Com uma camiseta da Adidas e sem o conhecido jaleco branco, o sorridente físico alemão Joachim Wendorff nem parece estar em um laboratório da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre. Mas o trabalho que o cientista da Universidade de Marburg faz parece vir diretamente do futuro: a criação de tecidos humanos com nanotecnologia e células-tronco.
O pesquisador foi eleito pela agência Reuters como um dos 100 mais importantes na área de ciência dos materiais (que trabalha na criação de novos materiais) no mundo e veio ao Brasil pelo programa Ciência sem Fronteiras. Para ele, o País hoje é um dos melhores lugares do mundo para trabalhar no seu campo. "Para esta área particular, engenharia de tecidos com células-tronco, algumas das melhores pesquisas estão sendo feitas aqui", diz ao Terra Wendorff, que lembra que uma vantagem daqui é a legislação, já que muitos países da Europa, como a própria Alemanha, proíbem ou restringem muito a pesquisa com células-tronco embrionárias - apesar de outros, como o Reino Unido, permitirem.
O cientista alemão afirma ainda que a escolha pelo País foi feita pela parceria de longa data com a brasileira Patrícia Pranke, que encabeça as pesquisas do Laboratório de Hematologia e Células-Tronco da UFRGS, e, segundo ele, pela facilidade em conseguir verba para estudos. "O Brasil é muito forte em pesquisa (...) o financiamento de pesquisa é muito bom na Alemanha, realmente muito bom no Brasil, mas muito pobre em muitos países, inclusive na Europa. Se você quer fazer uma pesquisa nova, e muitos cientistas jovens querem, é muito, muito difícil conseguir dinheiro. Não aqui."
Quanto ao Ciência sem Fronteiras, que manda estudantes para fazer graduação ou pós-graduação no exterior e traz pesquisadores de renome ao País, Wendorff elogia o modelo: "Esse é, a princípio, o modo mais efetivo de fazer pesquisa. Isso é algo que tenho feito há décadas. Eu mandei estudantes para o Japão, para a África do Sul, Estados Unidos - para cooperação. A verdadeira pesquisa não é feita por Patrícia e por mim, mas pelos estudantes, nós somos supervisores."
O físico se dedicará pelos próximos três anos a pesquisas do laboratório da UFRGS, tendo que ficar entre um e três meses por ano no Brasil - quando não estiver por aqui, ele ainda vai supervisionar o que é feito na universidade. Sobre a experiência de viver no País sem falar português, Wendorff diz não ser um grande problema. "Tentam entender o que estou dizendo, mesmo que não falem inglês (...) muitos falam pouco, mas o suficiente."
Nanotecnologia
O pesquisador alemão ficou reconhecido por causa de seu trabalho com nanomateriais. Ele conta sobre os diversos trabalhos que fez, como nanohastes que entregam medicamentos diretamente no local do corpo que o médico quer, o que, se acabar nos hospitais, pode potencializar o efeito das substâncias e diminuir - ou até acabar com - os efeitos colaterais. Na tela do computador ele mostra uma máquina criada com seus estudantes na Alemanha para queimaduras e outros machucados. O equipamento joga um spray na área ferida e nanofibras formam o que lembra uma teia de aranha repleta de medicamentos. O resultado é a potencialização do tratamento e a recuperação - que é até 10 vezes mais rápida que a tradicional.
Em uma área diferente, na agricultura, Wendorff mostra outra "teia de aranha" criada na Alemanha que pode substituir o uso de agrotóxicos. O nanomaterial utilizado é repleto de feromônios que funcionam para afastar insetos da plantação de uvas na qual foi testado. Com o uso da tecnologia, a plantação ficou 96% mais protegida, afirma o cientista, e as nanofibras continuaram no local por três meses. "E, para cobrirmos 100 metros quadrados, precisamos de isso aqui de nanomaterial", diz fechando os dedos no diâmetro de uma moeda ou de um dado. O cientista conta ainda que trabalhou também na criação de materiais ópticos e outras tecnologias.
Na universidade brasileira, o alemão ajuda produzindo moldes de nanomaterial e o ambiente correto para a criação de tecidos. Na tela do computador, ele mostra como uma célula-tronco foi transformada em uma de osso. "No tecido, há uma célula que é cercada por uma matriz e ela se comunica com essa matriz e com outras células e assim consegue viver. O que nós iremos fazer aqui é preparar essa matriz com as (nano) fibras, muito menores, 10 mil vezes menores que um fio de cabelo", diz.
"Você precisa prover um ambiente que seja exatamente apropriado para elas. As células-tronco embrionárias são diferentes das demais, então precisamos encontrar o material adequado", diz o físico. E isso envolve fazer o nanomaterial exato como "molde", usar uma proteína correta na superfície das nanofibras, prover a quantidade exata e constante de oxigênio e dióxido de carbono, entre outros detalhes. "Você precisa do ambiente correto - em vários aspectos."
Sobre o futuro da pesquisa com nanotecnologia e células-tronco, o pesquisador se mostra otimista: "Em uma situação de pesquisa, consegue-se fazer artérias, nervos, até medulas espinhais", diz. "Por exemplo, nós diferenciamos as células-tronco em células progenitoras neurais, e então essas células progenitoras neurais vão se diferenciar em neurônios maduros", complementa Patrícia. Mas essas pesquisas ainda estão longe dos hospitais. "Nós fazemos nos animais e, se está tudo OK e se provamos que é seguro e eficiente, então podemos sugerir para o futuro uso em pacientes", diz a brasileira.
Algumas pesquisas, explica Wendorff, já estão na fase clínica, mas apenas com poucos participantes. Se tudo der certo, ainda precisarão passar por testes em milhares de humanos. "A aceitação para você usar na escala do dia a dia leva 10 anos em média", diz o alemão. "Por exemplo, se você comparar com qualquer tipo de medicamento, você precisa de oito a 10 anos, até 15 anos para provar que o medicamento é seguro - por que com as células-tronco seria diferente?", questiona Patrícia.