O sufixo "tech" ganhou espaço em todas as áreas - e na educação não tem sido diferente — até mesmo para empresas tradicionais com décadas de mercado. Com atuação no setor de edtechs desde 2020, a editora FTD Educação anunciou nesta terça-feira, 9, a compra da Pontue, startup que utiliza inteligência artificial (IA) para correção de redação, e mira em adicionar outras camadas de inovação no portfólio.
Ao todo, cinco startups já foram adquiridas ou se tornaram parceiras da editora, que lançou um programa de inovação para captar startups com soluções voltadas para a comunidade escolar: o Órbita. No orçamento 2023/2024 preveem o lançamento da segunda edição do programa. Uma das expectativas é, quem sabe, encontrar o próximo unicórnio (startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão) brasileiro.
"Queremos enxergar oportunidades de novos negócios e de novos produtos, e quem sabe até ter um unicórnio que surja deste programa todo", afirmou Ricardo Tavares, diretor-geral da FTD Educação.
A empresa de mais de um século, reconhecida por sua atuação no desenvolvimento de materiais didáticos e de literatura, agora almeja ampliar sua presença na oferta de soluções educacionais tecnológicas. Em 2020, a FTD deu o pontapé inicial na área e adquiriu participação na startup Estuda.com, que usa IA para oferecer um plano de estudos customizada para cada aluno em que mostra suas necessidades acadêmicas específicas.
A iniciativa surgiu para sanar a demanda digital crescente do setor. Entre 2020 e 2022, o número de edtechs no País cresceu 40%, segundo o "Mapeamento Edtech 2022: Investigação sobre as tecnologias educacionais no Brasil", elaborado pela Deloitte e pela Associação Brasileira de Startups (ABStartups).
No orçamento do próximo ano (que é contado de julho de 2023 a junho de 2024, devido ao período de volta às aulas), a empresa tem investimento aprovado para a segunda edição do Órbita, feito em parceria com a aceleradora Hotmilk, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Ambas fazem parte do Grupo Marista, gigante do setor educacional.
Na edição do ano passado do Órbita, a FTD priorizou startups com soluções para alguns desafios vividos pelo dia a dia nas instituições de ensino, como gestão escolar, experiência do usuário, acessibilidade, internacionalização e ambiente de aprendizagem. Foram mais de 150 edtechs e 118 selecionadas na primeira fase de captação, representando 17 estados brasileiros.
Além da aquisição da Pontue, a companhia investiu no Diário Escola, um aplicativo de gestão escolar. "A nossa função também é profissionalizar startups na Hotmilk. O nosso ativo principal é educar bem", ressaltou Tavares.
Agora, a editora reúne cinco parcerias com edtechs. A Zoom Education for Life oferece soluções que integram pensamento computacional; cultura maker, relacionada à criação de soluções materiais; robótica e STEAM, metodologia interdisciplinar que une ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática. Pensando na formação de alunos bilíngues, a empresa também incluiu no portfólio de soluções os serviços da Geppetto, uma plataforma gamificada de ensino bilíngue. E contam também com o Instituto Ayrton Senna (IAS), que desenvolve ferramentas para monitoramento das competências socioemocionais dos estudantes.
"Percebemos que a escola precisava de outras soluções além dos materiais didáticos", conta Tavares. A FTD tem mapeado quais são os principais empecilhos para alavancar a aprendizagem e, a partir disso, buscam no mercado quais empresas podem solucionar esses problemas. "Para a educação melhorar, nós precisamos ajudar os professores com novos métodos e novas tecnologias para que isso evolua dentro e fora da sala de aula. Os alunos já estão transformados - agora temos que ajudar os professores nesse processo", explicou.
Negócios
Para o coordenador do curso de Sistemas de Informação da ESPM, Flávio Marques Azevedo, o investimento em inovação parte, também, da necessidade das instituições de automatizar processos - e a melhor opção para isso são as edtechs. "Essa parte da tecnologia que é trazida pela edtech dá todo o suporte e respaldo tecnológico para as instituições. Elas vão ficar muito mais preocupadas na questão do conteúdo, que elas sabem e dominam produzir, e vão ter suporte na parte técnica", analisou. "Você pode ter a melhor instituição e ela não vai conseguir resolver todos os problemas sozinha."
A coordenadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) da Fundação Getúlio Vargas Direito de São Paulo, Marina Feferbaum, defende que esse movimento reforça a importância de olhar para ferramentas que possam auxiliar a aprendizagem. Dentre as tendências nessa área, está o desenvolvimento do protagonismo do estudante. "Hoje temos essa relação muito tradicional do professor falando e o aluno só recebendo. Isso já não cabe mais", afirmou Marina.
Para mudar isso, entram as novas soluções, que incluem gamificação, potencial lúdico e design de facilitação, entre outras. "O docente passa a ser esse designer de experiências", explicou a coordenadora.
Nos novos horizontes
Tavares observa os primeiros frutos gerados pelos investimentos recentes. Um deles é a mudança da visão de mercado acerca da empresa, que passou a ser citada quando o assunto é soluções inovadoras e tecnológicas. "A FTD é reconhecida como uma empresa parceira, flexível e humana. Esse movimento do Órbita trouxe para nós um reconhecimento como uma empresa inovadora, também", afirmou.
Em 2022, a FTD faturou R$ 1 bilhão, atingindo número recorde, de acordo com informações da empresa. Para este ano, a projeção é que esse número chegue a R$ 1,2 bilhões. "Faltam 60 dias para fechar, mas os dados apontam para um crescimento de receita de 20%, e já estamos trabalhando num orçamento 2023/2023 com o desafio de crescer mais 20% novamente", contou Tavares.
A tecnologia traz consigo, além das novas possibilidades, novas reflexões sobre os papéis e limites de seu uso no desenvolvimento dos alunos, dos professores e até mesmo da instituição de ensino. Para Azevedo, estamos na fase ética. "[A discussão] não é mais a IA, é o uso da IA de forma ética", ressaltou.
A implementação de novas tecnologias implica, também, na ampliação de uma educação tecnológica. "[É preciso] educar tanto para mexer [na tecnologia], quanto para ter uma visão crítica sobre ela", defende Marina. Para ela, esse é o caminho para criar uma cidadania digital. "Vai ser um letramento digital e educacional que a gente vai ter, já que a nossa geração não tem referência", acrescentou.