O bizarro paradoxo quântico do 'tempo negativo'

Em experimentos que chamaram atenção recentemente, físicos enviaram pulsos de luz por meio do equivalente a um túnel e verificaram que os pulsos aparentemente passaram menos de zero tempo viajando. E este não é o único exemplo desconcertante de estranheza temporal em escalas muito pequenas — outros teóricos acreditam que é concebível que algumas partículas possam até mesmo mudar o passado a partir do futuro, por meio de um efeito chamado "retrocausalidade".

15 mar 2025 - 16h58
Luz no fim de um túnel
Luz no fim de um túnel
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Tony Soprano está fumando um charuto, dirigindo para casa. Sua viagem começa em Manhattan, onde ele entra no Lincoln Tunnel, com destino a Nova Jersey. Como não há trânsito, ele passa pelo túnel em poucos minutos, emergindo à luz do dia.

Assim começa a conhecida abertura da série Família Soprano.

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No mundo físico dos chefes da máfia, um evento segue o outro. Portanto, se Tony risca um fósforo para acender seu charuto, isso precisa acontecer antes que a ponta se acenda. Essa causalidade parece ser fundamental para a forma como vivenciamos o Universo.

No entanto, a nível quântico, o sequenciamento temporal não é tão claro ou intuitivo. Nos últimos anos, os físicos têm explorado alguns comportamentos muito intrigantes em escalas muito pequenas — alguns dos quais podem ser explicados, enquanto outros parecem questionar nossa compreensão do passado, do presente e do futuro.

Para se ter uma ideia, imagine que a abertura da série Família Soprano mostrava um helicóptero do FBI, a polícia federal americana, observando Tony sair do Lincoln Tunnel — mas eles não conseguem entender o que estão vendo.

Da perspectiva deles, o chefe da máfia sai do túnel antes de entrar. E quando os desnorteados agentes do FBI olham seus relógios, constatam que ele passou uma quantidade negativa de tempo dirigindo entre Manhattan e Nova Jersey.

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É claro que isso é impossível. No entanto, recentemente, físicos ganharam destaque no noticiário por medir uma duração de "tempo negativo". Em experimentos quânticos, eles enviaram pulsos de luz por meio do equivalente a um túnel — mas, assim como a intrigante jornada hipotética de Tony Soprano, os pulsos aparentemente passaram menos de zero tempo viajando.

E este não é o único exemplo desconcertante de estranheza temporal em escalas muito pequenas — outros teóricos acreditam que é concebível que algumas partículas possam até mesmo mudar o passado a partir do futuro, por meio de um efeito chamado "retrocausalidade".

No mundo quântico, parece que nossa compreensão do tempo rapidamente se torna, digamos, desordenada.

Um atraso negativo

Este ano marca 100 anos desde o desenvolvimento da mecânica quântica, e a Organização das Nações Unidas (ONU) designou 2025 como o Ano Internacional da Ciência e Tecnologia Quânticas.

No último século, os físicos exploraram todos os tipos de comportamentos incomuns no mundo quântico: entrelaçamento, superposição, incerteza e muito mais.

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Um dos exemplos menos conhecidos é a maneira intrigante com que a luz atravessa barreiras, como nuvens de átomos.

Na década de 1990, físicos dispararam fótons por uma barreira como um "pacote de ondas" (um feixe de ondas que descreve tanto a natureza da partícula quanto da onda da luz).

Curiosamente, o pico do pacote aparentemente emergiu antes de ele entrar — como um carro saindo de um túnel antes de entrar nele.

Neste diagrama simplificado, o pico de um pacote de ondas viajando da esquerda para a direita emerge de uma barreira aparentemente antes de entrar
Foto: BBC News Brasil

Uma teoria anterior, de meados do século 20, havia previsto o efeito — hoje conhecido como "atraso de grupo negativo" —, mas observá-lo experimentalmente era outra coisa, uma vez que deveria ser impossível.

