"As mulheres tendem a encontrar soluções diferentes para os mesmos problemas. Às vezes são soluções mais viáveis". A frase é da astrofísica Duilia de Melo, que colabora com equipes da Nasa desde 1997. Mas instintivamente também foi uma ideia defendida por outras cientistas brasileiras ouvidas por Byte no contexto do Dia Internacional da Mulher, que acontece nesta quarta-feira (8).
Foi o que também disse Natalia Pasternak, doutora em microbiologia, pesquisadora na Universidade de Columbia e presidente do Instituto Questão de Ciência.
"Se você tem uma mesa de discussão onde você só tem homens brancos e heterossexuais, você vai ter pontos de vista trazidos por homens brancos e heterossexuais. Para aumentar a diversidade de ideia, a gente precisa aumentar a diversidade de pessoas. Então, quando a gente fala de representatividade feminina, é porque as mulheres vão trazer ideias diferentes para a discussão", afirmou.
Dados apresentados pela Unesco, em 2020, apontam que apenas 30% dos cientistas de todo o mundo são mulheres. No Brasil, as pesquisadoras representam 40,3%. Mas hoje em dia, o país tem mulheres liderando projetos pioneiros, desenvolvendo novos estudos e aprimorando a ciência e a tecnologia com maestria.
O potencial delas reitera a importância de políticas públicas que incentivam a ciência, financiam pesquisas e valorizam as universidades, para que cada vez mais mulheres possam gerar impacto para a ciência de formas que os homens não conseguiram até hoje.
Duilia de Mello, astrofísica e colaboradora da Nasa
Um dos maiores nomes da ciência no Brasil, a astrofísica extragalática Duilia de Mello é vice-reitora e primeira mulher a ser professora titular na Universidade Católica da América, em Washington (EUA). Colabora com equipes da Nasa desde 1997 e é uma das autoras das imagens das profundezas do universo tiradas com o telescópio espacial Hubble.
“Logo que comecei meu pós-doutorado no Instituto do Telescópio Espacial Hubble eu me juntei a uma equipe que tirou a segunda imagem mais profunda do universo, onde a gente via as galáxias mais distantes. Fizemos essa imagem para o hemisfério sul e eu era a representante desta área. Fui a primeira a ver essa imagem quando montamos ela, foi muito emocionante”, relata Duilia a Byte.
Conhecida como a "Mulher das Estrelas", procura inspirar os jovens a seguir carreira científica.
“É importante que tudo que se faça na sociedade tenha igualdade de gênero, somos até mais do que 50% da sociedade. É importante para a ciência, particularmente, porque as mulheres tendem a encontrar soluções diferentes para os mesmos problemas, elas vêm as coisas pelo seu olhar, seu ângulo”, diz.
Atualmente, a astrofísica está conduzindo um projeto com astrônomos amadores, que usam seus próprios telescópios para captar imagens com tempo de exposição longo para estudar galáxias.
“Escolhi como alvo algumas galáxias que tem algo peculiar com elas e gostaria de saber se vamos achar evidências de processos de colisão, que é a minha área de trabalho”, explica.
“Sou interessada em colisão porque isso define a evolução das galáxias, quero tentar entender como a nossa própria galáxia virou o que ela é hoje, porque afinal de contas a gente mora aqui”, acrescenta a astrofísica.
Natalia Pasternak, pesquisadora na Universidade de Columbia e presidente do Instituto Questão de Ciência
Escritora de ciência brasileira, vencedora do prêmio Jabuti, a comunicadora científica Natalia Pasternak é microbiologista por formação, com doutorado em genética bacteriana pela Universidade de São Paulo. Durante a pandemia de covid-19, contribuiu para diversos jornais do país com informações sobre prevenção, estudos e cuidados relacionados à pandemia.
“O momento da minha carreira que mais me orgulho foi minha participação na CPI da Covid. Representar ali o Instituto Questão de Ciência, com o nosso mote de usar a ciência como uma ferramenta para uma boa gestão de políticas públicas do país, foi uma honra muito grande. Tive a oportunidade de explicar métodos científicos para legisladores no Senado Federal e para milhões de brasileiros que estavam assistindo”, disse Pasternak.
Para ela, a representatividade na ciência deve incluir todas as minorias, como mulheres, pretos, LGBTQI+, ou de países em desenvolvimento, para garantir experiências diferentes.
“Não é somente uma questão de justiça social. Quando a gente fala em representatividade brasileira ou de outros países em desenvolvimento, falamos de ideias diferentes que trazem referência aos problemas daqueles países, no caso do Brasil: doenças negligenciadas, disciplina tropical, desigualdades raciais e sociais que são únicas do nosso país, essas ideias precisam de representantes”, afirmou a Byte.
