Antes mesmo do início da estação quente no hemisfério norte, já foram quebrados recordes de temperatura este ano.
A Espanha, por exemplo, sofreu temperaturas em abril - 38,8°C - que seriam fora do comum até no pico do verão.
O sul e o sudeste asiático foram particularmente atingidos por uma onda de calor muito persistente, com recordes de temperatura de todos os tempos registrados em países como o Vietnã (44°C) e a Tailândia (45°C).
Singapura tinha um recorde mais modesto que também foi batido, com temperaturas atingindo 37°C. E Xangai, na China, registrou a temperatura mais alta em mais de um século no mês de maio: 36,7°C.
Sabemos que as mudanças climáticas tornam essas temperaturas mais prováveis, mas ondas de calor de magnitude similar podem ter impactos muito diferentes, dependendo de fatores como a umidade ou a qualidade de preparação de uma região para o calor extremo.
Por isso, como um país úmido como o Vietnã lida com uma onda de calor de 44°C e como compará-lo com o calor seco ou uma onda de calor não tão forte em Singapura, que é ainda mais úmida?
O clima e a fisiologia
A recente onda de calor no sudeste asiático pode vir a ser lembrada pelo seu nível de estresse provocado por calor no corpo.
O estresse térmico é causado principalmente pela temperatura, mas outros fatores climáticos, como umidade, radiação e vento, também são importantes.
Nossos corpos ganham calor do ar à nossa volta, do sol ou dos nossos próprios processos internos, como a digestão e os exercícios. Em resposta, nossos corpos precisam perder parte desse calor.
Nós perdemos um pouco de calor diretamente para o ar à nossa volta e pela respiração. Mas a maior parte do calor é perdida pela transpiração.
Quando o suor na superfície da pele evapora, ele absorve energia da pele e do ar à nossa volta, na forma de calor latente.
Mas os fatores meteorológicos afetam todo este processo. A ausência de sombra, por exemplo, expõe o nosso corpo à luz do sol direta, enquanto a umidade mais alta faz com que a velocidade de evaporação da nossa pele diminua.
É esta umidade que tornou tão perigosa a recente onda de calor no sudeste asiático, que já é uma região do mundo extremamente úmida.
Os limites do estresse térmico
Condições de saúde pré-existentes e outras circunstâncias pessoais podem tornar algumas pessoas mais vulneráveis ao estresse térmico.
Mas o estresse térmico pode atingir um limite acima do qual todos os seres humanos, mesmo aqueles que não são claramente vulneráveis aos riscos causados pelo calor - ou seja, pessoas saudáveis, em forma e bem aclimatadas - simplesmente não conseguem sobreviver, mesmo com nível moderado de esforço.
Uma forma de determinar o estresse térmico é a chamada Temperatura Global de Bulbo Úmido (WBGT, na sigla em inglês).
Em condições totalmente ensolaradas, esta temperatura equivale a cerca de 39°C, combinada com 50% de umidade relativa. Este limite provavelmente terá sido excedido em alguns lugares, durante a recente onda de calor que se espalhou por todo o sudeste asiático.
Em lugares menos úmidos, longe dos trópicos, a umidade e, portanto, a temperatura de bulbo úmido e o risco serão muito mais baixos.
A onda de calor na Espanha no último mês de abril, com temperaturas máximas de 38,8°C, teve temperaturas globais de bulbo úmido de "apenas" cerca de 30°C.
Já a onda de calor de 2022 no Reino Unido, com temperaturas de mais de 40°C, teve umidade de menos de 20% e valores de WBGT de cerca de 32°C.
Dois dos autores deste artigo (Eunice Lo e Dann Mitchell) participaram de uma equipe que, recentemente, usou dados climáticos para mapear o estresse térmico em todo o mundo.
A pesquisa destacou regiões com maior risco de exceder esses limites, incluindo a Índia e o Paquistão, o sudeste asiático, a península arábica, a África equatorial, a região equatorial da América do Sul e a Austrália.
Nessas regiões, os limites de tensão térmica são excedidos com cada vez mais frequência, devido ao aumento do aquecimento global.
Na verdade, a maior parte das pessoas já é vulnerável em níveis bem abaixo dos limites de capacidade de sobrevivência. É por isso que observamos grandes quantidades de mortes em ondas de calor significativamente mais fracas.
Além disso, essas análises globais, muitas vezes, não captam alguns extremos muito localizados, causados por processos microclimáticos.
Um bairro de uma cidade, por exemplo, pode capturar calor com mais eficiência do que o bairro vizinho ou pode ser ventilado por uma brisa fresca do mar, ou estar na "sombra de chuva" de um morro local, o que diminui a sua umidade.
Variabilidade e aclimatação
Os trópicos tipicamente possuem menos variação de temperatura.
Singapura, por exemplo, fica quase no Equador e sua temperatura máxima diária é de cerca de 32°C por todo o ano. Já em Londres, a temperatura máxima típica no meio do verão é de apenas 24°C. Mesmo assim, o recorde de temperatura em Londres (40°C) é maior que o de Singapura (37°C).
Como algumas regiões como o sudeste asiático já sofrem alta tensão de calor com frequência, talvez isso indique que as pessoas sejam bem aclimatadas para lidar com o calor.
Relatos iniciais sugerem que o intenso estresse térmico da recente onda de calor, surpreendentemente, causou poucas mortes diretas - mas ainda não foi publicado o relato preciso das mortes por causas indiretas.
Por outro lado, a relativa estabilidade do calor ao longo do ano talvez deixe as pessoas menos preparadas para as grandes oscilações de temperatura associadas à recente onda de calor.
Não é improvável, mesmo na ausência das mudanças climáticas, que as variações normais possam produzir ondas de calor significativas que quebrem recordes locais em vários graus Celsius. Por isso, até ficar próximo do limite fisiológico pode representar um risco muito grande.
*Alan Thomas Kennedy-Asser é pesquisador de ciências climáticas da Universidade de Bristol, no Reino Unido.
Dann Mitchell é professor de ciências climáticas da Universidade de Bristol, no Reino Unido.
Eunice Lo é pesquisadora de ciências climáticas e saúde da Universidade de Bristol, no Reino Unido.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.