Isso sugeria que a luz poderia viajar mais rápido do que ela mesma, o que não faz sentido. Além disso, os eventos no tempo estavam aparentemente ocorrendo fora de ordem.

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"Tivemos que encontrar uma nova maneira de conciliar isso com nossas ideias de causalidade", diz o físico Aephraim Steinberg, da Universidade de Toronto, no Canadá.

Nos anos seguintes, Steinberg e seus colegas físicos propuseram o que poderia estar acontecendo, sem violar as leis da física conhecidas.

Em resumo, eles argumentaram que o pacote de ondas não estava viajando no tempo, mas se reorganizando para dar a impressão de que o efeito vinha antes da causa.

Para entender, imagine uma fila de carros dirigindo entre Nova York e Nova Jersey, diz Steinberg. Podemos imaginá-los como 100 Tony Sopranos, cada um dirigindo bem colado atrás do outro em um congestionamento. Eles representam fótons em um pacote de ondas.

A fila de Tony Sopranos parte de Manhattan às 13h. Por volta das 13h30, o ponto médio deste "trem" de carros entra no Lincoln Tunnel. Este é o pico de um pacote de ondas.

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Você esperaria que este pico sairia alguns minutos depois, certo? No entanto, o pico já saiu do túnel — às 13h25. Tony Soprano, um aparente viajante do tempo.

O que pode realmente estar acontecendo a nível quântico, dentro da barreira, é que nem todos os fótons estão conseguindo passar, diz Steinberg.

Na analogia com o carro, alguns estão parando no acostamento ou retornando; no experimento, eles são absorvidos ou ejetados por átomos dentro da barreira.

Quando isso acontece, o rastro dianteiro do pacote de ondas se remodela em um novo pico. Ele se parece estranhamente com o que está entrando.

Em escalas muito pequenas, o tempo parece funcionar de forma muito diferente da maneira como estamos acostumados
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Naturalmente, é mais complexo do que isso — os fótons não agem como carros enfileirados porque sua posição é indeterminada.

"Os fótons não têm nenhuma identidade individual", explica Steinberg.

"É por isso que o túnel é puramente uma analogia, mas serve para mostrar que não há contradição com a causalidade."

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Portanto, o que parece ser uma violação das leis da física é mais como uma reorganização dentro do pulso de luz. Com essa explicação, nenhuma partícula está experimentando tempo negativo, e não há viagens mais rápidas do que a luz.

Mistério resolvido? Não exatamente.

Uma duração negativa

Experimentos mais recentes do grupo de Steinberg acrescentaram uma nova reviravolta que (ainda) não pode ser explicada. Enquanto os físicos do estudo anterior observaram um aparente atraso negativo — um pulso que saía de uma barreira antes de entrar — desta vez, uma equipe liderada pela física Daniela Angulo Murcillo calculou uma duração negativa.

Atraso e duração parecem ser a mesma coisa: afinal, se o seu voo sofrer um atraso, é a mesma coisa que a duração do tempo que você passa esperando. Mas este não parece ser o caso em escalas atômicas.

"A mecânica quântica diz que pode haver um processo — um evento — que é descrito por várias escalas de tempo", diz Steinberg.

"Então, você pode perguntar: "quando [um fóton] chega?". Você pode perguntar: 'quanto tempo ele passa na barreira? Não necessariamente você vai obter a mesma resposta."

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A medição negativa da duração adicionou uma nova camada de estranheza. Na analogia com o carro, Tony Soprano passa menos do que zero tempo no túnel, e isso não pode ser explicado pelo mesmo remanejamento de pacotes de ondas que explicou o atraso negativo.

"Quando a estranheza foi explorada na década de 1990, as pessoas deram sentido a ela. Mas, olhando novamente, um pouco mais a fundo, o mistério parece ser incontrolável agora. Há algo aqui que é realmente, aparentemente, paradoxal", diz Josiah Sinclair, atualmente no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), nos EUA, que trabalhou com Steinberg e outros colegas nos últimos anos para explorar este fenômeno.

