Uma das mais importantes revistas científicas do mundo, a americana Science elegeu como o maior avanço científico de 2024 o desenvolvimento do lenacapavir - remédio injetável capaz de prevenir em praticamente 100% a infecção pelo HIV. A despeito de avanços na prevenção e no tratamento, o vírus da Aids continua infectando mais de um milhão de pessoas por ano em todo o mundo.
Embora a nova droga não seja uma vacina - ela não 'ensina' o sistema imunológico a impedir a entrada do vírus no organismo --, na prática, funciona como um imunizante, ao deter a replicação do HIV. Por isso, tem sido apontada como o divisor de águas na epidemia de Aids.
A medicação ainda precisa ser aprovada pelas agências sanitárias (caso da Anvisa, no Brasil, e do FDA, nos Estados Unidos) e só deve estar disponível a partir de 2026. Mas já crescem as discussões sobre quem terá acesso ao produto.
Cada dose oferece proteção por seis meses. Testes clínicos realizados em mulheres e adolescentes na África revelaram proteção de 100%, enquanto testes com pessoas de diferentes gêneros em vários continentes apresentaram proteção de 99,9%.
"No último congresso internacional de HIV e Aids, ficou explícito para todos os gestores do mundo que o lenacapavir é a resposta mais próxima à vacina contra o HIV e à eliminação da transmissão do vírus e da síndrome no mundo", disse o diretor do Departamento de HIV, Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde, Draurio Barreira, na 45ª reunião do conselho executivo do Unitaid em Joanesburgo, África do Sul.
A Unitaid é uma organização internacional criada para promover projetos que objetivam ampliar o acesso a medicamentos a preços reduzidos,
"Contudo, o alto custo do medicamento é um desafio, particularmente para países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. Por isso, fomos enfáticos durante a reunião da necessidade da criação de uma aliança global para acesso ao remédio."
A farmacêutica Gilead, responsável pela inovação, fez acordo de licenciamento com seis laboratórios, para garantir a produção de uma versão genérica de baixo custo do lenacapavir, que será distribuída para os 120 países mais pobres do globo.
No entanto, nações consideradas de renda média — como o Brasil e boa parcela da América Latina, onde parte dos estudos clínicos sobre o novo fármaco foram realizados — ficaram de fora dessa lista.
Com isso, há um temor de que os programas de saúde pública desses países não terão condições financeiras de custear o tratamento. Pesquisadores ingleses, alemães e americanos estimam que duas doses anuais do medicamento (que ofereceriam proteção por um ano) custem, por paciente, algo entre US$ 25.395 e 44.918 (ao redor de R$ 153 mil e 271 mil, na cotação atual).
O lenacapavir age na cápsula de proteína que envolve o material genético do vírus. Ao tornar esse invólucro extremamente rígido, a droga bloqueia estágios cruciais na replicação do HIV. O remédio foi inicialmente desenvolvido como uma terapia de resgate para pacientes resistentes a outras drogas
Na verdade, trata-se de uma Profilaxia Pré-Exposição (PrEp). A vantagem é que apenas duas injeções subcutâneas a cada seis meses oferecem proteção por um ano inteiro. Outras drogas usadas na PrEp precisam ser tomadas diariamente, na forma de comprimidos, ou por meio de injeções mais profundas.