Remédios para todo o mundo é meta difícil de alcançar, dizem especialistas

Indústria farmacêutica cobra caro das nações ricas a fim de favorecer as mais pobres. Mas preço não é tudo: muitos continuam sem acesso a medicamentos. Fatores culturais também são relevantes

24 set 2013 - 10h22
(atualizado às 10h30)

Os medicamentos se tornam automaticamente mais baratos assim que suas patentes expiram. É aí que outras empresas podem produzir versões genéricas, ou seja, o mesmo princípio ativo sob um nome diferente. No entanto, segundo especialistas, se os fregueses de todo o mundo comprassem remédios apenas ao preço de custo, a situação não seria sustentável a longo prazo.

"A indústria farmacêutica precisa ter lucro para poder desenvolver novos medicamentos", diz Anita Katharina Wagner, professora de Saúde Pública da Harvard Medical School, nos Estados Unidos.

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Empresas farmacêuticas como a Sanofi afirmam oferecer medicamentos o mais barato possível nos países em desenvolvimento. Em contrapartida, vendem os mesmos remédios nos Estados Unidos e na Europa acima de seu valor real.

"A mesma vacina é vendida nos Estados Unidos e Europa por 50 euros, na África a 3 ou 4 euros. No meio, estão países como Brasil, África do Sul e Tailândia, que pagam entre dez e 20 euros", explica François Bompart, do programa Acesso a Medicamentos, da Sanofi.

Recursos para novos remédios

O esquema de preços escalonado "faz sentido", na opinião de Joe Kutzin, da Organização Mundial de Saúde (OMS). Especialmente para remédios de alto custo, como os mais novos contra o câncer e o vírus HIV. De outra forma, os habitantes dos países em desenvolvimento não teriam como bancar esses medicamentos.

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No entanto, o escalonamento de preços falha quando se trata de diversas enfermidades tropicais, que acometem apenas os pobres dos países de baixa renda – como é o caso da doença do sono, comum na África. A única forma de desenvolver medicamentos contra essas doenças e salvar vidas, é através de parcerias entre organizações não governamentais, governos e a indústria farmacêutica.

No caso da malária, por exemplo, a empresa GlaxoSmithKline (GSK) trabalha no desenvolvimento de uma vacina em parceria com 11 centros de pesquisa africanos. O projeto conta com apoio financeiro da Fundação Bill e Melinda Gates.

Sistemas de financiamento

Porém, mesmo um medicamento barato pode ser caro demais se o necessitado não dispõe dos meios. Para Kutzin, da OMS, a melhora do acesso ao sistema de saúde e, consequentemente, aos medicamentos, exige sistemas de financiamento da saúde.

"Queremos que os pacientes não tenham que pagar no momento em que precisem recorrer a um serviço de saúde. Ou, pelo menos, não tanto que isso constitua uma barreira. Eles não devem se ver forçados a decidir entre o seu bem-estar financeiro e o físico."

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Tim Evans, diretor do departamento de Saúde, Nutrição e População do Banco Mundial, acrescenta que existem muitas formas possíveis de financiamento. Por exemplo, planos de saúde, "ou impostos sobre cigarro e álcool, que então são encaminhados para os fundos de saúde".

Sucesso na Índia

Na Índia, a Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) apoiou o governo na organização de um sistema de financiamento que possibilita tratamento gratuito nos hospitais para as famílias pobres. Por paciente, o governo indiano paga até 30 mil rúpias (cerca de 340 euros) por ano. Para esse fim, o governo providenciou cartões eletrônicos (smartcards), com os quais as famílias mais pobres se identificam nos hospitais. O programa funciona desde 2008.

Se o custo do tratamento excede 30 mil rúpias, contudo, as famílias têm que pagar. Nishant Jain, do programa Segurança Social, da GIZ na Índia, explica que o valor estipulado para o teto é propositalmente baixo, a fim de que o programa possa atender a mais famílias. "Parece pouco dinheiro, mas é o suficiente. Até agora atendemos 5 milhões de casos, e menos de 2% alcançaram o teto de custos. Assim, pudemos tratar a maioria dentro desse limite".

Jain acredita que, para melhorar o sistema de saúde de um país, é preciso um bom modelo de negócios. Antes de o programa começar na Índia, em muitas áreas rurais quase não havia hospitais, exatamente onde vivem muitas pessoas carentes. "Agora, empresas privadas estão instalando hospitais nessas áreas", conta Jain. "Elas notam que muitos possuem o cartão de saúde lá, e farejam um negócio."

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Formação profissional é vital

"Medicamentos são uma parte importante do abastecimento de saúde, mas muitas vezes não a parte mais crítica", diz Bompart, da empresa Sanofi. "Você precisa de boas enfermeiras, bons médicos, bons especialistas. Remédios sem formação profissional, não faz sentido."

Ele cita o exemplo da epilepsia. A doença neurológica crônica afeta 50 milhões de pacientes no mundo todo, 90% dos quais vivem em países em desenvolvimento. Eles sofrem convulsões recorrentes, embora existam medicamentos capazes de preveni-las. Dados da OMS apontam que em países em desenvolvimento, três quartos de todos os epiléticos não recebem o tratamento adequado.

"Se a epilepsia não é tratada hoje, não é por que os medicamentos são caros. Os pacientes simplesmente não são diagnosticados corretamente", afirma Bompart. Também Speciosa Wandira-Kazibwe, médica e consultora do presidente de Uganda para questões de saúde, aponta a dificuldade de fazer bons diagnósticos em seu país: "Falta tecnologia para diagnosticar as doenças".

Em algumas culturas, acredita-se que os epilépticos são possuídos pelo demônio. Muitas famílias sentem vergonha de ter parentes doentes e os escondem, em vez de buscarem ajuda médica. Programas assistenciais visam a combater esse estigma, esclarecer as comunidades que a epilepsia é apenas uma doença comum, passível de ser tratada. Esse, portanto, seria apenas o primeiro passo para que os pacientes recebam os remédios que os tornarão saudáveis.

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