Tudo começou com uma pergunta aparentemente simples: quanto tempo os fótons passam atravessando uma barreira? Fazer esta medição não é tão fácil quanto ajustar um cronômetro. Diferentemente dos carros em um túnel, os fótons não têm posição ou trajetória fixa no espaço.

"Uma percepção incrivelmente fundamental e profunda sobre a natureza dos fótons é que eles não têm a mesma realidade", explica Sinclair.

"Sua existência é fundamentalmente diferente da dos carros. Não podemos etiquetá-los e rastreá-los."

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Então, os físicos mediram o tempo gasto indiretamente, analisando a excitação dos átomos dentro da barreira, à medida que os fótons passam por eles ou os atingem. Voltando à analogia dos carros no túnel, Sinclair diz que é um pouco como analisar os veículos que passam usando apenas suas emissões.

Se você instalasse um monitor de monóxido de carbono dentro do Lincoln Tunnel, não seria possível rastrear os carros individualmente, mas talvez fosse possível descobrir quanto tempo os veículos passaram ali dentro.

A chamada 'ação assustadora à distância' acontece quando duas partículas estão 'entrelaçadas'
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"O mais chocante é que, quando você projeta algo que mede quanto tempo os carros ficam no túnel — este monitor de monóxido de carbono —, acaba que o monitor, neste tipo de situação de mecânica quântica, mostra minutos negativos", afirma Sinclair.

"Entendemos matematicamente por que isso está acontecendo, mas não sabemos como falar sobre o significado físico disso", ele acrescenta.

"Não há uma correspondência clara com o mundo que conhecemos: o mundo físico que vivenciamos. Então, ficamos apenas dizendo: 'Ok, bem, acho que a mecânica quântica é simplesmente diferente'."

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Retrocausalidade

Mas se você acha isso estranho, a mecânica quântica vai te deixar ainda mais perplexo. Nos últimos anos, alguns teóricos propuseram que as partículas podem ser capazes de mudar o passado a partir do futuro — a chamada "retrocausalidade".

Embora esta ideia não tenha a evidência observacional dos experimentos de túnel quântico, é uma perspectiva levada a sério pelos físicos.

O motivo é que esta estranheza temporal ajudaria a resolver uma aparente impossibilidade que eles observaram, chamada de "ação assustadora à distância".

Esta ação assustadora acontece quando duas partículas estão "entrelaçadas", o que significa que elas estão fortemente conectadas, independentemente da distância física entre elas.

Em princípio, elas poderiam estar em lados opostos do Universo, mas quando os cientistas medem, por exemplo, o giro ou a polarização de uma partícula entrelaçada, uma propriedade correspondente da sua parceira entrelaçada é determinada instantaneamente.

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Voltando à Família Soprano, é como se Tony tivesse um irmão gêmeo que morasse na Califórnia.

Se Tony pedir vitela no restaurante Vesuvio em Nova Jersey, o pedido do seu irmão em um restaurante de Los Angeles instantaneamente vai se tornar vitela também (ou talvez peixe; a propriedade não precisa ser idêntica, mas o ponto principal é que a refeição do irmão não é determinada até aquele momento).

O que torna isso assustador é que essas partículas não têm essas propriedades até serem medidas; até lá, elas existem em vários estados simultaneamente.

Na analogia com os gêmeos Soprano, não há planejamento prévio sobre suas escolhas de refeição; é como se alguma influência estivesse passando instantaneamente entre eles enquanto o garçom anota o pedido de Tony, mais rápido que a luz.

"É possível mostrar matematicamente que essas correlações não são explicáveis em termos de uma causa comum no passado", diz a física Emily Adlam, da Universidade Chapman, na Califórnia.

