Quando alguém come um hambúrguer, sabe que a carne veio de uma animal que estava vivo e respirava. Mas uma startup nos Estados Unidos acredita que não precisa ser assim. A Morden Meadow trabalha em uma bio-impressora 3D que poderia imprimir carne crua.
A empresa acaba de receber um investimento de US$ 350 mil de Peter Thiel, um dos empreendedores mais bem sucedidos do Vale do Silício, criador do PayPal e acionista do Facebook.
Criada por Gabor Forgacs, da Universidade de Misuri, e pelo filho Andras, a startup já teria conseguido fazer um protótipo pronto para o consumo. Gabor afirma que a bio-impressão de algo que vem de um material vivo é muito mais difícil do que criar, por exemplo, uma barra de chocolate - experimento que já foi logrado por outros pesquisadores. "Quando imprimimos material vivo, as células estão também vivas enquanto as estamos imprimindo", reforça.
A tecnologia de impressão em 3D parte de uma modelo digital e cria uma estrutura sólida a partir de pequenas gotas, sobrepostas camada por camada. A preparação é feita por um injetor controlado com muito cuidado, e ao longo da última década foi usada para a criação de joias, jogos, carros e até para fabricar partes de armas de fogo, mais recentemente.
Medicina regenerativa
Para criar a carne a partir de bio-engenharia, os cientistas primeiro obtêm as células-mãe e outras células especializadas de um animal, através de um procedimento comum, chamado biópsia. As células-mãe são capazes de se reproduzir muitas vezes, e podem converter-se em outras células especializadas.
Uma vez que a reprodução atinge um nível predeterminado, as células são colocadas em um bio-cartucho. Ou seja, em vez tinta ou plástico, o cartucho de bio-tinta contém milhares de células viva.
Uma vez impressas na forma desejada, as partículas da bio-tinta se fundem naturalmente para formar um tecido vivo. O procedimento é similar aos usado em testes para imprimir órgãos para transplante.
Até agora, os experimentos usando tecidos bio-impressos e as partes do corpo criadas são apenas de animais. "Em certo sentido, a Modern Meadow está levando a tecnologia a outro nível de medicina regenerativa", avalia Gabor.
Antes da startup, o pesquisador foi cofundador da Organovo, uma das empresas pioneiras em impressão de estruturas com objetivos medicinais. Em 2010, a Organovo bio-imprimiu com sucesso vasos sanguíneos feitos a partir de células humanas.
Outra equipe de pesquisadores, chefiada por Jeremy Mao, da universidade de Columbia, imprimiu em 3D um implente de dente para a mandíbula de rato, e demonstrou que os dentes do animal começaram a crescer naturalmente usando as células-mãe do próprio corpo.
A universidade de Wake Forest, no estado americano da Carolina do Norte, com a colaboração do Instituto das Forças Armadas para a Medicina Regenerativa, bio-imprimiu células diretamente sobre machucados na pele de ratos, para acelerar o processo de cura.
Tecido post-mortem
Apesar dos avanças, ainda há muitos aspectos da medicina regenerativa que precisam ser aperfeiçoados antes que os processos possam ser usados em humanos. "Quando se quer desenhar um órgão é preciso cumprir milhares de condições e requisitos. É preciso ter muito cuidado, porque um tecido ou um órgão são estruturas muito complexas", resume Gabor.
"No caso da carne, considerando o hambúrguer, suas dimensões laterais são muito maiores do que sua espessura, o que faz com que a impressão seja consideravelmente mais simples", acrescenta. "Por isso não estamos lidando com figuras 3D extremamente complexas, com canais entrelaçados e etc: queremos criar algo que tenha uma forma quase bidimencional", diz o pesquisador americano.
A principal semelhança entre os órgãos e a carne é que, em ambos os casos, o resultado é um material biológico. A diferença é que a carne é um tecido post-mortem. "Eventualmente o mataram. Não no sentido de matar um animal, mas no sentido de matar a construção do tecido", explica Gabor.
"embora o precesso de criar uma carne real pode ser mais simples (do que um órgão), será difícil produzir essa carne em escala industrial e convencer os consumidores a aceitá-la", pondera. "Estamos lutando para encontrar o nome certo para chamar a nossa carne. Se for 'engenharia' ou 'carne criada em laboratório' as pessoas nas ruas provavelmente não vão ficar muito felizes em ouvir isso", avalia.
Hambúrguer caro
Querer criar um pedaço de carne sintético não é uma exclusividade da startup americana. Estudiosos da universidade de Maastricht, na Holanda, estão cultivando células animais para produzir tiras de tecido muscular. O líder do projeto, Mark Post, explica que está criando o que poderia ser o primeiro hambúrguer artificial do mundo, e pretendem apresentá-lo ao mundo fim do ano.
A equipe holandês não usa a bio-impressão, mas uma forma de bio-fabricação em que as células-mãe se multiplicam dentro de uma estrutura especialmente preparadas, criando tijolos vivos. Produzir um hambúrguer completo usando este método custaria hoje em dia cerca de US$ 300 mil, diz o pesquisador, mas o preço tende a cair bruscamente à medida que a tecnologia avance.