Por que humanos não podem beber água do mar, ao contrário de baleias e golfinhos

Muito longe de nos hidratar, beber água do mar nos desidrata... com rapidez alucinante.

5 jan 2025 - 15h15
Beber água é essencial para o ser humano, mas a água do mar causa sérios problemas
Beber água é essencial para o ser humano, mas a água do mar causa sérios problemas
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A dúvida entre beber ou não água do mar é o dilema mais torturante que um náufrago pode enfrentar.

Não é para menos. Deve ser arrepiante ficar morrendo de sede, sem poder tomar um gole sequer das toneladas de água à sua volta.

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Mas é preciso não cair nesta tentação. Os marinheiros conhecem profundamente o risco causado ao atender a este premente desejo.

Muito longe de nos hidratar, beber água do mar nos desidrata... com rapidez alucinante.

O que acontece quando perdemos água?

Do ponto de vista químico, nós, seres humanos (e os demais organismos vivos do planeta) somos sistemas instáveis, constituídos basicamente por água com dissolução de sais, entre outras substâncias.

A água é o meio no qual acontecem todas as nossas reações bioquímicas. Por isso, este elemento é imprescindível para garantir nossa subsistência metabólica.

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Como vivemos em um ambiente terrestre (seco), a água tende a escapar do nosso meio interno, o que causa desidratação e, consequentemente, a morte. Isso só não acontece porque a evolução selecionou, ao longo da nossa linhagem, um magnífico envoltório que, como um tecido sintético, não deixa a água passar.

Seu nome é pele - e sua capacidade impermeabilizante se deve a uma proteína situada nas suas camadas mais externas: a queratina.

Beber água do mar causa sério risco de desidratação para os seres humanos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Mas o corpo humano está muito longe de ser um compartimento estanque. Na verdade, a água evapora continuamente através de regiões do corpo que precisam ser mantidas úmidas para manter sua funcionalidade, como os olhos, as fossas nasais, a boca, a uretra, o ânus e a vagina.

Paralelamente, eliminamos nossos restos nitrogenados venenosos, resultantes do catabolismo proteico, na forma de urina - que é, basicamente, ureia diluída em água.

Por fim, a "lona queratínica" precisa ter poros para podermos suar, já que esta é a nossa forma de nos refrigerarmos quando faz calor.

Seja qual for o motivo, a realidade é que nós perdemos continuamente nosso precioso e imprescindível líquido vital.

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Recuperar a água perdida requer que a "roubemos" do nosso reservatório hídrico principal, que é o sangue. Com isso, a volemia (o volume sanguíneo) se reduz e, com ela, a pressão arterial.

Esta perigosa situação é detectada pelos receptores cardiopulmonares e barorreceptores, ativa o sistema renina-angiotensina (SRA) e reduz o peptídeo natriurético atrial. As duas ações são dipsogênicas, ou seja, elas desencadeiam a sensação de sede no cérebro.

Assim que somos informados, nós reagimos bebendo água. Nós a absorvemos através do intestino até a corrente sanguínea pelos capilares, recuperamos o volume sanguíneo e tudo volta a se equilibrar.

E se a água tiver sal?

Se bebermos água do mar, o intestino irá absorvê-la da mesma forma. Com isso, a água chegará ao sangue junto com seus sais - basicamente, cloreto de sódio, ou sal de cozinha.

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Os rins irão tentar manter o equilíbrio osmótico a todo custo e tenderão a eliminar o excesso de sal através da urina.

Traduzindo em números, o rim humano pode eliminar do sangue até cerca de seis gramas de sódio por litro de urina excretada.

Muitos pensam que os peixes, por viverem 'dentro d'água', não precisam lutar contra a desidratação – o que não é verdade
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Como a água do mar contém cerca de 12 gramas de sódio por litro, se bebermos um litro de água salgada, iremos acumular seis gramas de sal sem o equivalente em água para diluição.

Em outras palavras, para eliminar o sal de um copo de água do mar, deveríamos expelir dois copos de urina, o que nos deixaria mais desidratados do que antes de beber.

