O Marco Civil da internet, sancionado no último dia 23 como uma legislação para garantir a neutralidade na rede e a privacidade dos internautas, é considerada modelo para a comunidade internacional de blogueiros e especialistas.
O Marco Civil "ajudará a iluminar uma nova era na qual os direitos dos cidadãos serão protegidos por leis digitais em todos os países do mundo", afirmou o cientista britânico Tim Berners-Lee, considerado o inventor da internet e um dos muitos especialistas a elogiar a iniciativa brasileira.
Enrique Dans, autor de um dos dez blogs mais lidos do mundo em língua espanhola, afirmou à Agência Efe que a lei brasileira é "uma tentativa real, protagonizada por um país verdadeiramente relevante no contexto internacional, de adaptar as regras do jogo e o contrato social ao contexto atual, condicionado por tudo o que sabemos após as revelações de Edward Snowden".
Dans, especialista em tecnologia digital, acredita que a necessidade de uma legislação para internet se tornou mais evidente do que nunca em meados do ano passado, quando o ex-funcionário terceirizado da CIA começou a revelar documentos confidenciais sobre os programas de espionagem de telecomunicações do governo americano.
"O Brasil tenta realizar uma aproximação com três problemas importantes que condicionam questões que vão desde a convivência entre pessoas e empresas até as relações internacionais: a liberdade de expressão, a privacidade e a neutralidade da rede", explicou Dans.
"O impacto desses três temas é fundamental e, apesar de não ser possível tratá-los pela ótica de um só país, é importante contribuir para construir as bases sobre as quais serão abordados os possíveis acordos internacionais nesse sentido", acrescentou.
Um dos aspectos centrais da lei brasileira é a proteção da neutralidade de internet, entendida como a limitação do controle do tráfego pelas operadoras para evitar discriminações geográficas ou acessos privilegiados quanto à velocidade de conexão e conteúdo.
Marcelo Thompson, subdiretor do Centro de Tecnologia e Lei da Universidade de Hong Kong, e participante do longo processo de deliberação sobre a legislação brasileira, disse que "é preciso dar as boas-vindas à lei".
Mas destacou que "tem um viés a favor das empresas" (como Google e Facebook), que ficam isentas da obrigação de eliminar conteúdos ofensivos ou ilegais quando não houver sentença judicial prévia.
A lei brasileira incorporou uma exceção a esta isenção de responsabilidade: as empresas deverão retirar conteúdo pornográfico publicado sem consentimento ou em casos de "revenge porn" (vídeos íntimos divulgados por antigos amantes ou parceiros como vingança pelo rompimento).
"É difícil, mas é preciso chegar a compromissos razoáveis: a total restrição para as provedores de internet é incompatível com a liberdade de empresa em sociedades livres", concluiu Thompson.
Francisco Brito Cruz, cofundador do Centro de Direito, Internet e Sociedade da Universidade de São Paulo, qualificou a norma de "grande vitória democrática", mas antecipou que nos próximos anos "será necessário discutir algumas melhoras em relação à proteção de dados, uma lei ainda em estado embrionário, e à elaboração de uma nova lei de propriedade intelectual".
O entusiasmo generalizado nas redes sociais com a nova norma por sua defesa da privacidade dos usuários e da neutralidade da rede foi diminuído com a inclusão final de uma permissão de retenção de dados dos usuários durante seis meses pelos provedores de internet.
Por outro lado, o governo ter aberto mão da norma que obrigava os provedores a manterem os servidores em território brasileiro não foi considerada grave pelos especialistas consultados.
Segundo Brito, "todo o mundo sabia que essa disposição não solucionaria o problema. O importante é a disposição de que é a lei brasileira que regerá qualquer relação entre um brasileiro e qualquer companhia tecnológica estrangeira que se estabelecer no País", outra importante novidade da lei.
Apesar dos elogios, a aprovação do Marco Civil não impulsionou um consenso sobre a regulação mundial da rede na NetMundial, a conferência internacional organizada pelo próprio governo brasileiro na semana passada em São Paulo para impulsionar uma legislação multilateral da rede.
A reunião terminou com a elaboração de um documento com recomendações e um lugar futuro para debater a neutralidade global da rede.