O desembargador federal Flávio Lucas, da 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), revogou parcialmente neste sábado (29/04) a liminar que determinava a suspensão temporária do aplicativo Telegram no Brasil.
A medida que tirou a plataforma do ar havia sido imposta pela Justiça Federal do Espírito Santo na quarta-feira, alegando que a empresa não entregou à Polícia Federal (PF) todos os dados solicitados pela corporação sobre grupos neonazistas presentes na plataforma.
Ao cassar a liminar neste sábado, Flávio Lucas argumentou que a suspensão do aplicativo "não guarda razoabilidade, considerando a afetação ampla em todo território nacional da liberdade de comunicação de milhares de pessoas absolutamente estranhas aos fatos sob apuração".
O desembargador, contudo, manteve a multa estabelecida pela primeira instância ao Telegram de R$ 1 milhão por dia enquanto os dados não forem entregues à PF.
Flávio Lucas destacou que a rede social de mensagens tem tido "historicamente embates com o Poder Judiciário" por não fornecer dados solicitados por autoridades.
"É preciso que as empresas de tecnologia compreendam que o 'ciberespaço' não pode ser um território livre, um mundo distinto onde vigore um novo contrato social, com regras próprias criadas e geridas pelos próprios agentes que o exploram comercialmente", disse o desembargador. "As instituições e empresas, tal qual a propriedade privada, devem atender a um fim social, devem servir à evolução e não ao retrocesso."
PF investiga grupos de ódio
Na semana passada, o Telegram entregou parte dos dados solicitados pela PF, mas os números de telefone de integrantes e administradores de um grupo com conteúdo neonazista não foram fornecidos.
O acesso aos dados do Telegram foi solicitado após investigações sobre o ataque que deixou quatro mortos em duas escolas de Aracruz, no Espírito Santo, apontarem a interação do perpetrador de 16 anos com grupos com temáticas antissemitas na plataforma. A polícia pediu os dados para apurar se houve conexão entre os membros do grupo e o criminoso.
Em 6 de abril, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, determinou a abertura de um inquérito da PF para investigar organizações nazistas e neonazistas no Brasil, no âmbito de crimes como racismo e apologia ao nazismo. Segundo o ministro, existem suspeitas de que essas redes atuem em estados diferentes.
Uma reportagem do Fantástico, da Rede Globo, revelou que a Polícia Civil de Santa Catarina havia descoberto uma filial no Brasil de uma organização internacional de supremacia branca.
As investigações, que resultaram na prisão de dez suspeitos, concluíram que o grupo planejava criar uma célula radical de supremacia branca no Brasil. A polícia catarinense disse ter encontrado mensagens criminosas nos telefones dos investigados, incluindo uma que afirmava que "pretos têm que morrer todos os dias".
Os integrantes do grupo recrutavam jovens por meio de contatos via internet para participarem de outras células neonazistas.
Aumento das células extremistas
A determinação de Dino veio após o ataque em Aracruz e outro atentado em uma creche em Blumenau, no qual um homem de 25 anos matou quatro crianças.
Também neste ano, uma professora foi morta por um aluno de 13 anos em uma escola de São Paulo. A ação de outras duas professoras, que imobilizaram e desarmaram o agressor, evitou um massacre maior.
Um levantamento realizado pela ONG Anti-Defamation League (ADL) em 2022 concluiu que o Brasil é o país onde mais cresce o número de grupos de extrema direita, especialmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Segundo o estudo, monitorado pela doutora em antropologia pela Universidade de Campinas (Unicamp) Adriana Dias, que morreu em janeiro deste ano, a maioria desses grupos (137) está em São Paulo, sendo que a maior parte está concentrada na capital, com 51 células.
De acordo com os dados, havia no país mais de 530 grupos extremistas nos primeiros meses de 2022, contra 334 células que foram identificadas em 2019.
Dias dividiu esses grupos em categorias como hitlerista/nazista, negação do Holocausto, ultranacionalista branco, radical catolicismo, fascismo, supremacista, criatividade Brasil, masculinismo, supremacia misógina e neo-paganismo racista.