Assim como ocorreu em 2018, parentes estão se desentendendo e até rompendo laços em grupos de WhatsApp que reúnem famílias por conta das eleições e da polarização política. As discussões têm como gancho a defesa ou atauqe aos candidatos a presidente Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL). E se alguns ainda insistem no debate para argumentar, outros preferem ignorar e até silenciar as mensagens.
De acordo com Mateus Omena, de 25 anos, no grupo de WhatsApp da família materna, o diálogo ainda prevaleceu apesar das diferenças. Mas o mesmo não aconteceu nos familiares por parte de pai. “Quando eles começaram a difundir muitos vídeos e textos no grupo, começaram a me incomodar muito, porque era como se fosse um tipo de apologia cega. Isso me revoltou e cheguei a discutir com eles”, diz.
Para Omena, a situação piorou muito a partir das eleições presidenciais de quatro anos atrás. "Eles começaram a fazer a mesma coisa que faziam em 2018, mas de forma mais agressiva, de ficar jogando vários textos e vídeos e GIFs políticos. Eu, minha mãe e meu pai evitamos ficar jogando coisa de política para evitar conflito. Mas o outro lado insiste, então eu perdi a paciência e paramos de falar no grupo", relata.
Cecília Bernadete Franco, de 73 anos, prefere não fugir do debate e do confronto, pois se sente "chateada de ver como pessoas que têm uma formação acadêmica têm uma visão tão rasa das questões social, religiosa e econômica”. No entanto, ultimamente tem “se dado por vencida” e achou melhor silenciar os grupos da família para não lidar com atritos que possam gerar rompimentos.
Franco acredita que o jogo por trás de tudo isso é a falta de liberdade de expressão. Ela acha negativo que cada um “viva no seu mundinho” e julga que isso pode trazer divisões sociais, principalmente em um contexto em que as pessoas estão mais violentas e podem reagir com armas em ambientes públicos, por exemplo.
Gabriel Campagnoli, 24, chegou até a ser excluído de um grupo por suas posições políticas. Ele falou que já havia atritos antes, desde 2016, quando ocorreu o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). “Mas parece que esse ano as coisas tomaram outras proporções. A desinformação foi tanta que, mesmo mostrando dados e matérias de órgãos de imprensa profissional, quem estava maluco era eu”.
Relacionamentos pessoais foram rompidos no grupo, porque, segundo Campagnoli, “o tom mudou, ficou ameaçador e agressivo”. Ao ser questionado se reataria esses laços, Campagnoli diz que por enquanto, não, e precisaria de “muita retratação” para que ele voltasse atrás.
Todos os entrevistados afirmaram haver veiculação de informações falsas nos grupos.
Aproximação pela concordância e virtualidade
No entanto, segundo especialistas ouvidos por Byte, não dá para culpar o aplicativo da Meta pela situação, pois o desgaste vem de outros motivos. “Geralmente, essas relações familiares já estão afetadas por outros motivos e o período das eleições evoca conflitos já existentes, muitas vezes imperceptíveis pelos membros familiares”, diz a psicóloga Ana Vitoria Cerqueira, especializada em terapia cognitivo-comportamental pelo Instituto Capacitar.
Cerqueira destaca um movimento chamado “aproximação pela concordância”, ou seja, quando encontramos um grupo que pensa como nós, tendemos a nos aproximar dele e considerar tudo que o grupo fizer ou falar como verdadeiro. E isso acontece porque muitas vezes, questionar significa ser excluído, coisa que ninguém quer, de acordo com a psicóloga.
Por isso mesmo, questionar falas e desmentir informações falsas se torna tão importante. Dessa forma, há uma quebra com a ideia de que os posicionamentos são compartilhados por todos. Mas Cerqueira lembra que o respeito deve ser priorizado. “Em grupos de famílias precisamos salientar que ali estão pessoas com as quais temos traços de familiaridade e que o respeito deve prevalecer”.
Para Ailton Batista, especializado em Saúde Pública pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), discutir política no WhatsApp traz suas conveniências. “A virtualidade pode trazer o livramento de precisar lidar com as caras e bocas de quem recebe seus posicionamentos, representados nos projetos de nação do candidato defendido”, diz ele.
Vale a pena entrar na briga?
Batista argumenta que, no caso de veiculação de informações falsas, vale a pena desmentir "se existe algum tipo de abertura crítica a uma outra verdade” por parte da outra pessoa. “Não precisa ser uma verdade científica, precisa ser uma verdade que sensibilize e promova um recálculo de rota”, defende.
Batista também aconselha a usar de exemplos da vida da própria pessoa, de forma gentil com sua história de vida, para argumentar. Por outro lado, tratar ou ser tratado como alguém que “tem que ser eliminado do Brasil (...) pode ser bastante adoecedor, já que nacionalidade e filiação são componentes muito relevantes na formação da nossa identidade político-familiar".