Pelo Instituto Questão de Ciência, Natalia Pasternak explica que são trabalhadas duas questões essenciais para a valorização da ciência no Brasil.
“Uma é garantir o desenvolvimento da própria ciência, com políticas públicas que garantam o financiamento adequado da pesquisa científica no Brasil. Por outro lado, também precisamos garantir que a ciência seja usada para embasar políticas públicas eficazes”, afirma.
Nísia Trindade, socióloga e ministra da Saúde
Presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de 1997 a 2022, Nísia Trindade é a atual ministra da Saúde do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ela é a primeira mulher a liderar a pasta.
Em seu discurso de posse, a ministra destacou a luta contra a covid-19 e a vulnerabilidade do Brasil durante a pandemia.
“A pandemia mostrou a nossa vulnerabilidade. O rei está nu. Precisamos afirmar, sem nenhuma tergiversação, e superar essa condição”, disse, ao ressaltar que o país responde por 11% das mortes por Covid-19 no mundo, apesar de representar 2,7% da população global. "Nossa gestão à frente do Ministério da Saúde será pautada pelo diálogo com a Ciência”, incluiu a ministra.
Trindade é doutora em Sociologia, mestre em Ciência Política e graduada em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Membro da Zika Alliance Network, um consórcio de pesquisa multinacional para pesquisa e combate do Zika vírus.
Também participou do Plano de Ação Global da Organização Mundial da Saúde (OMS) e fez parte do grupo consultivo da OMS para implementação da Agenda 2030, que preza pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Jaqueline Goes de Jesus, biomédica, participou do sequenciamento do novo coronavírus
Biomédica e doutora em patologia humana pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Jaqueline Goes de Jesus também é referência na ciência brasileira; ela coordenou a equipe responsável pelo sequenciamento do genoma do vírus SARS-CoV-2 apenas 48 horas após a confirmação do primeiro caso de covid-19 no Brasil.
A média no resto do mundo para esse mapeamento foi de 15 dias. A sequenciação permitiu diferenciar o vírus que infectou o paciente brasileiro do genoma identificado em Wuham, o epicentro da epidemia na China.
A cientista também foi membro da equipe liderada por pesquisadores ingleses que sequenciou o genoma do vírus Zika.
Graças ao seu feito na ciência, a biomédica foi homenageada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), em 2021, onde recebeu a Comenda Zilda Arns 2020.
“Esse reconhecimento e essa entrega simbólica, feita pelos meus irmãos pelos quais eu me reconheço, significa muito para mim. É com grande honra que eu recebo essa comenda que tem uma importância muito grande no contexto da saúde pública no Brasil. Recebo em nome de todos os cientistas brasileiros, que têm dedicado o tempo de forma incessante, não só ao combate a pandemia, mas pela valorização da nossa categoria”, disse a pesquisadora na cerimônia.
Ester Sabino, médica e doutora em imunologia, participou do sequenciamento do novo coronavírus
Médica formada pela Faculdade de Medicina da USP, Ester Sabino tem doutorado em imunologia e trabalhou em diversas áreas de pesquisa com grandes projetos internacionais: em doenças transmissíveis pelo sangue, doença de chagas, anemia falciforme e nos últimos oito anos em doenças emergentes, quando ficou conhecida por causa do trabalho do SARS-CoV-2.
Em parceria com a brasileira Jaqueline Goes de Jesus e outros cientistas, Ester Sabino determinou a sequência completa do genoma viral encontrado no Brasil, que foi chamado de SARS-CoV-2.
“O trabalho do primeiro sequenciamento demorou bastante, estávamos trabalhando em melhorar os testes e torná-los cada vez mais rápido desde a epidemia de Zika e eu acho que a gente foi bastante reconhecida por isso; mas o maior desafio é manter os grupos, manter a capacidade de continuar fazendo pesquisa”, disse Sabino.
A médica defende que a participação feminina na ciência precisa ser ampliada, principalmente nas áreas de exatas.
“As mulheres representam metade da força de trabalho, então se você não tem o mesmo número de mulheres, significa que metade dos seus potenciais não estão sendo ouvidos. Precisamos ter homens e mulheres trabalhando na mesma proporção, em conjunto, principalmente na ciência, nas áreas de exatas, onde o número de mulheres é muito pequeno”.
No momento, Sabino pede atenção para um projeto seu sobre a doença de Chagas, considerada, segundo ela, “muito negligenciada". "Com a USP, a UFMG e a Universidade de Montes Claros nós temos esse projeto grande que tenta entender a história natural da doença e ajudar a mudar a forma como esses pacientes são tratados no SUS, melhorando o atendimento. Esse é o que eu tenho mais orgulho, apesar de não ser o que fiquei mais conhecida”, disse a imunologista.