O Brasil "está de volta e pronto para retomar o protagonismo na luta contra a crise climática". Foi o que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse na quarta-feira (16), em seu discurso na 27ª Conferência do Clima da ONU (COP27). A frase é uma resposta a críticas internacionais nos anos recentes, com o país perdendo boa parte de seu papel global na defesa do ambiente.
"Vamos retomar o monitoramento e a vigilância da Amazônia, e combater toda e qualquer atividade ilegal: seja garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida", prometeu Lula na COP. Especialistas ouvidos por Byte acreditam que as metas são possíveis, mas Lula terá bastante trabalho para sanar os danos deixados pelos governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL).
Durante os debates eleitorais deste ano, Lula foi acusado de recordes de desmatamento em seu governo por Bolsonaro. De fato, a área total de floresta destruída durante os três primeiros anos do governo Lula foi maior em comparação com o mesmo período de Bolsonaro no cargo.
Por outro lado, a taxa de desmatamento foi reduzida significativamente no governo petista e chegou aos menores patamares históricos entre 2006 e 2015, com Lula dando lugar a Dilma Rousseff na presidência. A área desmatada por ano também caiu entre 2003 e 2015.
O legado negativo de Bolsonaro na Amazônia
O Brasil caiu cinco posições no ranking de proteção em 2022 publicado anualmente pelas ONGs ambientais Germanwatch e New Climate Institute, além da rede Climate Action Work. A queda foi de nível "médio" para "baixo" e o país foi criticado por ausência de políticas mais efetivas em relação ao clima, além de cortes governamentais em instituições.
Durante o governo Bolsonaro, alguns órgãos de preservação sofreram cortes profundos no orçamento, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Também durante o mandato atual, a Noruega, principal financiador do Fundo Amazônia, maior programa de combate ao desmatamento no país, suspendeu o repasse de 300 milhões de coroas norueguesas, o equivalente a R$ 133 milhões (na cotação do dólar na época), para ações contra o desmatamento no Brasil.
O governo de Bolsonaro se envolveu ainda em algumas polêmicas. O então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, propôs "passar a boiada" durante uma reunião ministerial gravada em vídeo, sugerindo aproveitar a atenção da imprensa voltada para a pandemia de covid-19 para “relaxar” as regulamentações ambientais do país.
Um levantamento da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) mostrou que as multas pagas por crimes ambientais caíram 93% na gestão Bolsonaro. Entre 2018 a 2021, houve aumento de mais de 75% no desmatamento na Amazônia e os incêndios florestais aumentaram em 218%.
A Amazônia viu 3.988 quilômetros quadrados de sua floresta tombar nos seis primeiros meses de 2022. O desmatamento deste primeiro semestre é o maior já registrado para esse período desde 2016, início da série histórica realizada pelos sistemas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Também no governo atual, as minerações em áreas indígenas cresceram. O ano de 2020 teve o maior número já registrado de pedidos do tipo desde 1996.
A coordenadora de políticas públicas do Greenpeace Brasil, Mariana Mota, disse em entrevista a Byte que o governo Bolsonaro demonstrou descompromisso com o meio ambiente, com os povos da indígenas e seus defensores.
“O desmonte das políticas e instituições socioambientais promovido pelo atual governo, bem como suas consequências – notadamente a explosão do desmatamento, da ilegalidade, da impunidade e da violência –, não tem precedentes desde a redemocratização do país”, afirmou.
Para a ativista climática Hannah Balieiro, diretora do Instituto Mapinguari, no Amapá, o legado do governo Bolsonaro na preservação do ecossistema país é de “negligência e destruição”. "Isso é muito triste, deixa uma imagem internacional para o governo de lamento”, afirmou.
O que pode mudar na preservação da Amazônia com Lula?
Paulo Moutinho, pesquisador sênior no IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), acredita que o presidente eleito tem interesse em cumprir as promessas ambientais da campanha. “O que Lula parece demonstrar é que haverá vontade política novamente para fechar essa tríade com a sociedade organizada e atuante e uma comunidade de técnicos”, afirmou.
Segundo ele, a tarefa não vai ser fácil, uma vez que o apoio que ele terá no Congresso não será o mesmo que tinha do início dos anos 2000, por conta da grande quantidade de parlamentares da oposição eleitos em 2022.
Já Ananda Ridart, cientista política e pesquisadora da Associação de Pesquisa Iyaleta, destaca que a principal mudança será o papel do Brasil no cenário mundial.
“O Brasil entra, finalmente, fazendo parte da cooperação internacional numa tentativa de adaptação das mudanças climáticas, com financiamentos e incentivos para outras formas de economias e produção e o redirecionamento da política ambiental brasileira”, afirma Ridar.
Segundo Mota, cumprir a promessa feita por Lula de desmatamento zero é possível e urgente. “Ou os nossos governantes mudam a forma de fazer política e como encaram a Amazônia, ou colocaremos o planeta e nossa nação na direção de um futuro difícil para todos”, disse.
Outro ponto crucial para a representante do Greenpeace é fazer a transição ecológica da economia da destruição para a economia da conservação, que precisa ser prioridade no próximo governo para reduzir em 60% o desmatamento, no mínimo, até 2025 e alcançar o desmatamento zero até 2030.
Quais serão os desafios
Apesar da expectativa e promessas, os especialistas estimam um caminho longo e desafiador a percorrer para recuperar a Amazônia. Ridart, da Iyaleta, acredita que os primeiros anos do governo Lula serão para reorganizar o país e restruturar os órgãos fiscais que perderam verbas.
“Precisamos fortalecer os órgãos ambientais, os órgãos de controle e fortalecer as políticas ambientais para começar a aplicar uma agenda climática efetiva no país”, disse Ridart.
Ela cita ainda que não é possível estruturar uma agenda climática sem pensar num desenvolvimento para a região. “Hoje a região Amazônica (no Norte) sofre com o aquecimento global e sofre com doenças como dengue, zika, chikungunya e outras arboviroses causadas pelas chuvas e enchentes”, afirmou.
Moutinho sugere a Lula elaborar um pacto não somente pelo fim do desmatamento na região, mas pelo seu desenvolvimento sustentável.
“Um plano que considere investimentos estratégicos em bioeconomia inclusiva, pagamentos por serviços ambientais, aumento da eficiência (produtividade) da agricultura nas áreas já abertas e, com mais proteção ambiental, empregos e distribuição de renda. É um baita desafio, mas não é impossível de ser alcançado”, disse o pesquisador sênior do IPAM.
Mota destaca que o principal desafio vai ser retomar o combate ao crime e ao desmatamento, buscando recursos financeiros para ações efetivas e reforçando órgãos, estruturas e planos de proteção ambiental.
“Será preciso que o governo Lula retome o que deu certo no passado, mas com olhar no presente e para o futuro, sobretudo para diminuir desigualdades e atender os mais vulneráveis à crise ambiental e climática”, avaliou a coordenadora de políticas públicas do Greenpeace.