Aumentar a produção industrial e ao mesmo tempo proteger o ambiente é uma meta urgente, mas também um desafio ainda difícil de cumprir. Especialistas estão otimistas quanto ao potencial do Brasil em aliar produção de ponta com ecotecnologias.
O país tem condições para investir em boas ideias como o hidrogênio verde e óleos sintéticos para máquinas. Porém, o país ainda enfrenta barreiras como a falta de fiscalização e aplicação de leis mais rígidas para reduzir a poluição das fábricas.
A Aveva, consultoria britânica de tecnologia da informação, entrevistou em 2021 mais de 850 especialistas em transformação digital para entender oportunidades de mercado unindo técnicas como inteligência artificial e software industrial a metas de sustentabilidade.
Entre os executivos ouvidos, a maioria das empresas industriais (90%) cita esta como uma área de ação central. E 89% estão comprometidos em alcançar emissões líquidas zero de carbono em seus negócios em até cinco anos.
Outro indicativo da urgência deste debate ocorreu na feira de Hannover, na Alemanha, em abril. No evento —— que reúne multinacionais e apresenta inovações na indústria —— o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e a Federação Alemã de Associações de Pesquisa Industrial (AIF) lançaram uma chamada para novas tecnologias de produção de hidrogênio verde, um dos principais combustíveis não poluentes. O financiamento será de aproximadamente R$ 21 milhões.
Para Jefferson Gomes, diretor de Inovação e Tecnologia do Senai, esta é uma grande oportunidade para o Brasil, que tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo. Segundo um relatório de 2022 da Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês), a demanda de biocombustíveis no país cresceu 40%, para 47 bilhões de litros por ano, e a produção deve subir para 49 bilhões até 2027. O etanol responde por 70% dessa expansão.
Além disso, a nação tem capacidade para produzir hidrogênio verde tanto para consumo próprio quanto para distribuição mundial.
“A temática sustentabilidade é muito comum [no Brasil]. A gente nasceu vendo carro movido a álcool, vendo energia hidrelétrica, é natural da gente. Depois de uma revolução industrial, por incrível que pareça, ainda temos os biomas. Então, está no nosso DNA trabalhar em questões de sustentabilidade”, disse Gomes a Byte.
O Brasil e a América Latina no cenário sustentável
A diretora de sustentabilidade da multinacional da indústria Siemens, Judith Wiese, disse a Byte que o Brasil e a América Latina estão se tornando cada vez mais interessantes como provedora de fontes sustentáveis. Afinal, a Europa está com suas cadeias de suprimentos interrompidas por causa da guerra na Ucrânia, além de estar em um impasse nas negociações entre os EUA e a China para serem os novos fornecedores.
“Eu acho que o Brasil e a América Latina têm um grande papel a desempenhar nisso. Já se está usando 80%, 85% de fontes de energia renováveis. Portanto, o país é muito atraente para a reconstrução das cadeias de suprimentos se puder ajudar a fazer isso de maneira sustentável”, disse Wiese.
“Há coisas acontecendo no Brasil — relacionadas a etanol e biocombustíveis — como um desenvolvimento que certamente é interessante e requer um bom uma boa carga de inovação local”, afirmou.
Uma das novidades do governo brasileiro nesse setor ocorreu em março, quando foi oficializada a mudança gradativa dos percentuais de adição do biodiesel no óleo diesel. Apesar de a medida ser voltada ao consumidor final, o governo espera que isso faça aumentar os investimentos na área de biocombustíveis.
Apesar disso, a diretora global da Siemens tem dúvidas sobre como o país se posicionará frente ao novo desafio de fornecer energia limpa para o mundo. “Com que rapidez isso se paga? E até que ponto os governos ajudam a partir de uma perspectiva de incentivo na transição para o novo mundo?”, indagou.
Big techs no cenário sustentável
De acordo com Marcos Vinícius Souza, diretor-executivo do C4IR Brasil (Centro da Quarta Revolução Industrial), os serviços de nuvem das gigantes de tecnologia devem trazer mais inteligência de dados às novas práticas industriais de sustentabilidade.
“Você vê uma entrada fortíssima da Google, da AWS (da Amazon) e da Microsoft apostando pesado em cloud [computação em nuvem] e inteligência artificial para o setor industrial. São novos players [participantes do setor] que não estavam antes no radar”, disse.
O Google Cloud, por exemplo, conta com ferramentas como Carbon Footprint (Pegada de Carbono), que oferece relatórios a empreendedores para entender suas emissões de carbono; e a Active Assist, que identifica projetos ociosos e ajuda na redução da pegada de carbono do empreendimento.
“Usam tecnologias digitais para usar menos insumo, para rastrear pegada de carbono. É super difícil você fazer isso na empresa e mais difícil ainda fazer isso na cadeia. Então, a tecnologia tem sido uma grande aliada”, afirmou Souza.
Cinco soluções sustentáveis para ficar de olho
Fibra têxtil sustentável
A primeira fibra têxtil sustentável do mundo foi criada a partir de celulose microfibrilada (MFC) de madeira, que é basicamente uma fibra de celulose reduzida a nanodimensões. O produto é fruto da parceria da empresa paulista Suzano e Spinnova, uma empresa têxtil da Finlândia focada em materiais ecologicamente corretos.
Com a junção da matéria-prima brasileira e a tecnologia finlandesa, foi possível fabricar tecidos sustentáveis com potenciais de emissão de carbono 70% menor em comparação com outros fibras.
