que visa as regiões constantes do vírus e se mostrou eficaz em camundongos, é a esperança do pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Edecio Cunha Neto, um dos responsáveis pelo projeto denominado HIVBr18, patenteado por ele e seus colegas Jorge Kalil e Simone Fonseca.
Uma vacina efetiva é vista hoje com muita cautela pelo pesquisador. “O que podemos afirmar é que as premissas para o conceito e a elaboração da vacina são diferentes das utilizadas pelas vacinas contra o HIV testadas até o momento”, afirma Cunha Neto, em entrevista ao Terra.
De acordo com o pesquisador, o motivo para que ainda não se tenha uma vacina contra o HIV reside em sua alta taxa de mutação. “Isso gera alta diversidade (até 20%) e ‘escape’ da resposta imune; além disso, ataca justamente os linfócitos T CD4+, os mais importantes para potenciar a resposta imune global. Com esses dois mecanismos, fica muito dificil uma vacina conseguir proteger contra o vírus em uma pessoa - e pior ainda, em uma comunidade, já que cada soropositivo carrega um vírus um pouco diferente do outro”.
Diferencial
Assim, a ideia dos pesquisadores brasileiros é que a vacina se foque apenas nas regiões mais conservadas (constantes) do HIV, que são iguais para pessoas diferentes e não apresentam mutação. Além desse aspecto primordial, segundo Cunha Neto, a vacina foi desenvolvida para desencadear respostas imunes na grande maioria dos indivíduos e desenhada para estimular as células T CD4+. “Todas essas características visam a contornar problemas das vacinas já testadas”, explica.
Essas regiões constantes foram identificadas através de bancos de dados de sequências de DNA do HIV. “Depois de identificadas essas regiões, usamos um algoritmo para identificar as regiões que provavelmente seriam reconhecidas pelo maior número de pessoas, e chegamos assim aos 18 fragmentos do HIV contidos na vacina”, revela Cunha Neto.
Após verificações bem-sucedidas com camundongos, o próximo passo terá testes com macacos, que podem começar já no próximo mês. Inicialmente, serão usados quatro animais em um protocolo piloto, no Instituto Butantan. No primeiro semestre de 2014, devem ter início verificações com vetores diferentes, a fim de escolher aquele que oferece a resposta imune mais forte.
Depois de dois anos, se tudo der certo, chegará a vez dos testes com humanos. O ensaio clínico de fase 1 terá uma população saudável, com baixo risco de contrair o HIV, que será acompanhada por vários anos. Nesse primeiro momento, além de avaliar a segurança do imunizante, o objetivo é verificar a magnitude da resposta imune que ele é capaz de desencadear e por quanto tempo os anticorpos permanecem no organismo.
“Nossa expectativa é que a HIVBr18 se torne uma vacina definitiva contra o HIV”, afirma Cunha Neto. “A vacina pode ser utilizada isoladamente ou junto com outras vacinas contra o HIV convencionais - o que já testamos com camundongos. Mas são várias etapas ainda antes que se possa dizer qualquer coisa”.
Para as fases finais, porém, os pesquisadores precisarão contar com aporte financeiro, já que os custos estimados até a terceira fase clínica somam R$ 250 milhões. Até agora, desde 2002, o projeto recebeu cerca de R$ 1 milhão, do governo federal e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
Desafio
Desde a identificação do retrovírus, passaram-se 30 anos. Embora o ritmo de novas infecções tenha diminuído, o vírus HIV é portado hoje por aproximadamente 35 milhões de pessoas no mundo. Do início da década de 1980 até junho de 2012, o Brasil teve 656.701 casos registrados de aids (condição em que a doença já se manifestou), de acordo com o último Boletim Epidemiológico.
Se uma previsão de 1984 estivesse correta, esses números seriam bem menores. Em abril daquele ano, a então secretária de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, Margaret Heckler, deu uma declaração otimista a respeito de uma vacina contra o HIV, após conversa com o codescobridor do vírus, Robert Gallo. Em coletiva de imprensa, anunciou: "Esperamos ter uma vacina pronta para testes em dois anos".
Os fracassos desde então foram inúmeros. Mas há um motivo recente para otimismo: em 2009, os resultados do maior teste de vacina contra HIV, com mais de 16 mil participantes, na Tailândia, apresentaram nível de eficácia de 31% em uma combinação de duas vacinas. O projeto RV144, no entanto, não atingiu a eficácia necessária para garantir seu uso fora de testes clínicos. Mesmo assim, foi a primeira vez que uma vacina resultou em proteção contra o vírus.