Ratos “alcoólatras” dão pista para tratar vício em humanos

Cientistas identificaram alterações semelhantes em organismos de ratos e humanos, que podem indicar pré-disposição

21 jun 2018 - 15h00
(atualizado em 9/7/2018 às 12h28)

O álcool não vicia só humanos: ratos também são suscetíveis ao uso compulsivo desta droga. Assim como Homo sapiens dependentes da substância, parte dos roedores a consome mesmo com consequências negativas – como a presença de líquido de gosto ruim e até mesmo choques elétricos.

A similaridade entre este comportamento e o de humanos alcoólatras pode ser um caminho para a neurociência entender os processos presentes no cérebro de pessoas dependentes de álcool. Talvez até desenvolver tratamentos mais eficientes.

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A descoberta será publicada nesta sexta-feira (22) pela revista científica Science sob o título "A molecular mechanism for choosing alcohol over an alternative reward" ("Um mecanismo molecular para escolha do álcool sobre uma recompensa alternativa", em tradução livre). Envolveu pesquisadores de universidades norte-americanas e suecas.

O Terra conversou com um dos cientistas responsáveis, Markus Heiling, da Universidade de Linköping, na Suécia. Segundo ele, o alcoolismo já foi curado em ratos de várias maneiras, mas os medicamentos criados a partir dessas pesquisas falharam em estágios mais avançados de desenvolvimento. “Achamos que nossa estratégia tem mais chances de identificar tratamentos que funcionem”, disse.

Os ratos e o álcool

Testes foram feitos em ratos de laboratório
Testes foram feitos em ratos de laboratório
Foto: VseBogd / iStock

A maior parte dos ratos, assim como a dos humanos, consegue conviver com a ingestão de álcool sem se viciar, explicam os cientistas. Após os animais serem ensinados a tomar sozinhos a droga, foi oferecida a eles a possibilidade de escolherem entre o álcool e uma solução doce. A maioria optou pelo doce, em uma proporção parecida com a de humanos que não se viciam.

Essa primeira etapa foi feita com apenas 32 animais. Para continuar o estudo, os pesquisadores usaram 620 ratos, criando uma base estatística mais consistente. Desses, 95 continuaram preferindo o álcool à solução doce.

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Os cientistas testaram até onde os animais que preferiam álcool estavam dispostos a ir pela droga. Passaram a adulterá-la com quinino, uma substância de gosto ruim. Também deram choques elétricos cada vez que um rato escolhia o álcool. 

Esse grupo mostrou resistência às adversidades. O que mais provavelmente acometeu os roedores não foi exatamente alcoolismo, porque esse é um transtorno humano, mas algo parecido.

Os resultados “indicam que os ratos que preferem álcool demonstram uma constelação de condutas que se assemelham às consideradas em diagnósticos de dependência”, escreveram os autores do estudo. Por exemplo: “uma crescente motivação para obter e tomar a droga, dispensando tempo e esforço excessivos”.

A ponte entre ratos e humanos

Depois, os cientistas examinaram a expressão gênica em regiões do cérebro dos ratos supostamente ligadas ao uso compulsivo do álcool. Eles compararam os resultados obtidos dos animais que preferiam álcool com os testes feitos naqueles que optavam pela solução doce. As maiores divergências apareciam em uma parte conhecida como amígdala cerebelosa, mais precisamente em uma substância neurotransmissora conhecida como GABA.

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A última etapa da pesquisa foi examinar organismos de pessoas mortas com dependência de álcool e sem dependência. As diferenças entre humanos dependentes e não-dependentes se mostraram similares às observadas nos grupos de ratos.

Essa divergência, em tese, pode ser uma chave para a compreensão e tratamento do vício. Haveria uma pré-disposição genética ao alcoolismo ligada ao GABA.

O psiquiatra e professor da USP Arthur Guerra analisou o artigo a pedido do Terra, e falou da perspectiva de quem trabalha no tratamento de humanos. “No fundo, o que se está buscando é uma vacina. Será que se a gente desse alguma vacina essa pessoa não ficaria dependente do álcool? É uma pergunta interessante”, disse.

Segundo o professor, a causa do vício em álcool não é conhecida. Ele faz um paralelo com a tuberculose. “O que os médicos tisiologistas em 1890, 1900, sabiam? Sabiam fazer o diagnóstico. Além disso, sabiam que se a pessoa fosse para as montanhas, ficava melhor. Mas naquela época os médicos não sabiam que a razão dessa tosse, desse escarro, era o bacilo de Koch.”

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“Hoje, na parte do álcool, nós estamos na mesma posição. A gente sabe fazer o diagnóstico. A pessoa tem dependência do álcool, sabe que não pode beber e bebe, tem síndrome de abstinência, fica com tremor… a gente sabe que se a pessoa ficar sem beber nada, melhora muito. Mas a gente não sabe o que leva essa pessoa a ter dependência do álcool", conta Guerra.

O estudo, porém, tem seus limites. Por exemplo, apenas ratos machos foram usados nos testes. “Não temos ideia se esse mecanismo é relevante para fêmeas também”, diz o suéco Markus Heiling. “Ainda falta muito trabalho antes de tratamentos baseados nessa pesquisa estarem disponíveis”.

Apesar das limitações atuais, há um esforço em curso para transformar os achados em novos medicamentos. Segundo o cientista responsável, o grupo de pesquisadores está trabalhando junto a uma empresa farmacêutica com esse objetivo.

As recompensas

Mesmo com um eventual novo e eficiente medicamento, é necessário que as pessoas viciadas em álcool tenham uma alternativa à bebida – como, no laboratório, os ratos tiveram a opção da solução adocicada.

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“Se uma pessoa não tem nada além do álcool como fonte de recompensa, e oferecemos a ela um tratamento que tira essa recompensa, isso claramente não é uma oferta muito atrativa”, explica Markus Heiling. “Achamos que a mais importante recompensa natural é a que vem de interações sociais com outras pessoas”

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Fonte: Redação Terra
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