Motor de combustão interna movido a hidrogênio
Uma alternativa inovadora de propulsão está em desenvolvimento pela Tupy, multinacional brasileira do setor metalúrgico sediada em Santa Catarina.
Um motor de combustão interna movido a hidrogênio pode substituir os combustíveis tradicionais por uma opção neutra em carbono, sendo usado em transporte, infraestrutura, agronegócio e geração de energia.
Óleos sintéticos
Com a finalidade de ofertar um tipo de óleo ecologicamente correto capaz de contribuir para a descarbonização das indústrias, a empresa Morlub, do Rio Grande do Sul, lançou óleos solúveis sintéticos orgânicos de alto desempenho.
As principais vantagens do óleo são o fato de ser atóxico, antioxidante, de alta refrigeração, não conter polímeros de petróleo, cloro e óleos minerais na formulação, ser resistente à chama, ter o menor percentual de reposição do mercado (1,5%), não atacar a pintura das máquinas, ter ponto de fluidez estável e não promover formação de espuma residual.
Usinas fotovoltaicas
Focada na instalação e certificação de usinas fotovoltaicas, a ProSolar tem como cliente o Esporte Clube Juventude. O time de futebol instalou no Estádio Alfredo Jaconi 204 módulos de painéis solares, com geração total de 104,1 mil kWh. Assim, deixou de emitir 55 toneladas de CO2 em um ano, o equivalente ao plantio de 396 árvores e economia de R$ 72,5 mil.
Gêmeo digital
Usando conceitos como digitalização de processos, descarbonização e transição energética, o gêmeo digital — uma réplica de algo no mundo físico para ser testada de formas alternativas e seguras antes de ir à prática — é a inovação sustentável aplicada pela Siemens.
Rafael Alves, responsável pela área de digitalização da empresa, diz que o gêmeo digital permite um ciclo de retroalimentação com o mundo real: os dados de uma planta física retornam ao software para análise e melhorias dos processos e voltam a ser aplicados.
Em um gêmeo digital de uma fábrica ou uma plataforma de petróleo, por exemplo, é possível navegar pelo ambiente virtual aplicando, de maneira digitalizada, soluções como treinamento de operadores, ergonomia para colaboradores, diminuição de pegada de carbono e redução de custos.
Ecotecnologias
A professora Graziele Ruas, do departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Faculdade de Engenharia da Unesp (Universidade Estadual Paulista), aponta que novas ecotecnologias estão surgindo para resolver outros problemas além da poluição do ar.
“Não há ‘lixo’ [com as ecotecnologias]! Toda a matéria e energia é utilizada e reaproveitada. O conhecimento dos processos naturais, como ocorre a troca de matéria e energia e como todas as coisas estão conectadas, são o caminho para o desenvolvimento de tecnologias que efetivamente solucionem os problemas ambientais”, diz.
A especialista citou alguns exemplos:
- Para o tratamento de esgoto: Wetlands, sistemas baseados em microalgas que criam habitats para plantas aquáticas;
- Para uma drenagem urbana sustentável: telhados verdes; microrreservatórios em calçadas, ruas e parques; pavimentos permeáveis e porosos; jardins de chuva e de biorretenção; e valas e trincheiras de infiltração;
- Para solucionar poluição das águas superficiais: ilhas flutuantes que funcionam como filtros.
“Essas tecnologias quando aplicadas não resolvem apenas os problemas pontuais das cidades, mas possuem um efeito sinérgico, impactam positivamente a qualidade de vida das pessoas e dos animais, contribuem para a qualidade do ar, da água e outros efeitos que ainda não mensuramos”, destaca a docente da Unesp.
No Brasil, o que ainda precisa ser feito?
O Brasil é cheio de recursos naturais e pessoas dispostas a fazerem a mudança, mas isso não basta. Como em qualquer segmento, muitas vezes a boa vontade tropeça em burocracias legislativas e falta de incentivo.
A advogada e professora especialista em Direito Ambiental e Compliance Karen Machado destaca como uma das urgências do país a atenção a licenças ambientais e o acesso à informação ambiental.
“O cumprimento de condicionantes deve entrar no dia a dia da empresa, devem ser tratados como aliados na busca da sustentabilidade, e não apenas como compromissos burocráticos limitados apenas ao setor de meio ambiente da empresa”, afirma.
Quanto à informação, a especialista cita a ausência de dados ou a dificuldade na obtenção deles.
“A falta de transparência, de sistematização dos dados gerados por diversos setores dificulta o estabelecimento de prioridades e o desenvolvimento de políticas públicas voltadas ao meio ambiente”, disse Machado.
Como exemplo positivo de tecnologia pró-verde, a advogada mencionou o mapeamento e o monitoramento aliado a tecnologias.
“A exemplo do MapBiomas, que auxilia na obtenção de dados seguros e atuais, que contribuem para a análise dos impactos das atividades ambientais e no desenvolvimento de melhores controles internos”, afirmou.
Ações mais rígidas
Para a professora Graziele Ruas, da Unesp, o Brasil deve apoiar ações legais para que o tema seja efetivamente levado com a seriedade e urgência necessárias.
Ela acredita que mais segurança jurídica e incentivos financeiros podem levar a produtos com menor impacto ambiental negativo. A professora traz como exemplo o Programa Produtor de Águas da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), onde os produtos rurais que deixam de poluir são remunerados pela preservação.
Graziele Ruas também fala sobre a implortância em ampliar a rede de fiscalização. "Temos um grande déficit no Brasil de fiscais! A lei só será efetivamente obedecida e cumprirá seu papel se houver uma fiscalização eficiente e forte".