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"Parece ingenuamente que há algum tipo de sinal instantâneo que vai de uma partícula para a outra dizendo a esta partícula qual medição você realizou, ou vice-versa. Isso é muito estranho. Os físicos não acreditam que sinais devam ser capazes de ser enviados mais rápido do que a luz."

Uma maneira de contornar o problema da ação assustadora à distância — também conhecida como não-localidade — é invocar a retrocausalidade. Neste cenário, as informações não precisam passar instantaneamente entre as partículas pelo espaço; isso acontece pelo tempo.

Se for verdade, isso significaria que uma partícula medida passa informações para o passado — para o momento em que foi entrelaçada com seu par —, e depois para o momento em que ocorre a medição. Ou, na analogia com os Soprano, o pedido de refeição de Tony em Nova Jersey remete ao momento em que os dois gêmeos estavam no útero e, em seguida, é encaminhado para o restaurante na Califórnia.

No mundo quântico, nossa compreensão intuitiva de passado, presente e futuro pode não se aplicar
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Este conceito é reconhecidamente contraintuitivo, e parece substituir uma impossibilidade por outra — uma cura que parece pior do que a doença.

Isso sem mencionar o fato de que parece abrir a porta para os paradoxos da viagem no tempo, em que influenciar o passado altera o presente. Mas não seria a primeira vez que a mecânica quântica desafia o senso comum.

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Em sua defesa, os defensores da retrocausalidade destacam que ela só parece improvável porque nós — na escala macroscópica — vivenciamos o tempo em uma direção.

Em escalas muito pequenas, acredita-se há muito tempo que as leis da física são simétricas em relação ao tempo (com algumas exceções).

E quanto ao aparente problema da viagem no tempo, isso só se aplica se a partícula foi medida no passado, eles dizem. Isso não acontece; em vez disso, ela permanece em seu estado quântico indeterminado.

Ainda assim, se isso for verdade, o Universo teria que funcionar de forma diferente da que imaginamos atualmente, afirma Adlam. Em um cenário, duas linhas do tempo estariam essencialmente lado a lado.

"Quando as pessoas mencionam a retrocausalidade, o que elas parecem ter em mente é uma imagem em que há uma evolução para frente e uma evolução para trás do Universo. É uma imagem com duas setas causais separadas e independentes", diz ela.

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"Este é um tipo de imagem 'dinâmica' da retrocausalidade, em que você tem processos literais de avanço e retrocesso acontecendo em alguma combinação."

Adlam duvida, no entanto, deste cenário. "Não é uma maneira muito atraente de pensar sobre a retrocausalidade, porque você pode facilmente obter inconsistências, contradições e paradoxos", ela explica.

Em vez disso, ela argumenta que a retrocausalidade é mais plausível se vivermos no que é conhecido como "universo em bloco".

Este é um modelo hipotético (e filosoficamente controverso) de existência, em que todos os momentos no tempo — passado, presente e futuro — coexistem em um objeto quadridimensional.

Se este bloco está preenchido com todos os eventos que já aconteceram ou vão acontecer, então é mais fácil ver como alguma influência hipotética poderia passar entre as partículas dentro dele, diz Adlam.

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Para explicar as ações assustadoras das partículas entrelaçadas, as informações não precisariam viajar para o passado em alguma linha de tempo retrocausal alternativa.

"Não há fluxo temporal", ela afirma.

"O tempo é apenas outra dimensão dentro do bloco, em vez de ser uma coisa material que se move."

Se for este o caso, chegamos ao que pode ser a implicação mais preocupante de todas sobre a mecânica quântica — e seu estranho comportamento temporal.

Se você aceitar a interpretação mais fatalista do universo em bloco, então, assim como Tony Soprano, todos nós somos apenas personagens de uma série de TV cósmica. Podemos experimentar a vida episodicamente, mas nosso futuro é tão determinado quanto nosso passado.

Portanto, enquanto você estiver no meio da sua história, aqui vai um alerta de spoiler: o seu próprio final — o momento em que luz se apaga — pode já ter sido escrito.

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Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.

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