O mais grave é que, além do cloreto de sódio, a água do mar contém sulfato de magnésio, uma molécula que retém a água no interior do intestino, impedindo sua absorção. Por isso, ela é o componente básico de um tipo muito popular de laxante.

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Pobre náufrago! Agora, ele está com mais sede do que antes e, ainda por cima, com diarreia!

Como fazem os peixes, tartarugas e crocodilos?

A evolução solucionou este problema osmótico com estratégias muito diferentes.

Em princípio, poderíamos pensar que os peixes, por viverem "dentro d'água", não precisam lutar contra a desidratação. Mas não é verdade.

Dependendo das particularidades osmóticas de cada grupo e sempre em quantidades menores que os vertebrados terrestres, a fisiologia dos peixes passa também pela necessidade de reposição de água. Isso significa que eles também precisam eliminar os íons de sódio excedentes.

Os peixes ósseos não urinam. Eles expelem os sais através das brânquias. Já os tubarões e similares, embora também tenham brânquias, são mais criativos e eliminam os sais pelas fezes.

Eles conseguem fazer isso filtrando duplamente seu sangue, primeiro nos rins (como qualquer outro vertebrado) e, depois, pela glândula retal, um divertículo contrátil próximo ao ânus (ou cloaca).

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Diferentemente dos peixes, as baleias não bebem água
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Outros vertebrados que também se alimentam e vivem no mar também possuem estas glândulas, que concentram e secretam o sal, mas em outras regiões da sua anatomia.

Por isso, as aves marinhas e alguns répteis marinhos têm as glândulas localizadas no nariz, enquanto, em algumas tartarugas marinhas, elas ficam nas órbitas oculares.

As mesmas glândulas ficam embaixo da língua nas serpentes marinhas e em cima da língua, nos crocodilos marinhos asiáticos e norte-americanos.

A opção das baleias e golfinhos

Dentre este diverso e variado mostruário de fezes, mucos, lágrimas e salivas ultrassalgados, qual deles é adotado pelos mamíferos marinhos?

Surpreendentemente, eles não apresentam nenhum tipo de glândula salina. Ou seja, eles não possuem órgãos de secreção de sal, além dos rins.

Poderíamos então imaginar que seus rins devem ser muito eficientes, capazes de produzir uma urina extremamente salgada.

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Mas, embora sua urina realmente seja muito concentrada, os leões-marinhos, focas, baleias, marsupiais, orcas e golfinhos optaram por uma solução alternativa muito curiosa: não beber água.

Sua estratégia é surpreendentemente distinta. Ela consiste em aproveitar o trabalho osmorregulador das suas presas. E o fazem de duas formas.

De um lado, os fluidos dos animais caçados (basicamente, seu sangue) são sua principal fonte de água. Além disso, eles geram água de forma bioquímica, a partir da própria "carne" do animalzinho que estão comendo.

Poderíamos dizer que esta é uma "água metabólica", gerada como produto principal da sua bioquímica.

O processo é simples. Os hidratos de carbono, gorduras e proteínas da presa são digeridos no estômago do cetáceo (ou do pinípede, se pensarmos em uma foca, no lugar do golfinho). Eles são absorvidos no seu intestino e distribuídos pelo sangue para todas as células do corpo.

Ali, já degradados em ácidos tricarboxílicos, eles entram nas suas prodigiosas máquinas biológicas, que são as mitocôndrias, para obter energia e algo mais: valiosíssimos íons de hidrogênio (H+).

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Depois, é só somar os H+ ao oxigênio que respiram (O2) para conseguir o milagre: H2O.

Este processo é chamado de respiração celular. Ele ocorre de forma generalizada nos animais, como organismos aeróbios, mas nem todos têm o mesmo valor relativo.

Para um animal que bebe líquidos, as moléculas de água geradas são elementos "de sobra" eliminados diretamente, gerando mais urina.

Mas, para os mamíferos marinhos, as mitocôndrias são verdadeiras "pedras filosofais da bioquímica", capazes de gerar o mais valioso dos tesouros: a água.

*A. Victoria de Andrés Fernández é professora titular do Departamento de Biologia Animal da Universidade de Málaga, na Espanha.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em espanhol.

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