THE NEW YORK TIMES - Esqueça o drama sem fim, os robôs, as reviravoltas abruptas, o espetáculo, o suposto risco para a República e tudo o que nos é caro. Aqui está a coisa mais importante sobre a compra do Twitter por Elon Musk: os magnatas foram liberados.
Antigamente, quando um magnata da tecnologia queria comprar algo grande, ele precisava de uma empresa para fazê-lo. Steve Case usou a AOL para comprar a Time Warner. Jeff Bezos comprou a Whole Foods para a Amazon. Mark Zuckerberg usou o Facebook para comprar Instagram, WhatsApp, Oculus e assim por diante. Esses eram negócios corporativos feitos para o resultado final, mesmo que nunca tivessem acontecido sem um proprietário famoso e poderoso.
A aquisição do Twitter por US$ 44 bilhões finalmente se tornou realidade na última quinta-feira, 27, seis meses depois que Musk concordou com o acordo. O diferente agora é que um indivíduo está comprando algo para si mesmo, uma plataforma com uma base de 240 milhões de usuários ao redor do todo mundo. Embora tenha outros investidores, Elon Musk terá o controle absoluto sobre o destino da plataforma de mídia social de mensagens curtas.
É um negócio difícil de se avaliar. Mesmo em um setor baseado em negócios de grandes proporções, esta compra é muito incomum. Aconteceu de forma maliciosa e impulsiva. Mas, mesmo para os padrões do Vale do Silício, onde bilhões são oferecidos casualmente para operações de recém-chegados - e até mesmo pela carteira de Musk, na maioria dos dias o homem mais rico do mundo -, US$ 44 bilhões são uma grande quantia.
Comprar o Twitter também é uma ação extremamente ousada. Como se uma única pessoa pudesse consertar uma plataforma de comunicação que teve de lutar muito para se tornar seriamente lucrativa ou que se envolveu em diversas polêmicas sobre os limites da liberdade de expressão praticamente desde a sua fundação, em 2006.
Negócios de bilhões
Se você tem bilhões de dólares hoje em dia, no entanto, a crença em si mesmo nunca está em falta.
A fortuna de Musk vem da fabricante de carros elétricos Tesla, transformada por ele no principal veículo para mudar a forma como os americanos dirigem, tarefa árdua, se é que alguma vez houve uma. Musk e Bezos estão competindo separadamente para recriar o programa espacial, que, na década de 1960, era considerado importante e caro demais para ser administrado por qualquer entidade ou empresa que não fosse gerida pelo Estado.
Zuckerberg mudou o nome do Facebook para Meta e reorganizou a empresa para criar um mundo virtual onde as pessoas possam "viver nele". Peter Thiel, que fundou a empresa de pagamentos PayPal e foi um dos primeiros investidores do Facebook, tornou-se o colaborador de campanha mais proeminente das eleições de meio de mandato nos Estados Unidos, injetando dezenas de milhões de dólares em candidatos congressistas de direita. Dois de seus ex-funcionários são os republicanos indicados ao Senado pelos Estados americanos de Ohio e Arizona.
Richard Walker, professor emérito de geografia econômica da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e historiador do Vale do Silício, vê uma mudança no tabuleiro do poder.
"Nesta nova Era Dourada, estamos sendo agredidos por bilionários, e não pelas corporações que foram a cara do século 20?, disse ele. "E os titãs da tecnologia estão liderando o caminho."
Mesmo as pessoas que acompanham a cena tecnológica de perto há décadas estão perplexas com os precedentes abertos pela compra do Twitter por Musk.
"A maioria dos caras construiu grandes empresas, se aposentou e criou fundações gigantes para doar seu dinheiro. Ninguém fez algo assim", disse Michael S. Malone, que escreveu biografias sobre a Apple, Intel e outras empresas. Ele se considera um fã do afrouxamento das regras do Twitter por parte de Musk: "Abrir o lugar tornará a plataforma ainda mais louca e divertida".
Musk, que dissolveu o departamento de relações públicas da Tesla, não respondeu aos pedidos da reportagem.
Outras aquisições
As pessoas ricas há muito desejam possuir propriedades de mídia, uma tradição que os titãs da tecnologia continuaram. Bezos comprou o Washington Post por US$ 250 milhões. Marc Benioff, da Salesforce, é dono da revista Time. Pierre Omidyar, do eBay, desenvolveu um império midiático local.
Os acordos têm sido uma característica do Vale do Silício desde que ele existe. Frequentemente esses acordos falham, especialmente quando a aquisição foi feita para uma tecnologia que rapidamente ficou desatualizada ou nunca funcionou. Pelo menos uma empresa como a Hewlett-Packard seguiu essa estratégia e praticamente desapareceu.
A Dealogic, uma empresa de dados, compilou para o The New York Times uma lista dos 10 maiores negócios de tecnologia desde 1995 por valor de negócio. Por essa medida, a compra do Twitter por Musk está na décima posição do levantamento. A Microsoft fez a aquisição de mais de US$ 70 bilhões da Activision Blizzard (que está pendente pelas autoridades) atraiu apenas uma fração da atenção dada ao Twitter, embora seja a segunda colocada.
Musk sustentou desde o início que comprar o Twitter não é um troféu ou um jogo nem mesmo um esquema para aumentar seu patrimônio. Em vez disso, ele a lançou nos termos mais grandiosos possíveis. "Ter uma plataforma pública que seja extremamente confiável e amplamente inclusiva é extremamente importante para o futuro da civilização", disse o empresário em abril, depois de selar o acordo. "Eu não me importo com as finanças."
No entanto, o bilionário se importou um pouco mais com a própria carteira quando a queda subsequente no mercado de ações significou que ele estava pagando a mais por uma quantia significativa. Analistas estimaram que o Twitter não valia os US$ 44 bilhões oferecidos, mas sim cerca de US$ 30 bilhões ou até menos. Por alguns meses, Musk até tentou sair do acordo.
Novo começo
Walker, autor de "Pictures of a Gone City: Tech and the Dark Side of Prosperity in the San Francisco Bay Area", teme pelo futuro. "Não há contrapeso para os novos magnatas dos negócios", disse ele. "Sindicatos, organizações fraternais e meios de comunicação locais foram muito enfraquecidos. O público em geral está isolado dessas influências positivas e inundado de desinformação".
Se a compra do Twitter por Musk significa o começo de algo, de outra forma também representa um fim. As outras plataformas de mídia social são mantidas de perto por seus fundadores por meio das estruturas de ações de suas empresas. Ninguém poderia comprar o Facebook sem o aval de Zuckerberg.
"O que era único no Twitter era que ninguém o controlava", disse Richard Greenfield, analista de mídia da Light Shed Partners. "E agora uma pessoa a possuirá em sua totalidade."
Ele está relativamente esperançoso, no entanto, de que Musk irá melhorar o site, de alguma forma. Isso, por sua vez, terá suas próprias consequências.
"Se isso se transformar em um grande golaço, você verá outros bilionários fazendo a mesma coisa", disse Greenfield. / TRADUÇÃO DE JEAN MENDES